Após uma longa série de adiamentos, “Os segredos de Dumbledore”, o terceiro filme da franquia “Animais fantásticos”, chega nesta quarta-feira (13/4) às telas brasileiras, em sessões de pré-estreia, e ocupa um amplo circuito de cinemas no país, a partir de amanhã.
O longa, cuja trama se desenrola muitas décadas antes do nascimento de Harry Potter, dá sequência à história de seus dois predecessores e expande o universo criado pela autora britânica J. K. Rowling sem a presença do bruxinho.
Que “Animais fantásticos” deixou há muito tempo de ser sobre animais fantásticos todos os fãs da franquia sabem. Não me leve a mal. Os animais estão no filme e estão fantásticos – ponto para a equipe de efeitos visuais –, mas o foco agora é totalmente outro: a eminente guerra mundial entre o mundo dos bruxos e o nosso, meros trouxas.
RECAP
Antes de nos aprofundarmos no roteiro de “Os segredos de Dumbledore”, convém fazer uma recapitulação. No primeiro longa da série, acompanhamos o ingênuo Newt Scamander (Eddie Redmayne), um zoólogo de criaturas mágicas, em uma viagem a Nova York, nos anos 1920, na tentativa de devolver um desses monstros ao seu hábitat, os desertos do Arizona, no interior dos EUA.
No final do filme, descobrimos uma conspiração envolvendo o terrível bruxo das trevas Gellert Grindelwald (então vivido por Johnny Depp), que tem a crença despótica na superioridade dos bruxos e deseja dominar o mundo comum.
“Os crimes de Grindelwald” começa com a fuga da prisão do vilão, que passa a angariar seguidores para dar cabo de seu plano. Eis que ninguém menos que Albus Dumbledore (Jude Law) convoca o zoólogo Newt para enfrentar o feiticeiro foragido.
Os que já leram os livros de Harry Potter (ou aqueles que prestaram muita atenção nos filmes) sabem que Dumbledore e Grindelwald têm um misterioso passado juntos e que, mais de uma vez, houve insinuações de um envolvimento amoroso entre os dois. “Os segredos de Dumbledore” elimina eventuais dúvidas sobre o romance.
Confira o trailer do longa:
Confira o trailer do longa:
Mas o que tem a ver um cuidador de animais com a maior ameaça terrorista do mundo bruxo? Esse é o ponto: o título “Animais fantásticos” engana exatamente porque a equipe dos filmes e o estúdio estão mais interessados em contar a (muito mais interessante) trágica história de amor e rivalidade entre Dumbledore e Grindelwald do que as aventuras do estudioso de animais com seus bichinhos de estimação.
Seria ótimo se a tendência hollywoodiana de produzir grandes franquias interligadas nos permitisse abandonar Newt completamente e focar no iminente conflito shakespeariano. Mas agora temos mais do mesmo: ambientado na década de 30, o novo filme traz Grindelwald almejando conquistar perdão por seus crimes (que, na verdade, pouco são mostrados) e vencer a eleição para presidente da Confederação Internacional de Bruxos (uma espécie de ONU da feitiçaria).
GUERRA
O posto lhe daria poder para começar sua tão sonhada guerra contra os trouxas. Mais uma vez, Dumbledore reúne sua liga de cavalheiros (não tão) extraordinários e parte para confrontar seu inimigo.
À primeira vista, o roteiro parece confuso, mas, na verdade, não é. Rowling, que escreveu sozinha os dois primeiros longas da série, contou desta vez com a ajuda do roteirista Steve Kloves, que assina sete dos oito longas da franquia “Harry Potter”. A trama flui sem muitos percalços, e os nós são resolvidos de forma simples e fácil de acompanhar.
Os problemas de roteiro de “Os segredos de Dumbledore” são herdados de seu predecessor, que tem várias tramas paralelas, sem muita confluência, que são, quase inexplicavelmente, sobrepostas. Há ainda excessivas pitadas de mimos aos fãs, que Hollywood julga indispensáveis nos blockbusters, embora esse recurso empobreça a narrativa.
A série, da qual já foram lançados “Animais fantásticos e onde habitam” (2016) e “Os crimes de Grindelwald” (2018), vem lidando nos últimos anos com problemas intrínsecos (história complicada de se seguir e roteiros claudicantes) e extrínsecos (controvérsias envolvendo J. K. Rowling e um dos astros da franquia, Johnny Depp). A impossibilidade de encher as salas de cinema durante a pandemia foi outro obstáculo para o desenvolvimento do projeto, que tem um total de cinco títulos planejados.
Antes mesmo de ter início, a produção de “Os segredos de Dumbledore” enfrentou complicações e atrasos. O terceiro título da franquia era aguardado para novembro de 2020, mas teve seu calendário alterado. O lançamento previsto para novembro de 2021 também acabou sendo reagendado, devido ao impacto da pandemia no setor cinematográfico.
