Depois de dois anos em estado de suspensão, por causa da pandemia, o Festival de Fotografia de Tiradentes – Foto em Pauta volta com força total, em formato presencial, a partir desta quarta-feira (16/3).
Com uma programação que inclui 16 diferentes exposições, ciclo de palestras e lançamentos de livros, entre outras atividades, o evento vai reunir, segundo seu idealizador, Eugenio Savio, aproximadamente 500 autores, de vários lugares do mundo, apresentando seus trabalhos em fotografia, vídeo, projeções e outros suportes afins.
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De acordo com Savio, a retomada do evento se dá graças à união de organizadores e artistas e ao desejo de levar arte ao público. “Sabemos que o Festival de Fotografia de Tiradentes é importante para quem admira a arte e a fotografia, além de proporcionar um passeio por uma das regiões mais atrativas de Minas. Essa edição traz a alegria do reencontro e a proposta de mais uma vez pensar o mundo por meio da fotografia”, diz.
Das 16 exposições que estarão em cartaz, três são produções do próprio Foto em Pauta: a que carrega o tema central da edição deste ano, batizada “Cosmopolíticas”; uma que se concentra no trabalho de Cristiano Mascaro, intitulada “O que os olhos alcançam”; e a que resulta de uma convocatória popular realizada em 2020, “Traços do singular”, que apresenta trabalhos de 50 autores de todo o Brasil.
Parcerias e propostas
Todas as outras, conforme explica Savio, são fruto de parcerias ou resultam de propostas que artistas e curadores fazem à organização do Foto em Pauta. “São iniciativas que chegam de todas as partes do Brasil e nos procuram para realizar alguma coisa aqui, dentro da programação do festival”, diz.
Um exemplo é a mostra “Mnemomáquina”, originalmente realizada no ano passado, em Fortaleza, com curadoria do mineiro Eustáquio Neves, que coordenou uma residência artística na capital cearense.
Outro exemplo é a exposição “Através do olhar”, que reúne fotografias de mulheres negras oriundas da zona Oeste do Rio de Janeiro. “Uma coisa que facilita montar a programação do Foto em Pauta são essas parcerias, com pequenas mostras que acabam trazendo muitos autores. É um esforço coletivo”, afirma Savio.
Ele destaca, ainda, a presença marcante de mulheres nesta 11ª edição do evento. “Tem a mostra ‘Presença’, que reúne 39 mulheres fotógrafas, e tem também uma palestra com esse foco, que será conduzida por três mulheres”, aponta.
Ele ressalta um movimento mais efetivo de internacionalização do festival por meio de uma das exposições, intitulada “O urbano entre a realidade e a utopia”, fruto de uma parceria com o Rotterdam Photo Festival e que conta com o apoio do Reino dos Países Baixos no Brasil.
Em formato de projeção audiovisual, essa mostra ocorrerá nas noites de sexta e sábado, com exibições no Centro Cultural Yves Alves e em áreas externas no centro histórico de Tiradentes.
Diálogos da programação
Savio chama a atenção para os diálogos que as diferentes exposições, as palestras e outras ações acabam por estabelecer entre si, às vezes de forma não planejada. “A mostra ‘Cosmopolíticas’, que em linhas gerais trata da nossa presença no mundo, conversa com a ‘Traço do singular’; o trabalho do Cristiano Mascaro, que trata da questão do urbano, com um olhar para as edificações, combina perfeitamente com as projeções que a gente faz em parceria com o Rotterdam Photo Festival. Há uma junção interessante de conteúdo, o que tem a ver com as temáticas mais significativas da fotografia contemporânea. A questão da utopia, das identidades, tudo isso foi uma conjunção meio natural”, aponta.
O ciclo de palestras também está em sintonia com as mostras, segundo o idealizador do festival. “Os debates, de alguma forma, são espelhados no restante da programação, então tem uma conversa que é sobre cosmopolítica; tem outra que é em torno do trabalho do Mascaro; tem uma que é sobre residência artística em fotografia, algo que a gente percebe que está crescendo muito no Brasil”, destaca.
