O nome da turnê “Paralamas clássicos”, que a banda formada por Herbert Vianna (guitarra e voz), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) estreou em outubro do ano passado e com a qual chega a Belo Horizonte neste sábado (26/3), soa quase como pleonasmo. Afinal de contas, o grupo colecionou dezenas de hits ao longo de quase 40 anos de carreira, desde o lançamento do primeiro álbum, “Cinema mudo”, em 1983.
A ideia de “clássico” é um tanto indissociável do Paralamas. Dos grupos surgidos nos anos 1980 – que erigiram a importante e até hoje cultuada cena do rock brasileiro –, ele é, certamente, o que melhor conseguiu se manter incólume – em plena atividade, gravando e fazendo shows.
Essa perenidade e esse ímpeto têm uma razão simples: “A gente gosta do que faz”, afirma o baterista João Barone. “Enquanto pudermos manipular isso, a atividade com a banda, de maneira sincera, direta, respeitosa conosco e com o público, vamos continuar tocando, ocupando esse lugar, porque é o que gostamos de fazer”, diz o baterista.
É com essa vitalidade que o Paralamas pretende apresentar, no Palácio das Artes, alguns dos sucessos de sua trajetória, amalgamados com temas não tão conhecidos, mas que conferem coerência ao repertório.
O roteiro do show abarca 31 músicas representativas de todos os momentos da trajetória do grupo – do disco de estreia ao mais recente, “Sinais do sim”, lançado em 2017. “Alagados”, “O beco”, “Perplexo”, “O calibre”, “Meu erro”, “Lanterna dos afogados”, “Aonde quer que eu vá”, “Seguindo estrelas”, “Vital”, “Óculos” e “Ela disse adeus” fazem parte do repertório.
"A gente tem a percepção de entregar o que o público quer. As pessoas vão ao show com uma expectativa, a gente sabe disso e encara com desapego até. Não queremos reinventar a roda ou reescrever nossa história. A gente vai e realmente joga para a torcida"
João Barone, baterista
SEM SOFRER
Em meio a obra tão vasta, selecionar músicas para levar ao palco não significa sofrimento nem muita dor de cabeça, diz Barone. É algo orgânico, a que o trio já está habituado, porque sabe o que suas plateias esperam.
“A gente tem a percepção de entregar o que o público quer. As pessoas vão ao show com uma expectativa, a gente sabe disso e encara com desapego até. Não queremos reinventar a roda ou reescrever nossa história. A gente vai e realmente joga para a torcida”, afirma.
Esse “método”, adotado desde os primórdios da banda, consiste em pensar uma lista de canções que possibilitem climas interessantes ao longo da apresentação, que dura cerca de duas horas.
“Primeiro você pisa fundo, depois alivia o pé, vai para um ambiente mais suave, volta num crescendo para chegar ao clímax no final. É a regra que a gente sempre usou na preparação de um show, não tem muito como escapar disso. No meio, incluímos algumas que não tocávamos há algum tempo. Fizemos alguns artifícios quase teatrais, no contexto musical, para surpreender a plateia. Todo mundo, de Paul McCartney a Skank, tem um pouco desse modus operandi”, explica.
De acordo com Barone, “Paralamas clássicos” é, de certa forma, desdobramento natural da turnê de lançamento de “Sinais do sim”, que teve início em 2017 e se estendeu até 2019. Na reta final, o grupo estava preparando a reformatação do show para que ele funcionasse como uma espécie de entreato até o lançamento do novo álbum. “Era um respiro, um tempo para trocar o couro”, pontua.
O grupo ensaiou durante dois meses para voltar à carga, mas a chegada da pandemia abortou os planos. “Esse é um show de estrada, que revisita nossa trajetória, mas ainda não é a turnê que estamos pensando para celebrar os 40 anos da banda, no próximo ano. Temos a nosso favor o repertório com grande número de músicas conhecidas, o que dá margem para estar sempre nos palcos sem cair na repetição. Somos banda de estrada mesmo, porque temos essa possibilidade”, explica o baterista.
“Paralamas clássicos” tinha data reservada para estrear no Circo Voador, no Rio de Janeiro, quando chegou a pandemia. A banda realizou algumas lives no final de 2020 e, ao longo do ano passado, fez apresentações pontuais no modelo drive-in, no Allianz Parque paulistano e em Brasília. A turnê só estreou oficialmente em outubro de 2021, no Espaço das Américas, em São Paulo.
“Ali foi a largada pra valer, cara a cara com o público. Mesmo com as restrições e os protocolos todos, deu para ter uma percepção muito boa do que a gente conseguia fazer. Temos um grande plantel de músicas no coração do público, então estamos muito felizes de voltar a circular, até porque os fãs estavam carentes, havia a demanda não atendida. Isso tudo vem se somando nessa expectativa positiva de uma espiral ascendente. A gente vê isso ocorrendo com outros artistas, Nando Reis, Skank, Titãs. Todo mundo fazendo muitos shows”, observa Barone.
