Numa favela de São Paulo, jovem funkeira grava um vídeo. A lente do celular não perde um só detalhe da cena – o corpo, o rebolado, até que algo imprevisto entra no seu campo de visão. Um homem está sendo queimado vivo no barraco ao lado por uma mulher. O violento registro vai parar na internet e, claro, viraliza. O morto era policial.
“Sentença”, série brasileira em seis episódios, que estreia nesta sexta-feira (15/4) no Amazon Prime Video, parte dessa situação extrema para discutir temas urgentes da atualidade. Sistema judiciário, crime organizado e corrupção são questões institucionais. Mas o foco também está em problemáticas sociais como machismo, racismo, homofobia e pedofilia.
EQUIPE
“É uma história que fala do macro ao micro de maneira muito feminina”, afirma Malu Miranda, chefe de conteúdo brasileiro do Amazon Studios. “Sentença” é assinada por uma mulher, Paula Knudsen, roteirista de “Samantha!”, que aqui atua pela primeira vez como criadora de uma série. Foi dirigida pela argentina Anahí Berneri e pela brasileira Marina Meliande e traz como personagem central Heloísa, interpretada por Camila Morgado.
Advogada criminalista, Heloísa acredita que qualquer pessoa, independentemente da gravidade do crime, tem direito a defesa, e é conhecida no meio jurídico como profissional implacável. De família quatrocentona, é filha de um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal.
Casada com o promotor público Pedro (Fernando Alves Pinto), os dois adotaram um menino negro, o adolescente Hugo (Victor Hugo Martins), garoto adorável, apaixonado por violino – e o talento mostra que está no caminho certo.
Na superfície, a vida de Heloísa é invejável. Nas entrelinhas, não faltam traumas. A mãe está presa há décadas por ter matado o pai. Com a saúde cada vez mais debilitada, necessita de cirurgia urgentemente. A situação familiar é dificultada por sonhos recorrentes que a advogada começa a ter – ela se vê numa piscina ainda criança.
O caminho desta mulher irá se cruzar rapidamente com o de outras duas. Moira (Heloísa Jorge) é advogada de defesa, mas o principal cliente é seu próprio marido, Chico (Rui Ricardo Diaz), chefe de uma facção criminosa que está cumprindo pena. Na prisão, ele continua mandando e desmandando.
É Chico quem instrui Moira a procurar Heloísa para que ela assuma a defesa de Dinorah (Lena Roque), a mulher que matou o policial da cena de abertura. O crime, a história vai mostrar, não foi bem aquilo que chocou o Brasil.
“Foi uma equipe com várias mulheres em todos os lugares, inclusive técnicos”, comenta a diretora Anahí Berneri. “Os personagens de ‘Sentença’ têm profundidade, tanto que a série não é só um thriller judiciário. Não são apenas maus ou bons. São pessoas como a Dinorah, que cometeu um crime, mas alega legítima defesa. Ou como a protagonista, mulher forte e idealista, mas com um trauma infantil profundo”, completa.
Marina Meliande diz que a força da série está nas três mulheres – Heloísa, Moira e Dinorah. “E thrillers são quase sempre associados ao mundo masculino”, observa a diretora.
Camila Morgado, que vem de outra personagem intensa em séries (a Janete de “Bom dia, Verônica”, mulher do serial killer interpretado por Eduardo Moscovis), diz que gosta de papéis estranhos. “A gente acha que a Heloísa é heroína, tem todo o perfil, mas quando começa a olhar, passa a se perguntar sobre a fronteira que ela está cruzando.”
AMBIÇÃO E FRAGILIDADE
A atriz Heloísa Jorge acredita que muita gente vai se identificar com Moira. “Me apaixonei de cara por ela, porque não é maniqueísta, se contradiz o tempo todo. O texto fala de ambição e de transitar nos espaços de poder, mas também mostra a fragilidade da personagem. Em alguns momentos, ela soa até ingênua. Para mim, a Moira é aquela mulher que leva tudo até as últimas consequências: o amor, a família, os sonhos.”
De acordo com a atriz, foi difícil chegar ao ponto da personagem para evitar o “estereótipo da mulher de bandido”. Heloísa Jorge conheceu casos de mulheres de detentos para se preparar para o papel. “Consegui me compadecer de muitas histórias, pois elas, ao escolherem manter o casamento ou o namoro, também estão presas.”
Camila Morgado, por seu lado, teve que entrar no mundo do “juridiquês”. “Era algo que me preocupou muito, meu ponto fraco. Advogados e promotores têm sua carga teatral quando estão em julgamento, por exemplo, mas as palavras são muito diferentes. Foi difícil decorar os textos. Era tanta coisa que em algumas horas eu me perguntava o que aquilo queria dizer.”
Lena Roque passa boa parte da série trancada na prisão. Mas a sequência inicial, que detona a narrativa, foi a última que a atriz rodou. “Foi maravilhoso (gravar dessa maneira), pois como já tinha percorrido toda a trajetória da personagem, pude chegar mais fácil em um momento de tensão muito grande. Aliás, em todas as cenas a Dinorah estava encurralada, vivendo situações-limite o tempo todo.”
“SENTENÇA”
Série em seis episódios. Estreia nesta sexta-feira (15/4), no Amazon Prime Video
Montevidéu “vira” Sampa na pandemia
Lançada em julho de 2021, “Manhãs de setembro” é a primeira série nacional do Prime Video rodada no Uruguai a estrear na plataforma.
Como a crise sanitária foi mais controlada no país vizinho, ele foi escolhido pela plataforma como cenário de várias produções gravadas durante a pandemia de COVID-19.
Depois da comédia dramática estrelada por Liniker, “Desjuntados” e “Lov3” são outras séries brasileiras produzidas da mesma maneira.
“Sentença” foi rodada entre outubro de 2020 e março de 2021 em Montevidéu. Toda a pré-produção do seriado – escolha de elenco, ensaios, etc. – foi realizada remotamente.
“Eu me encontrava com as diretoras duas vezes por semana para discutir as cenas, isso tudo remotamente. Depois passamos a nos ver, após ficar a quarentena num quarto de hotel. Isso causou ansiedade, pois era algo novo a que tinha de me adaptar”, comenta Camila Morgado.
Na parte técnica não foi diferente, ainda mais porque a série tem várias locações. “Em ‘Manhãs de setembro’, conseguimos fazer algumas diárias em São Paulo, que dão a dimensão da cidade. Nesta, não. Então, a costura teve de ser feita especialmente na montagem”, explica Malu Miranda.
O presídio feminino onde a personagem Dinorah fica encarcerada é uma instituição prisional desativada no centro de Montevidéu que recebeu vários presos políticos durante a ditadura uruguaia (1973-1985).
TECNOLOGIA
O público verá imagens panorâmicas da capital paulista utilizadas como transições em cada capítulo. A tecnologia foi essencial para que São Paulo se tornasse crível na história, comenta Marina Meliande.
“Em todos os interiores de carros utilizamos uma tela de 180 graus com imagens de São Paulo sendo projetadas. Isso deu muito realismo. Já em Santinópolis, a comunidade de Dinorah, fizemos composição com um espaço real no Uruguai e utilizamos também o cromaqui”, explica a diretora.