Tema central da edição deste ano do Foto em Pauta, a cosmopolítica é um pensamento filosófico que transcende as fronteiras geográficas e que considera a humanidade e os outros seres da Terra em seus múltiplos mundos.
Sob a curadoria de João Castilho e Pedro David, a exposição “Cosmopolíticas” reúne obras de artistas brasileiros que trabalham com fotografia em torno do tema de uma política da natureza que ocorra por meio dos corpos, das ausências e dos territórios.
Isabelle Stengers
“A gente partiu dessa ideia, esse conceito formulado recentemente por uma filósofa belga, a Isabelle Stengers, que trata de uma política que leva em conta uma parcela maior dos seres da Terra, em contraposição a uma ideia mais engessada de política focada em governos, em estados. É uma política que leva em consideração todos os seres, humanos e não humanos, os lugares, as coisas e tudo o mais que a gente possa imaginar”, diz João Castilho.
Com o leque tão amplo que esse mote permite, ele e Pedro David fizeram o trabalho de curadoria a partir de um recorte de três tipos de cosmopolítica: a dos corpos, a dos fantasmas (ou das ausências) e a da Terra.
“A partir daí que a gente direcionou. Fomos em busca das obras e dos artistas com os quais a gente queria trabalhar, os que a gente achava que colocavam essas ideias da cosmopolítica em ação por meio de seus trabalhos”, afirma.
Participam dessa mostra Araquém Alcântara, Bárbara Lissa e Maria Vaz (Duo Paisagens Móveis), Breno Rotatori, Denilson Baniwa, Eustáquio Neves, Francilins, Gilvan Barreto, Julia Baumfeld, Luisa Dörr, Paulo Nazareth, Tuane Eggers e o coletivo Selvagem Ciclo de Estudos, coordenado por Ailton Krenak, e que vai promover a exibição de vídeos. Castilho ressalta que as proposições da cosmopolítica aparecem, de uma forma ou de outra, nos trabalhos de todos esses selecionados.
Linhas que se cruzam
“O trabalho do Paulo Nazereth faz passar pelo próprio corpo essa ideia; outros artistas vão trabalhar com outros corpos, dos animais, até dos fungos, que é o caso da Tuane Eggers”, diz, destacando que as três linhas de pesquisa propostas a partir da cosmopolítica se cruzam e se sobrepõem às vezes num mesmo artista.
“O trabalho de Eustáquio Neves, por exemplo, batizado ‘Encomendador de almas’, é sobre o Crispim, que é o responsável pela passagem entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos em uma comunidade quilombola, o que envolve uma cosmopolítica dos fantasmas, mas também com a presença dos corpos, tanto o do Crispim quanto os dos mortos”, cita.
Ele explica que o número de trabalhos que cada um dos fotógrafos participantes apresenta varia. Luísa Dörr comparece com 24 imagens; a Duo Paisagens Móveis apresenta seis trabalhos; Paulo Nazareth chega com três fotos e uma instalação; Gilvan Barreto mostra três imagens; Julia Baumfeld integra a exposição com 24. “Essa seleção depende de quantas imagens foram necessárias para passar a ideia do que cada artista estava buscando representar”, diz Castilho.
Araquém Alcântara, um dos mais reconhecidos fotógrafos do Brasil, está presente em “Cosmopolíticas” com uma única fotografia, segundo o curador. “O trabalho dele é o retrato de um senhor de barba branca segurando uma imagem de vários crânios; esse senhor é o pai dele, durante um protesto, nos anos 70, contra a construção de uma usina nuclear no litoral de São Paulo. É uma foto que condensa os três recortes que a gente propôs. Araquém é o maior fotógrafo de natureza do Brasil, poderíamos fazer uma exposição inteira só dele, mas a gente achou que essa foto já dizia tudo”, aponta.
11º FESTIVAL DE FOTOGRAFIA DE TIRADENTES – FOTO EM PAUTA
A partir desta quarta-feira (16/3) até o próximo dia 20, no Centro Cultural Yves Alves (rua Direita, 168, centro de Tiradentes/MG) e em diversos espaços públicos da cidade histórica. A programação está disponível no site do evento.