Ofuscada pelo tapa de Will Smith em Chris Rock, a premiação do Oscar 2022 terminou com uma vitória histórica: uma empresa de streaming ganhou a estatueta de melhor filme.
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Meses antes da cerimônia no Teatro Dolby, em Los Angeles, o crescimento das plataformas de streaming e a qualidade de seus conteúdos eram um dos principais assuntos nas rodas de conversa sobre o Oscar deste ano.
Os analistas viam como grande favorito aos principais prêmios o filme da diretora Jane Campion "O ataque dos cães", uma produção da Netflix que aborda a masculinidade tóxica no Oeste dos Estados Unidos nos anos 1920.
O western protagonizado por Benedict Cumberbatch no papel de um vaqueiro sexualmente reprimido havia sido fortemente promovido pela gigante do streaming, que buscava o selo de aprovação de Hollywood.
DRAMA
Porém, "No ritmo do coração" estourou e o público se comoveu com um elenco entrosado e com sua mensagem de esperança por meio das adversidades enfrentadas por uma família na qual apenas a adolescente Ruby (Emila Jones) é ouvinte.
As plataformas de streaming começaram a triunfar nas principais premiações de Holywood em 2017, quando "Manchester à beira-mar", protagonizado por Casey Afleck e Michelle Williams, foi indicado a melhor filme.
O longa foi derrotado por "Moonlight: Sob a luz do luar" na cerimônia em que "La la land" foi incorretamente anunciado como o filme vencedor.
Desde então, a Netflix se converteu em uma presença constante na categoria mais importante do Oscar, com produções como "Roma", "O irlandês", "História de um casamento", "Mank", "Os 7 de Chicago" e "Não olhe para cima", neste ano também indicado a melhor filme, além de “Ataque dos cães”.
Durante os últimos sete anos, a Netflix conquistou mais indicações que qualquer outra distribuidora. Somente em 2022, totalizou 27, mas apenas uma vitória: a de melhor direção para Jane Campion.
Diferentemente da concorrente, a Apple TV recebeu a primeira indicação ao Oscar no ano passado e ganhou três das seis categorias que disputava em 2022.
De acordo com a Variety, a Apple investiu mais de US$ 10 milhões em sua campanha ao Oscar, quase o mesmo que custou filmar "Coda – No ritmo do coração".
A Netflix não ficou para trás e gastou bastante em sua aposta para tentar levar a estatueta dourada: Los Angeles esteve durante meses emoldurada com cartazes do filme, mas, para alguns especialistas, tanta propaganda era muito para digerir.
"A qualquer lugar em que você fosse em Los Angeles se via um cartaz dizendo que era 'o melhor filme do ano'", disse um diretor, sob anonimato, à Indiewire. "Se alguém tem culpa é a própria Netflix por pressionar tanto com esse filme".
RELUTÂNCIA
Também foram registradas algumas queixas extraoficiais de alguns membros da Academia, que sentiam que não podiam votar em um filme de streaming devido a certa relutância com esse formato.
Muitos cineastas lamentam o solitário formato de consumo de produções em uma pequena tela em casa e falam com nostalgia da experiência de compartilhar uma sala de cinema com outros amantes da sétima arte.
A nostalgia ficou evidente com o discurso de Kevin Costner, um dos mais eloquentes da noite, ao anunciar o Oscar de melhor direção.
"Há um tempo, eu também fui criança, nesse castelo mágico da história e da narrativa, minha cadeira estava na escuridão cintilante da imaginação", disse.
Porém, o público ultimamente privilegia o conteúdo, opina o professor Phillips, e as plataformas de streaming cumprem o objetivo.
"É muito difícil determinar de onde vem um filme, se é de uma produção de streaming ou de um grande estúdio. A linha tênue provavelmente estará difusa para sempre", disse.
O público que assistiu a "Coda – No ritmo do coração" no cinema não está interessado em saber quem o produziu, opinou.
"A fronteira na qual de um lado está a experiência do cinema e do outro a experiência de transmissão dentro de casa, creio que provavelmente nunca se restabelecerá, ao menos como era, durante muitas décadas", acrescentou.
Os próprios cineastas estão cada vez menos preocupados com isso. "A Netflix não é o que eu queria historicamente, mas é um pouco como os Médicis de nossa época", disse Jane Campion ao jornal Los Angeles Time no ano passado, referindo-se à influente família que patrocinou artistas do Renascimento.