Após dois anos de edições exclusivamente virtuais, em decorrência das restrições impostas pela pandemia, o festival de documentários É Tudo Verdade retorna às salas de cinema em sua 27ª edição, que vai até 10 de abril próximo. Porém, paralelamente às exibições presenciais agendadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, a mostra não abandona por completo o ambiente on-line e assume o formato híbrido.
"Mesmo sendo um retorno apenas parcial, fundamentalmente para as pré-estreias brasileiras, é uma volta para casa. Festivais pertencem às salas de cinema, sem desmerecimento para ações paralelas complementares na esfera digital", afirma o jornalista Amir Labaki, diretor e fundador do festival.
Neste ano, serão exibidas 77 produções, entre longas, médias e curtas, de 34 países, todas inéditas no Brasil. Além disso, o evento terá debates, conferências, masterclasses, entre outras atividades. Toda a programação, que começou na última quinta-feira (31/3), é gratuita e pode ser acompanhada pela plataformas É Tudo Verdade Play, Itaú Cultural Play e Sesc Digital.
Segundo Labaki, estar nesses ambientes virtuais significa "a ampliação do público, simultaneamente atendido em todo o território nacional". Ele concorda que não é possível recriar toda a experiência de festival de cinema em casa e sugere ao público "mimetizar ao máximo o ritual de uma sessão em cinema: sala escura, foco cerrado, nenhuma interrupção".
DEBATE
A mostra competitiva de longas nacionais reúne sete produções que serão exibidas presencialmente e na plataforma É Tudo Verdade Play, no mesmo dia da sessão em cinemas, às 21h, com reprise no dia seguinte, às 13h. Depois de cada exibição, as equipes dos filmes participam de um debate, às 15h, transmitido pelo canal do É Tudo Verdade no YouTube.
Neste sábado (2/4), por exemplo, ocorre a exibição do filme "Sinfonia de um homem comum" (2022), de José Joffily, às 20h, nas salas do Rio e de São Paulo. Às 21h, o filme entra em cartaz no É Tudo Verdade Play, com reprise no domingo (3/4), às 13h. Às 15h, a equipe do filme participa do debate no YouTube.
Na noite de domingo (3/4), é a vez do longa "Quando falta o ar" (2021), de Ana Petta e Helena Petta, exibido neste mesmo formato: presencialmente, às 20h, e virtualmente, às 21h, com reprise na segunda (4/4), às 13h, seguido de debate com a equipe, às 15h.
Entre os destaques da mostra competitiva de longas brasileiros estão "Belchior – Apenas um coração selvagem" (2022), de Camilo Cavalcanti e Natália Dias, sobre o poeta, cantor e compositor cearense, que será exibido em 7 de abril próximo; e "Pele" (2021), de Marcos Pimentel, que mostra grafites, pichações, símbolos indecifráveis, palavras de ordem e declarações de amor em paredes de centros urbanos, com exibição programada para a próxima segunda (4/4).
Completam a mostra os filmes "Adeus, capitão" (2022), de Vincent Carelli e Tita; "Eneida" (2021), de Heloisa Passos; e "Rubens Gerchman: O rei do mau gosto" (2022), de Pedro Rossi.
COMPETIÇÃO
Já a mostra competitiva de longas e médias metragens internacionais é composta por 12 títulos que também serão disponibilizados por meio da plataforma É Tudo Verdade Play. Entre os destaques estão o britânico "Assassinos sem punição" (2021), de David Nicholas Wilkinson, e o canadense "Batata" (2021), de Noura Kevorkian.
Na abertura, o festival exibiu dois filmes do diretor britânico Mark Cousins, conhecido pela série documental "A história do cinema: Uma odisseia". Em São Paulo, na quinta (31/3), a sessão inaugural foi com o filme "A história do olhar" (2021), que ficou disponível virtualmente por 24 horas. Já no Rio, a sessão de estreia foi na sexta (1º/4), com o longa "A história do cinema: Uma nova geração", que segue em cartaz na É Tudo Verdade Play até as 20h deste sábado (2/4).
