"Temos veteranos ao lado de novatos, ambos com muita força de vontade para apresentar suas ideias de maneira bastante única. Trata-se de um conjunto de artistas que representa muito bem o cenário de produção de HQs no estado"
Fabrício Martins, quadrinista
A Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais recebe a primeira edição da Feira Mineira de Quadrinhos, que marcará o lançamento de 21 obras produzidas por 26 artistas de Minas Gerais, com recursos da Lei Aldir Blanc, no próximo sábado (9/4). O evento terá também palestras, encontros e a inauguração da mostra "Exposição mineira de quadrinhos", que ficará em cartaz até 15 de maio.
Criada por um coletivo de 29 artistas, que se juntaram após a aprovação no edital que financiou seus projetos, a feira nasceu com o objetivo de celebrar os trabalhos que foram criados nos últimos dois anos e não puderam ter um lançamento apropriado, em virtude das regras de isolamento social.
"Em 2020, em meio a um dos momentos mais duros da pandemia, foi lançada a Lei Aldir Blanc, que viabilizou uma série de projetos para a área cultural, inclusive um deles voltado para a produção de HQs. Essa foi a primeira vez que tivemos uma iniciativa desse tipo e, por conta disso, alguns quadrinistas começaram a se agrupar com uma função muito prática de se ajudar nos trâmites do edital", explica o quadrinista Fabrício Martins.
Por meio de um grupo no WhatsApp, e também em encontros virtuais, esses artistas trocavam figurinhas sobre a documentação necessária para submeter seus trabalhos à lei de incentivo e, aos poucos, começaram a debater questões relativas à produção artística em si.
"Nasceu como um grupo de autoajuda e fortalecimento interno dos artistas e foi virando uma outra coisa. Virou um grupo de suporte geral, no qual discutimos técnicas, a participação em feiras on-line, tipos de papel para impressão e por aí vai", conta Fabrício.
AO VIVO
Durante toda a produção das HQs aprovadas na Lei Aldir Blanc, os artistas cumpriram as regras de isolamento social e não puderam participar de feiras e encontros, eventos que são bastante importantes para a divulgação e lançamento de trabalhos independentes.
É por isso que agora, no momento em que os protocolos de segurança contra a COVID-19 estão afrouxados, esse grupo decidiu se reunir novamente para, enfim, apresentar seu trabalho presencialmente.
É por isso que agora, no momento em que os protocolos de segurança contra a COVID-19 estão afrouxados, esse grupo decidiu se reunir novamente para, enfim, apresentar seu trabalho presencialmente.
"Ficamos bastante tempo em contato constante uns com os outros, nos ajudando. Com o tempo, a pandemia se tornou menos grave e esse contato se tornou menos intenso. Agora, com a vida quase de volta ao que era antes, chegou a hora de nos conhecermos, já que a maioria de nós nunca se viu ao vivo, e também de apresentar nosso trabalho para o público", afirma o quadrinista.
Segundo Fabrício Martins, o conjunto de trabalhos que estará presente na feira é bastante diverso. Há espaço para personagens LGBT que enfrentam questões existenciais em meio a momentos decisivos da história, como é o caso de "A menor distância entre dois pontos é uma fuga", de Gabriel Nascimento e João Henrique; ou questões geradas diretamente pela pandemia, como no caso de "O vírus é uma linguagem", de Gilson Ribeiro.
"Temos histórias de ficção científica, romances históricos, aventura e relatos pessoais. Alguns tocam em questões de gênero, raça e saúde mental, que são muito pungentes na sociedade contemporânea", comenta.
Para o autor, o coletivo é um recorte bastante significativo da produção de quadrinistas e ilustradores de Minas Gerais. "Temos veteranos ao lado de novatos, ambos com muita força de vontade para apresentar suas ideias de maneira bastante única. Trata-se de um conjunto de artistas que representa muito bem o cenário de produção de HQs no estado."
MEMÓRIA
No dia da feira, Fabrício Martins lança a HQ "Oblivion", produzida em parceria com a ilustradora Laura Jardim. A história do livro se passa num futuro próximo, no qual uma tecnologia permite que as pessoas apaguem a memória. No centro disso está a personagem Anna, uma jovem sem muita perspectiva do que realmente quer da vida.
"Ela é gente como a gente. Tem um trabalho comum, uma família que não a compreende muito bem e poucos amigos verdadeiros. Quando descobre essa tal tecnologia de apagamento da memória, ela se depara com um dilema que é basicamente continuar a viver ou abandonar tudo para começar de novo", ele descreve.
