Desde março de 2020, as batalhas de rap organizadas pela Família de Rua (FDR) no Viaduto Santa Tereza, Região Centro-Sul de BH, estavam suspensas devido à pandemia. Agora, o retorno foi marcado para domingo (3/4), com a final do Confronto de Batalhas, às 13h, no bar Sula, no Centro da capital mineira.
A batalha também será transmitida ao vivo pela plataforma Taboom. No evento, os oito MC's finalistas da competição vão disputar o título que vale um prêmio de R$ 2 mil. Para participar do encontro, é necessária a apresentação do cartão de vacina com pelo menos duas doses da COVID-19.
O coletivo Família de Rua é conhecido por ser uma das organizações que promove a cultura e a essência da vivência underground das manifestações artísticas urbanas em Belo Horizonte.
MC's como Djonga, FBC, Chris Mc, Orochi e Xamã foram formados e conhecidos dentro de batalhas de rap como as que são promovidas no Viaduto Santa Tereza.
O maior destaque do coletivo é o Duelo Nacional de MC's,a maior competição de Hip Hop do Brasil. O duelo já contou com nove edições, e mais de 200 mil pessoas de todo o Brasil - 26 estados e Distrito Federal - participaram do evento até hoje. Nas redes, a FDR conta com mais de 100 mil seguidores.
Além das batalhas, o grupo produz conteúdos, promove a cultura do hip hop e do skate e tem uma marca de roupas.
O projeto que abraçou a cultura periférica: gratidão e missão cumprida
Pedro Valentim - o “PDR” - um dos fundadores da Família de Rua, diz que tudo começou em agosto de 2007, inicialmente na Praça da Estação, às sextas à noite; e logo após migrou para o Viaduto Santa Tereza, aos domingos à tarde.
O projeto começou a tomar notoriedade pela cidade, e a imprensa começou a buscar quem estava por trás de toda a organização das batalhas. A Família de Rua já tem 15 anos de existência, e PDR afirma que, com o passar do tempo, a relevância do coletivo ficou cada vez maior.
Ficamos mais potentes, e isso trouxe uma série de responsabilidades. Estamos muito mais maduros, entendemos e lidamos com as coisas de outra forma. Continuamos com uma grande energia e força de vontade para continuar ocupando território com as nossas ações. Eu acredito que conseguimos alcançar muitos sonhos, como o Duelo Nacional, que antes era apenas no Viaduto Santa Tereza, e hoje alcança todos os estados do Brasil. Infelizmente , algumas coisas não mudaram, a maneira como as instituições públicas se relacionam com o movimento ainda é complexa, difícil, muitas vezes com uma série de ruídos; e isso dificulta muito o caminho que buscamos traçar.
Pedro Valentim "PDR"
Pedro entende que o projeto mudou a vida de muitos jovens, e se sente grato com essa missão cumprida. “Estamos aqui para isso, criar um ambiente de formação e visibilidade para esses artistas, liberdade para a criação. A nossa atuação foi muito feliz nesse sentido, por conseguir fazer parte de um momento tão importante da história do hip hop de Belo Horizonte e do Brasil”, comenta.
''O Duelo Nacional grita arte''
O Duelo Nacional de MC's é admirado pelos simpatizantes da cultura de rua. Segundo Davi Spotorno, de 19 anos, além de toda a representatividade que está em volta das batalhas, "nos ensina muito sobre o respeito com o outro.” Ele acrescenta que frequenta o evento desde 2017, quando foi apresentado por amigos.
Davi diz que o duelo cumpre seu papel cultural de abraçar a essência da cultura e das manifestações artísticas urbanas. "É lindo ver que no Viaduto tem sempre alguém dançando, batalhando, um quadro sendo pintado, uma parede sendo grafitada. O Duelo Nacional grita arte.”
Bárbara Rodrigues, de 19 anos, frequenta os duelos desde 2013. Para ela, as batalhas de rap fazem parte do cenário cultural, influenciando sua forma de pensar e agir socialmente.
“Grande parte de quem eu sou hoje, das causas que apoio, dos amigos que fiz, do que ouço, falo, de como me visto e até mesmo do que faço no meu trabalho tem influência do hip hop. Frequentar batalhas de Mcs me ensinou muito sobre respeito, vitória coletiva e arte de rua. Formou meu caráter.”
A pandemia afetou a esfera cultural de todos os públicos, mas, de acordo com Bárbara, a cena cultural periférica foi extremamente prejudicada. “Produtores de eventos, beatmakers, cantores, DJ's, fotógrafos, videomakers, dançarinos e todos os outros trabalhadores da cena ficaram sem fonte de renda, tendo que buscar outras soluções.”
Para finalizar, ela reitera que apesar do Duelo de MC's ser muito abrangente culturalmente, ainda falta representatividade feminina e LGBTQIA+, não somente nas batalhas, bem como em todas as atividades de produção. "Mulheres e LGBTQIA são públicos muito invisibilizados na cultura. Eles estão sempre na platéia, mas poucas vezes no palco, em destaque", argumenta.
Parceria
A parceria entre o Duelo Nacional e a Som Livre foi divulgada nesta semana, por meio de um tuíte.
O QUE ACONTECE AQUI?
%u2014 Som Livre (@somlivre) March 22, 2022
A Família de Rua considera que a parceria com a Som Livre é fundamental nesse momento, pois com a pandemia da COVID -19, não foi possível concluir a edição de 2020 do Duelo Nacional.
A FDR relata que o encontro com a Som Livre vai possibilitar terminar o Duelo Nacional de 2020 de forma organizada, e além disso, conseguir distribuir os conteúdos produzidos durante o evento para as plataformas digitais, excluindo ainda mais as fronteiras físicas. “Vai ser a primeira vez que a batalha de MC's vai ter um registro de alta qualidade. É uma conquista muito grande para nós e para a cena das batalhas, um recurso super importante para de fato profissionalizar os duelos e o trabalho dos artistas.”
Bárbara espera muito dessa parceria, já que vai ajudar a alavancar a promoção da carreira de MC's revelados no Duelo Nacional de 2020. “Espero que essa parceria com a Família de Rua se estenda e não seja apenas uma jogada de marketing momentânea, mas sim o começo de uma mudança para o reconhecimento do rap nacional como estilo musical tradicionalmente brasileiro.”
* Estagiária sob supervisão da subeditora Ellen Cristie.