"Acho que [os dois filmes de Mark Cousins exibidos no festival] formam um díptico que nos convida a uma pausa reflexiva sobre como e o que vemos, sobre como e o que vimos nos primeiros 20 anos deste século, sobre como e o que veremos no mundo pós-pandêmico", comenta Amir Labaki. "Era uma combinação irresistível para as primeiras aberturas presenciais em dois anos."
Além das exibições competitivas, o festival realiza uma série de mostras paralelas, como a Clássicos É Tudo Verdade, com títulos de consagrados cineastas, como o polonês Dziga Vertov (1896-1954), o estadunidense Orson Welles (1915-1985) e o brasileiro Eduardo Escorel.
HOMENAGEM
A personalidade de cinema homenageada nesta 27ª edição é a paulistana Ana Carolina. Fazem parte da programação dedicada à cineasta os curtas "Lavra dor" (1968) – com roteiro dela e direção de Paulo Rufino –, "Indústria" (1969) e "Anatomia do espectador" (1979), além do longa "Getúlio Vargas" (1974).
Na próxima terça (5/4), às 11h, no YouTube, Ana Carolina participa de um debate sobre sua carreira, com participação de Paulo Rufino e mediação de Orlando Margarido.
A programação inclui ainda a 19ª Conferência Internacional do Documentário, que irá discutir o patrimônio do cinema documental. Ao todo, serão quatro debates exibidos virtualmente, realizados em 6 e 7 de abril, contemplando temas como os 80 anos da filmagem no Brasil do título inacabado de Orson Welles "It's all true", e os 40 anos das gravações de "Chico Antônio, o herói com caráter" (1983).
Para encerrar o festival está programada uma sessão, em 10 de abril, do filme "O território", (2022), do estadunidense Alex Prix, coproduzido entre Brasil, Dinamarca e Estados Unidos. Premiado no Festival de Sundance, o filme acompanha um jovem líder indígena brasileiro que luta contra fazendeiros que ocupam uma área protegida da floresta amazônica.
Ao todo, a curadoria do festival assistiu a cerca de 2 mil produções do mundo inteiro para selecionar aqueles que fariam parte da programação. Para Amir Labaki, há uma heterogenia e ecletismo entre os filmes que fazem parte do É Tudo Verdade deste ano.
CRISE
Segundo ele, entre os temas abordados pelos filmes em exibição está "a crise da democracia, a emergência climática planetária e a luta por uma maior representação de negros, mulheres e da comunidade LGBTQ+".
Assim como em edições anteriores, o É Tudo Verdade reflete questões que estão nos noticiários, como por exemplo a guerra entre Rússia e Ucrânia. O filme "Navalny" (2022), do canadense Daniel Roher, mostra como um dos líderes da oposição russa ao regime de Vladimir Putin sobreviveu a uma tentativa de assasinato por envenenamento em 2020.
Já o curta-metragem alemão "Manual" (2021), de Pavel Mozhar, aborda os numerosos protestos marcados pela brutalidade policial que irromperam na Bielorrússia após as últimas eleições presidenciais.
Entre os brasileiros, o curta "A ordem reina" (2022), de Fernanda Pessoa, trata de experiências revolucionárias do século 20 pelas quais sete países diferentes passaram e é narrada por uma voz feminina que recita o último texto da filósofa polonesa Rosa Luxemburgo (1871-1919).
Diante de uma programação tão diversa, Amir Labaki afirma que não acredita que o documentário tenha uma função definida e generalista no mundo de hoje. "O documentário deve ser aquilo que seu realizador ou sua realizadora desejar que ele seja. Não deve haver cartilha, escaninho ou missão para a arte", ele pontua.
27º É TUDO VERDADE – FESTIVAL INTERNACIONAL DE DOCUMENTÁRIOS
Até 10 de abril. Os filmes podem ser vistos gratuitamente por meio das plataformas É Tudo Verdade Play (etudoverdade.com.br), Itaú Cultural (itauculturalplay.com.br) e Sesc Digital (http://etudoverdade.com.br/br/pag/sesc). Programação completa e mais informações no site do festival.