Com efeito, a agenda está tomada até meados deste ano. Depois de se apresentar em cidades do Rio Grande do Sul, o Paralamas do Sucesso retorna a Minas Gerais para shows em Muriaé, em 1º de abril, Nova Lima, em 29 de abril, e Varginha, em 11 de junho.
Neste domingo (27/3), a banda faz um grande show no Memorial da América Latina, em São Paulo, como parte do Festival Rock Brasil 40 Anos, promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
O evento, que já fez temporada em BH este ano, celebra a geração do Paralamas, apresentando shows de Titãs, Barão Vermelho, Blitz, Engenheiros do Hawaii, Léo Jaime e Lobão. Para Barone, o festival cumpre a missão de não deixar cair no esquecimento uma cena marcante da música brasileira no século 20.
“A gente segue aí, ao contrário de muitas outras formações que se dissolveram ou de artistas que saíram de cena. É oportuno e importante falar do 'rock Brasil' dos anos 80, porque foi o período em que o gênero se sedimentou, se consagrou como uma coisa do nosso país”, aponta.
Até então, lembra o baterista, tratava-se de fenômeno elitista – salvo algumas exceções, como Raul Seixas, que se fez ouvir de norte a sul por vários públicos.
“As primeiras bandas que começaram a surgir nos anos 80, no Rio de Janeiro, souberam aproveitar o fato de estar na capital cultural do país, naquele momento. A partir dali, a gente viu o rock se tornar um fenômeno que se repetia em todas as outras capitais, com destaque para Brasília e São Paulo, que tinha uma cena muito própria. Tratou-se de algo que foi ecoando país afora”, diz.
GERAÇÃO BROCK
Na opinião de Barone, a consistência do movimento veio do fato de contar, entre seus protagonistas, com artistas “dotados de qualidades extremadas”, como Cazuza e Renato Russo.
“Foi um momento marcante, que colocou o rock dentro do panorama da música brasileira, fazendo com que ele se aclimatasse aqui”, aponta, comparando esse movimento com a Argentina. “Em nossas andanças, eu percebia o quão autêntico era o rock que se fazia por lá, parecia que tinham sido eles os inventores do rock”, diz, referindo-se aos argentinos.
Nos anos 1980, acredita o baterista, sua geração incluiu o rock no panorama cultural do país. “O rock brasileiro passou a existir com carimbo de certificação. A partir de 1982, passou a ser parte da música brasileira, por isso estamos celebrando”, acrescenta.
Sem deixar de estar antenado com o presente, o Paralamas carrega a bandeira do movimento com orgulho, diz Barone. “As associações duram o tempo que têm que durar e, se existe liga, as coisas vão permanecendo. É o caso do Paralamas. A gente gosta muito do que faz e se dá muito bem”, diz.
A propósito, o baterista destaca que projetos pessoais dos integrantes da banda – como os álbuns solo de Herbert Vianna – são apenas para oxigenar.
COMPROMISSO
O encantamento é o mesmo do início, garante. “O tempo passou, ganhamos muita experiência – na verdade, vivemos muitas experiências. A volta ao mundo que demos algumas vezes só fez reafirmar o compromisso com o que gostamos de verdade, que é tocar. A gente ainda tem isso de se manter estimulado com o que faz, são os hormônios que nos movem, vai além de qualquer explicação racional”, ressalta.
De acordo com Barone, não há nada esboçado para as comemorações dos 40 anos do Paralamas em 2023, mas aposta que o planejamento vai surgir à medida que os encontros, com o arrefecimento da pandemia, possam ocorrer com regularidade. Ele brinca que o grupo é “meio old school”, funciona no modo analógico, então é a partir do olho no olho que as coisas acontecem.
“Agora, vamos nos encontrar mais, ver as composições novas do Herbert, pensar em nova leva de músicas. Estamos na expectativa do retorno a uma rotina criativa, interativa. Mas, no momento, vivemos o encantamento da volta dos shows, da possibilidade de encontro com o público. Ainda não temos nada muito delineado para a celebração de 40 anos do nosso primeiro disco, mas vamos arquitetar algumas coisas a partir da retomada da rotina”, garante.
“PARALAMAS CLÁSSICOS”
Show da banda Paralamas do Sucesso. Neste sábado (26/3), às 21h, no Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Plateia 1: R$ 170 (inteira) e R$ 85 (meia-entrada). Plateia 2: R$ 150 (inteira) e R$ 75 (meia). Plateia superior: R$ 130 (inteira) e R$ 65 (meia). Ingressos à venda na bilheteria da casa e no site Eventim. É necessário apresentar cartão de vacinação ou teste negativo de COVID-19 para ter acesso ao teatro.