Em Belo Horizonte está um dos maiores fãs do Clube da Esquina: Samuel Rosa, do banda Skank. O cantor e compositor belo-horizontino acabou ajudando a espalhar o som de Milton Nascimento, Lô Borges e companhia para novas gerações de admiradores.
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'Clube da Esquina' atraiu olhos e ouvidos do mundo para Milton Nascimento 'Não há ninguém como Milton Nascimento', diz Herbie Hancock, lenda do jazzCoesão poética e liberdade de criação são a alma do 'Clube da Esquina'Duca Leal é a musa da canção mais romântica do disco "Clube da Esquina"Milton Nascimento: 'Nada na minha vida seria como foi sem os amigos'Lô Borges conta por que o disco 'Clube da Esquina' se tornou um clássicoFoi na adolescência, já aspirante a músico, que o futuro astro do Skank mergulhou com mais profundidade nas sonoridades daquele disco duplo. “Tem tudo: folk psicodélico, música africana e latina, o rock. Chama a atenção esse arco-íris, essa pluralidade de vertentes. Eram garotos que estavam na ebulição de sua criatividade”, observa.
Samuel tinha a impressão, equivocadamente, de que Milton não dava muita atenção para a música do Skank ali pelo começo dos anos 1990, quando o grupo surgiu. Mas tanto Bituca quanto Lô, à primeira audição, simpatizaram com a sonoridade da banda mineira, embora os primeiros trabalhos do Skank não remetessem de forma explícita à filiação ao Clube da Esquina.
“Para nossa surpresa, alguém comentou que o Milton estava curtindo bastante nosso primeiro álbum”, conta Samuel. “Milton é um cara de cabeça aberta, incrível, sem nenhum tipo de preconceito com gênero nenhum. Ele gosta de coisa boa.”
Reggae com Bituca
O Skank teve a oportunidade de subir ao palco com ele. A banda de Samuel já tocava “Raça”, de Milton e Fernando Brant, em seus shows, em formatação reggae. Bituca ouviu uma fita gravada, curtiu a versão e apresentou a faixa ao lado do Skank em Belo Horizonte. “Foi nosso primeiro grande encontro com ele”, lembra Samuel.
Ele conheceu Lô Borges na casa do compositor belo-horizontino Chico Amaral, letrista do Skank e também parceiro de Lô. “Era muito fã dele, de ter todos os discos, e também de ir a todos os shows na década de 1980, fosse no Palácio das Artes, fosse na Praça Duque de Caxias, em Santa Tereza”, relembra Samuel.
O encontro gerou o embrião da parceria que se tornaria frutífera. Em 1999, Lô e Samuel subiram ao palco para revisitar canções de ambas as trajetórias.
“Modéstia à parte, me sinto um pouquinho responsável pelo resgate de 'Trem de doido' (faixa de 'Clube da Esquina'). Quando eu e Lô começamos a tocar juntos, pedi muito pra gente tocar essa música, que eu amo”, conta Samuel.
Vez ou outra eles reeditam esse projeto, que gerou disco e DVD ao vivo em 2016, além de parcerias como “Dois rios” e “A última guerra”. “Lô é um grande irmão que eu tenho”, declara o vocalista do Skank.
Criolo: ''Milton é presente de luz em minha vida''
Egresso do universo do rap, o cantor e compositor paulistano Criolo, de 46 anos, caiu nas graças de Bituca. Ney Matogrosso apresentou os dois, que se tornaram amigos, parceiros e subiram ao palco em algumas ocasiões. “Dez anjos”, feita pela dupla, foi primeiramente gravada por Gal Costa no álbum “Estratosférica”, de 2015.
“O pedido veio de uma amiga de longa data, a Gal, para uma música especial que iria para o disco dela. Milton então me ligou e pediu uma letra para ele musicar. Surreal!”, vibra Criolo em entrevista ao Estado de Minas.
Os dois gravaram “Dez anjos” no EP “Existe amor”, lançado por eles em 2020. Nesse projeto, Milton revive o primeiro sucesso nacional de Criolo, “Não existe amor em SP”, enquanto o paulistano dá vida à clássica “Cais”.
“Até hoje não acredito que esse presente da vida é real. Não dá pra explicar o que é esse presente de luz em minha vida”, comenta Criolo. “Milton é todo coração, todo amor, e me deu esse passe livre de aprendizado e afeto”. O rapper até hoje se emociona quando escuta “Clube da Esquina”, diz que o impacto do disco de 1972 em sua vida é “eterno”.
