Cinco anos depois de lançar “América por una mirada femenina” (2017), Claudia Manzo, artista chilena radicada em Belo Horizonte, está de volta com “Re-voltar”, disponível nas plataformas digitais. Produzido ao longo dos últimos dois anos, o segundo álbum de estúdio dela resulta da imersão artística realizada durante a pandemia, abordando temas que remetem ao rumo da humanidade.
“'Re-voltar' é como voltar para trás novamente. É se inspirar no passado para construir o futuro. E também tem a ver com revolta mesmo, no sentido de se manifestar e falar que isto aqui que nós estamos vivendo não está legal, precisa mudar”, Claudia explica.
“A gente chegou num ponto, em nível mundial, em que a pandemia só evidenciou ainda mais os nossos problemas. Vivemos em meio às crises climática, política, econômica e social. Movimentos extremistas estão em pleno ressurgimento. Tudo isso me fez pensar o que precisamos fazer para construir um futuro melhor. Esse disco nasceu um pouco da tentativa de olhar o presente de forma desconstruída para compreender as nossas problemáticas”, afirma.
PROJETO PANDÊMICO
Quando a pandemia começou, em março de 2020, ela não pretendia fazer um álbum. Preparava-se para lançar uma série de singles avulsos, que não necessariamente seriam reunidos em um registro completo. O que mudou isso foi justamente o tempo que Claudia teve para parar e pensar em um projeto fechado.
“Nunca parei de produzir, mas naquela época eu estava em dúvida se fazia ou não um álbum, porque o mercado mudou muito, as pessoas estão mais habituadas a consumir singles. Gosto da narrativa do álbum. Tem uma dramaturgia que dá ao artista a oportunidade de tratar de temas diversos”, ela afirma.
“Re-voltar” traz essas características. Com 10 faixas distribuídas ao longo de 33 minutos, o registro toca em questões que Claudia enfrenta no dia a dia, como o machismo, a saudade, a gordofobia e as barreiras linguísticas de uma pessoa cujo idioma nativo é o espanhol.
Em “Confissão”, ela canta sobre suas angústias. A letra de “Língua” traz referência a Caetano Veloso, no verso “A língua também é minha pátria”. Já “Corpo livre” celebra a diversidade e a liberdade das mulheres.
Produzido pelo belo-horizontino CIDO, conhecido por assinar trabalhos das bandas Lamparina e Rosa Neon, o disco traz abordagem pop para uma série de ritmos da América Latina. Junto às bases eletrônicas estão instrumentos como o cajón peruano, o tres cubano (uma espécie de guitarra com três cordas duplas) e o cuatro (semelhante ao ukulele, porém com afinação e técnica de execução diferentes).
“Queria produzir um disco que me fizesse ter proximidade maior com o público. O meu primeiro trabalho ('América por una mirada femenina', de 2017) foi feito para o teatro. Nesse segundo, estive muito mais atenta ao que está acontecendo atualmente na música em geral. É o encontro da eletrônica com ritmos latinos. Isso também nasceu da impossibilidade de chamar muitos músicos para gravar em estúdio”, explica a artista.
A maioria das canções do álbum é escrita e cantada em português, ou em “portunhol”, como a própria Claudia define. Ela assina três faixas sozinha (“Confissão”, “Saudade” e “Treme terra”). Seu grande parceiro musical é André Milagres, coautor de “Re-volta”, “Língua” (com CIDO), “Vacilão”, “Corpo livre”, “Valsa” e “Água benta” (com Russo Passapusso).
A faixa “Pequenos homens” é fruto da parceria de Claudia com a cantora e compositora Luiza Brina. Já “Vacilão” conta com a participação da cantora e compositora Mariana Cavanellas. “Água benta”, por sua vez, é uma parceria com a banda BaianaSystem.
Por abordar questões associadas ao feminismo e à luta por igualdade social, “Re-voltar” é um disco político em muitos momentos. Claudia não nega o rótulo, mas afirma que essas questões surgem nas composições de forma natural.
“Não consigo distanciar o meu trabalho artístico da minha vivência no mundo. Essas são questões que me tocam diretamente. Sou mulher, latino-americana, vivo o machismo na pele todos os dias. Além disso, sou uma mulher gorda e também já sofri muito com gordofobia. Então, não é uma coisa forçada. São assuntos que me sensibilizam e me incomodam”, explica.
GABRIEL BORIC
Em 11 de março, quando Gabriel Boric tomou posse como presidente do Chile, Claudia Manzo fez um post no Instagram em que dizia: “Eu só desejo que minha gente seja feliz, que viva num país justo, onde a vida das pessoas importe, onde se consiga restabelecer um equilíbrio com a natureza (...)”.Para ela, a vitória de Boric tem simbologia importante. “As pessoas estão cansadas de se sentir injustiçadas. O Chile viveu uma crise muito grande, ficou impossível viver, até que o povo se deu conta de que não dava mais e foi para as ruas se manifestar.”
Claudia acredita que o destino de seu país pode servir como inspiração para o Brasil e outros países da América Latina. “Precisamos acreditar na possibilidade de construir um outro futuro, no qual seja possível conviver com a diversidade”, defende.
Apesar de não votar no Brasil ( para isso, teria de se nacionalizar brasileira), a artista acompanha atentamente questões que envolvem a política no país onde mora há mais de 10 anos.
“Acho que os brasileiros podem e vão escolher pessoas que trabalham para valorizar a diversidade e se preocupam com questões urgentes para o país, como a fome e a preservação do meio ambiente. Precisamos trabalhar para construir um mundo mais amável e diverso”, conclui Claudia Manzo.
“RE-VOLTAR”
• Disco de Claudia Manzo
• 10 faixas
• Independente
• Disponível nas plataformas digitais