Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Peça 'O alienista' critica o negacionismo e a intolerância deste século 21


Em “O alienista”, Machado de Assis (1839-1908) retrata a sociedade distópica em que corrupção, protocolos de saúde esdrúxulos, ataques aos direitos humanos e falta de empatia fazem parte do projeto levado a cabo pelo doutor Simão Bacamarte, médico cuja obsessão é compreender o limite entre sanidade e loucura.




 
Cento e quarenta anos depois, tem-se a impressão de que este projeto vingou. E é isso que a CiaTeatro Epigenia vai mostrar neste final de semana, no palco do Sesc Palladium, em Belo Horizonte. Livremente inspirada no conto machadiano, a peça “O alienista”, de Celso Taddei e Gustavo Paso, traz Rômulo Estrela no papel de Bacamarte e Luciana Fávaro como Evarista, mulher dele.

FÁBULA PATAFÍSICA

Também diretor da montagem, Paso define o texto como “fábula patafísica”, com suas críticas ao bolsonarismo por meio de metáforas. O clima expressionista, ressaltado pela maquiagem em preto e branco do elenco, remete à fase realista de Machado de Assis.
 
Com temporada presencial bem-sucedida no Rio de Janeiro, após a reabertura dos teatros fechados devido à COVID-19, a companhia carioca estará em cartaz neste sábado (16/4) e no domingo (17/4) em BH. Na próxima semana, apresenta-se em Ouro Preto.




 
“A gente tem um espetáculo maravilhoso, não porque sou o diretor, mas porque lotou rapidamente. A gente vem de uma pandemia, e na segunda semana você já ter 300, 400 pessoas em média por dia no teatro é um termômetro político interessante”, afirma Gustavo Paso.
 
A montagem da Cia Epigenia, que estreou em março, dialoga com estes tempos de intolerância e negacionismo estimulados pelos donos do poder. “A gente sabe o espetáculo delicado que tem na mão. Algumas pessoas se levantaram para ir embora, mas muito poucas, tipo um casal a cada dois dias”, conta Paso, referindo-se à temporada na Barra da Tijuca, considerada reduto do conservadorismo carioca.
 
“Há pessoas que ficam realmente incomodadas, mas é tudo feito com muita inteligência, com muita delicadeza”, diz, contando ter ouvido o relato “de um casal de direita”, que, mesmo discordando, assistiu à peça e se surpreendeu com o texto.




PODER

“Um ponto forte é o quanto a gente se afasta do humano quando achamos que só as nossas opiniões, o nosso querer, são o certo, são o que vale. Tendo isso junto ao poder, a quem tem o poder, a quem galga cada vez mais o poder, você vai se isolando cada vez mais. Você deixa de ser humano”, afirma a atriz Luciana Fávaro.
 
“Costumo dizer que teatro é a arte de humanizar. Ali, vivenciando as coisas, vendo aquela história acontecendo, toca-se em lugares irracionais, saindo um pouco pela culatra do achismo que todo mundo tem. A gente consegue colocar algumas sementinhas diferentes, exatamente porque vamos pelo lúdico”, observa Luciana, referindo-se à proposta da Epigenia, que ela ajudou a criar e comemora seus 22 anos com a temporada de “O alienista”.

* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

“O ALIENISTA”

Peça da CiaTeatro Epigenia. Neste sábado (16/4), às 20h30, e domingo (17/4), às 19h. Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro. Plateias 1 e 2: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada). Plateia 3: R$ 50 e R$ 25. Sexta-feira (22/4), sessão às 20h, no Centro de Artes e Convenções da Ufop, Rua Diogo de Vasconcelos, 328, Pilar, em Ouro Preto.