CÉU, MÔNICA E HAMILTON DE HOLANDA
Em 2021, a paulistana Céu gravou um disco de versões e incluiu “Um gosto de sol”, de Milton e Ronaldo Bastos, que acabou batizando o álbum. A faixa foi colhida de “Clube da Esquina”. m 2017, o rapper belo-horizontino Djonga fez a releitura da capa do “Clube da Esquina” em seu disco de estreia, “Heresia”.
Há diversos álbuns dedicados integralmente à obra de Milton, como “Encontro marcado”, do MPB4; “Casa de Bituca”, de Hamilton de Holanda; e “Invento+”, de Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum.
Em breve, a cantora Mônica Salmaso e o pianista André Mehmari lançam o disco em que registraram em estúdio, em 2020, canções consagradas na voz de Bituca.
Uma das intérpretes brasileiras mais importantes surgidas nas últimas décadas, Mônica acredita que Milton é um dos pilares da música do Brasil. “É uma das pessoas que formaram o conhecimento musical da minha geração”, diz a paulistana, de 51 anos.
“Demorei muito a fazer um trabalho em homenagem ao Milton por me sentir intimidada pelo tamanho da voz dele”, comenta. “Quando, além de compositor, o artista é um intérprete como Milton, a gente tem a impressão de que o melhor já foi feito. Mas a intenção não é comparar, e sim homenagear”, explica Mônica.
Zé Ibarra: "Milton é um milagre"
Nos últimos tempos, um jovem nome acabou bastante associado ao de Milton, o do carioca Zé Ibarra. Lançado como vocalista da banda Dônica em 2015, Ibarra foi convidado por Bituca, em 2019, a rodar o país com a turnê “Clube da Esquina”. O novato interpretou com personalidade algumas das canções emblemáticas do ídolo.“Subir ao palco com o Milton é escola viva, é aprender por osmose tudo o que se pode aprender. Ele é uma entidade viva, está em outro lugar, porém continua aqui conosco”, conta Zé Ibarra, de 25 anos. “Toda a energia que ele carrega junto com sua voz atravessa o tempo e torna o acontecimento de estar cantando na nossa frente quase um milagre. Para mim, Milton é um milagre. Como um bom sortudo, tenho a sorte de presenciar esse milagre muitas vezes bem de pertinho”.
O carioca ouviu “Cais” pela primeira vez quando tinha 14 anos, em uma viagem a São Paulo, e sacou que era por aquele tipo de sonoridade que gostaria de caminhar. “Lembro-me de ser invadido por uma sensação única, aquela harmonia intuitiva que foge às leis óbvias, e aquele canto todo. Apaixonamento total”, diz.
Na Dônica, Ibarra tocava com Tom Veloso, filho caçula de Caetano Veloso e Paula Lavigne. A banda trazia a influência dos mineiros em seu som e, certo dia, mandou o vídeo de uma canção nova para Milton, que curtiu a onda dos garotos e se tornou padrinho musical deles.
Zé Ibarra acabou de lançar um álbum com sua banda Bala Desejo. Passou a ouvir a obra de Milton com mais profundidade quando começou a compor – sobretudo os primeiros discos.
“Os sons, os caminhos harmônicos, as melodias, isso me impregnou e continua me impregnando desde então”, detalha Ibarra, que viveu um período em um sítio em Minas Gerais, quando criança.
“Além do som propriamente dito, ainda ressoa em mim a subjetividade mineira das montanhas e do frio que me arrepia os cabelos da alma. Uma vez contaminado pelo Milton, nunca deixei de ouvir e, portanto, nunca deixei de colocá-lo em tudo o que faço: Dônica é Milton, Bala Desejo é Milton e Zé Ibarra também é Milton. Que maravilha poder ser!”.
MARIA RITA E MARINA
Assim como apostou em Lô Borges e Beto Guedes no começo da carreira, Bituca deu providencial mãozinha para diversos outros artistas ao longo de sua trajetória. Maria Rita gravou com ele em “Pietá”, de 2002, antes de lançar seu primeiro trabalho.
Vale lembrar que Elis Regina, mãe dela, foi a primeira cantora famosa a registrar uma composição de Bituca, “Canção do sal”.
A belo-horizontina Marina Machado também cantou com Milton em “Pietá” e acabou acompanhando o artista na turnê do disco “…E a gente sonhando” (2010).