Poeta, pesquisadora e professora mineira, Bruna Kalil Othero acredita ter uma “dívida pessoal” com Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962). Durante sua graduação e mestrado na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bruna foi a fundo na obra dos modernistas, chegando a publicar o livro de poemas “Oswald pede a Tarsila que lave suas cuecas” (2019), com o qual ganhou o prêmio 100 Anos da Semana de Arte Moderna (2018), última premiação do Ministério da Cultura antes de sua extinção. Pagu, até então, não havia recebido a devida atenção.
Há oito meses vivendo em Bloomington, nos Estados Unidos, onde cursa doutorado na Indiana University, Bruna se impressionou com a projeção da obra da escritora, tradutora, desenhista e militante comunista no meio acadêmico norte-americano.
“Eu já conhecia a obra dela, que li na graduação. Mas na UFMG, onde foi toda a minha formação, o modernismo é muito focado nos homens. No geral, a literatura brasileira fala sempre nos mesmos nomes, então resolvi fazer uma pesquisa diferente”, conta.
IDENTIDADE BRASILEIRA
Sua pesquisa de doutorado será sobre a identidade nacional em alguns momentos da literatura brasileira: o Romantismo, o Modernismo e a produção contemporânea. Pagu será a ênfase do período modernista. E é sobre ela e sua obra que Bruna conversa, nesta quinta-feira (24/3), com Rogério Faria Tavares, presidente da Academia Mineira de Letras. O encontro on-line será transmitido às 11h no canal da instituição no YouTube.“A visão da Pagu sobre a identidade nacional é diferente de outros modernistas. Ela transgride o projeto nacional que eles têm, propondo algo distinto da proposta nacionalista de Oswald (com quem foi casada nos anos 1930 e teve seu primeiro filho, o cineasta Rudá de Andrade) e Mário de Andrade. Para ela, o Brasil era um país subdesenvolvido dentro do mundo capitalista. Então, nossa identidade era ser pobre, dar suor para os ricos. Ela pensava sobre a luta de classes dentro do proletariado”, comenta Bruna.
Na conversa on-line, ela vai comentar “Parque industrial” (1932), primeiro romance de Pagu, relançado em janeiro pela Companhia das Letras. “É o grande livro dela. O subtítulo, ‘Romance proletário’, é visto pela crítica como um aspecto negativo. Falam ‘é um romance bom, apesar de ser militante’. Minha leitura é justamente o contrário: é bom porque é militante. A proposta ideológica do livro faz parte da estética, dá força, fazendo com que seja totalmente interseccional. Pagu discute a opressão de raça, de gênero e de classe de uma maneira que não tinha sido feita antes na literatura brasileira. E ela ainda usa a estética vanguardista. O livro traz fragmentos, não tem linearidade. Lendo-o hoje em dia, você não acredita que é de 90 anos atrás.”
''Para ela (Pagu), o Brasil era um país subdesenvolvido dentro do mundo capitalista. Então, nossa identidade era ser pobre, dar suor para os ricos''
Bruna Kalil Othero, pesquisadora e escritora
MATERNIDADE
A vida de Pagu, que não participou da Semana de 22, porque era pré-adolescente na época, também estará na pauta.“Ela foi mãe, teve filhos, e escreveu sobre isso. É uma precursora de questões que são faladas hoje, de ‘amo meu filho, mas odeio ser mãe’. Chega um momento em que abandona o filho (Rudá; ela teve outro, o crítico Geraldo Galvão Ferraz, conhecido como Kiko, com o segundo marido, Geraldo Ferraz) para viajar, militar. Ela não estava dando conta do lugar da mãe”, diz Bruna.
Os relacionamentos de Pagu também estarão em pauta. “A crítica sempre associa seus livros aos maridos, como se ela fosse influenciada por eles, e não eles por ela. Claro que Oswald foi influenciado por ela”, finaliza Bruna.
PAGU
A pesquisadora e escritora Bruna Kalil Othero conversa com Rogério Faria Tavares sobre a obra de Patrícia Galvão, nesta quinta-feira (24/3), às 11h, em Youtube.com/c/AcademiaMineiraDeLetras