Fabrício assina o roteiro, enquanto Laura é a responsável pelas ilustrações. "No início, achamos que nossa história fosse sobre memória. Aos poucos, ela foi se mostrando uma história sobre depressão. A personagem vai se isolando e foi tudo um processo de produção muito orgânico. Eu e Laura íamos criando a história enquanto fazíamos. Às vezes, eu entregava o roteiro de determinada forma, e ela devolvia a ilustração de uma maneira completamente diferente do que eu havia imaginado. E assim, com bastante sinergia, a gente foi criando", ele explica.
ORIGINAIS
Também integrante do coletivo, o quadrinista Régis Luiz, gestor do Dia Nacional do Quadrinho de Belo Horizonte, não irá lançar uma HQ inédita durante a feira. O trabalho que ele ainda está produzindo junto com Daniel Bretas, chamado "Colorbar", tem lançamento previsto para junho. No entanto, uma prévia do trabalho estará presente na "Exposição mineira de quadrinhos".
A mostra terá os originais de algumas das HQs lançadas, bem como uma parte toda dedicada aos processos criativos, experimentações feitas durante a produção e ilustrações dos artistas que não necessariamente correspondem ao trabalho lançado.
"'Colorbar' é um trabalho de autoria do Daniel Bretas criado para ser apresentado para um projeto no Japão", conta Régis. "É uma história contada somente através de imagens e ele me convidou para fazer o projeto gráfico e a edição."
O título, ele explica, faz referência às barras de cor das TVs analógicas, que serviam para que as emissoras pudessem calibrar o brilho, a luminosidade e o contraste antes de começar a transmissão, garantindo que os programas entrassem no ar de forma padronizada.
"Esse título é porque as color bars entravam no ar de madrugada, unindo som e silêncio. Então, como se trata de uma história que não usa texto para ser contada, o Daniel fez essa associação. A história é identificada através de cores e segue o estilo mangá", afirma Régis Luiz.
O quadrinista reitera que eventos como esse são importantes para que a produção de HQs independentes não pare. "A gente consegue ter uma sobrevivência por meio dos eventos presenciais. O on-line é muito positivo, só que o encontro frente a frente com o público traz mais retornos, tanto financeiros quanto de circulação da obra."
Fabrício Martins concorda e completa: "O trabalho autoral em HQ depende muito do calendário de feiras e eventos, principalmente se estamos dentro de um polo tão produtivo como Minas Gerais. Durante esses dois últimos anos, nós continuamos trabalhando, mesmo que tenha sido angustiante. Nos reinventamos, produzimos, escrevemos roteiros e acentuamos a nossa presença nas redes sociais. E, apesar dos recursos que existem hoje, como o e-book, o público de HQ gosta do papel. Estamos muito felizes de poder nos reencontrar e voltar à ativa depois desse período tenebroso".
NOVOS TÍTULOS
Confira a lista de obras que serão lançadas na Feira Mineira de Quadrinhos
>> "A menor distância entre dois pontos é uma fuga", de Gabriel Nascimento e João Henrique
>>"Além túmulo", de Marcelo Branco
>>"Bakulo", de Felipe Maldonado
>> "Claro como a noite", de Thiago Brito Valle
>> "Coletânea Legustirinha", de Gustavo Legusta
>> "Comida de fada", de Val Armanelli
>> "Contos de calango", de Cristiano Seixas
>> "D'artagnan", de Helvio Avelar e Alcir Piragibe
>> "Fessora!", de Aline de Castro
>> "Genô e Gertrú – Abalando as estruturas", de Sunça
>> "Memórias de um ser eterno", de Hilton
>> "Indomável 2", de Lúcio Guimarães e Igor Marques
>> "Legacy", La Cruz
>> "Mandinga", de Dan Aroeira e Guilherme Smee
>> "O cristal das 12 dimensões", de Renatta Barbosa
>> "O último táxi", de Fabiano Azevedo e Fábio Correa
>> "O vírus é uma linguagem", de Gilson Ribeiro
>> "Oblivion", de Fabrício Martins e Laura Jardim
>> "Patron", de Ivan Camus
>> "Planeta", de Ana Paula Cortes
>> "Vento Norte", de Carol Rosetti
FEIRA MINEIRA DE QUADRINHOS
Neste sábado (9/4), das 10h às 18h. Teatro de Arena da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais (Praça da Liberdade, 21, Savassi). Entrada gratuita. Mais informações: instagram.com/feiramineirahq/
EXPOSIÇÃO MINEIRA DE QUADRINHOS
Deste sábado (9/4) até 15 de maio. Anexo da Galeria de Arte Paulo Campos Guimarães da Biblioteca Pública de Minas Gerais (Praça da Liberdade, 21, Savassi). De segunda a sexta, das 8h às 18h, e aos sábados, das 8h às 12h. Entrada gratuita