Além dos problemas trazidos pela crise sanitária, outras questões extrafilme colocaram a produção de “Os segredos de Dumbledore” no fio da navalha. J. K. Rowling se envolveu em uma série de polêmicas, após alguns de seus tweets serem acusados de conter teor homofóbico, antitrans e antiaborto.
A partir de 2018, a escritora vem expondo, via redes sociais, ideias que, da perspectiva de muitos fãs da série que ela criou não condizem com suas mensagens libertárias e empoderadoras – e a autora vem sendo cancelada desde então.
A escritora já tentou se explicar em artigos postados em seu website e mais uma vez desagradou aos fãs que identificaram em seu discurso falta de vontade e interesse em dialogar com a comunidade LGBTQIA+ e indisposição para mudar de opinião.
REESCALAÇÃO
A escalação de Johnny Depp como o vilão Gellert Grindelwald terminou sendo alvo de protestos, devido às acusações de abuso doméstico contra o ator por parte de sua então esposa, a atriz Amber Heard (“Aquaman”).
O casal se divorciou em 2017, após uma série de alegações por parte da atriz sobre o comportamento agressivo e violento de seu ex-marido, principalmente após o uso de álcool.
A repercussão negativa da batalha judicial entre os dois, que se estende até hoje, fez com que Depp perdesse o papel de Grindelwald em “Os segredos de Dumbledore”, e o personagem foi entregue ao ator dinamarquês Mads Mikkelsen (“Cassino Royale”, “Druk”).
Apesar dos tumultos, “Animais fantásticos: Os segredos de Dumbledore” traz boa parte do elenco dos filmes anteriores de volta: Eddie Redmayne (“A teoria de tudo”, “A garota dinamarquesa”) como Newt Scamander; Callum Turner como Teseus, o caçador de bruxos das trevas e irmão mais velho de Newt; Alison Sudol como Queenie Goldstein, a bruxa leitora de mentes que desertou para o lado de Grindelwald; e Dan Fogler como o padeiro Jacob Kowalski, um trouxa amigo de Newt e apaixonado por Queenie.
O destaque do longa, como não poderia deixar de ser, é o consagrado professor Albus Dumbledore, que dá nome à obra, interpretado por Jude Law (“O talentoso Ripley”, “A.I. – inteligência artificial”). O ator vive o personagem em sua juventude, anos antes de conhecer Harry Potter ou Lorde Voldemort.
Jude Law desempenha muito bem a difícil tarefa de assumir um dos personagens mais queridos da série e entrega um perfeito e carismático gentleman britânico.
Mads Mikkelsen, por sua vez, não é nenhum neófito em interpretar vilões, tendo alcançado fama internacional ao viver o terrorista jogador de poker Le Chiffre em “007: Cassino Royale”, o primeiro título em que Daniel Craig assume o papel de James Bond.
Sem a pressão adicional que pesava sobre Johnny Depp de se desvencilhar da imagem de Jack Sparrow, Mikkelsen fica à vontade para construir um vilão satisfatório, como já fez diversas outras vezes (“Hannibal”, “Mundo em caos”).
ATRIZ BRASILEIRA
Quem esperava a resolução do grande mistério do último filme não vai se decepcionar: a verdadeira identidade de Creedence Barebone/Aurelius Dumbledore é um dos pontos centrais da trama. Ezra Miller (“Precisamos falar sobre Kevin”, “Liga da Justiça”) volta a encarnar o jovem e atormentado personagem, que acrescenta uma boa dose de carga emocional ao filme.
Outra presença notável, sobretudo para os espectadores brasileiros, é a da atriz Maria Fernanda Candido como a Ministra da Magia nacional e candidata à presidência da ONU bruxesca, Vicência Santos. Apesar de sua personagem não aparecer muito tempo na história, ela tem um papel determinante na trama, sendo a grande favorita à eleição e queridinha da comunidade bruxa.
Com visuais que tiram o fôlego e caracterização muito bem cuidada, “Os segredos de Dumbledore” tem a mão do diretor David Yates, que assina todos os longas relacionados a Harry Potter desde a “Ordem da Fênix”, reconhecível na fidelidade à característica dos filmes da franquia de apostar em belas sequências e designs criativos.
Quem espera por novidades, contudo, sairá desapontado dos 142 minutos de projeção: nem o diretor nem o estúdio parecem interessados em trazer novidades visuais e remodelar o mundo bruxo.
No fim das contas, “Os segredos de Dumbledore” parece cair naquela cartilha que Hollywood vem adotando nos últimos anos: efeitos visuais deslumbrantes e elenco mais do que competente, mas uma aposta sem riscos na familiaridade da história e na sedução dos fãs com o atendimento de seus desejos e expectativas. Algo bem distante do reino do fantástico.
“ANIMAIS FANTÁSTICOS: OS SEGREDOS DE DUMBLEDORE”
(“Fantastic beasts – The secrets of Dumbledore”, EUA, 2021). De David Yates. Com Jude Law, Mads Mikkelsen, Ezra Miller. Classificação: 12 anos. Em cartaz a partir de quinta-feira (14/4) em salas das redes Cineart, Cinemark, Cinépolis e Cinesercla
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes