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Estado de Minas GUERRA DA UCRÂNIA

Vladimir Ovchinnikov refaz obras de arte apagadas pela censura na Rússia

Desenhos que remetem à Ucrânia foram cobertos por tinta, mas artista desenha a pomba da paz no mesmo local. Lei de Putin pune dissidentes com multa e prisão


20/04/2022 04:00 - atualizado 19/04/2022 22:08

Censurado pelo governo, artista russo Vladimir Ovchinnikov posa para foto à frente da pomba da paz que desenhou em muro
Vladimir Ovchinnikov desenha temas pacifistas em cidades russas, já foi punido com multa e não desiste de sua arte (foto: AFP)

Uma camada de pintura branca já cobre a fachada do armazém abandonado. Há poucos dias, podiam-se ver desenhadas ali uma bandeira amarela e azul, o lema da Ucrânia e um slogan pacifista.

“Eles os apagaram”, diz Vladimir Ovchinnikov, de 84 anos. Assim que sai do carro, o artista russo se dirige com passo enérgico em direção às três manchas brancas e, com o lápis preto, recomeça sua obra.

Desta vez, desenha uma pomba em vez da bandeira ucraniana. E volta a escrever os slogans, proibidos devido à nova lei que reprime “ofensas” ao Exército russo, que desde 24 de fevereiro participa da campanha militar contra a Ucrânia.

DELAÇÃO

A cena ocorreu na aldeia que conta, oficialmente, com seis habitantes, na região de Kaluga, a duas horas de Moscou. Aqui, como em outras partes da Rússia, o clima de delação se instalou desde a ofensiva lançada pelo Kremlin contra a Ucrânia.

Logo depois de o artista começar a obra, um homem de barba preta se aproxima. “Você está falando sério? Isso é vandalismo, vou chamar a polícia!”, ameaça. Vladimir Ovchinnikov e os jornalistas da Agência France-Presse (AFP) que o acompanham são forçados a ir embora.

Na Rússia, a menor crítica ao papel do governo no conflito, inclusive velada, pode levar a acusações judiciais.

Vladimir Ovchinnikov já sentiu isso na pele. No final de março, desenhou uma criança vestida com as cores da Ucrânia e três bombas sobre sua cabeça num muro no Centro da cidade de Borovsk.

O desenho foi apagado e Ovchinnikov convocado ao tribunal. Resultado: 35 mil rublos (US$ 432) de multa. “Pedir pelo fim da guerra é ser punido pela lei”, aponta o artista, que recebeu mais de 150 doações para pagar a dívida. No lugar da obra apagada e castigada, desenhou outra pomba.

Em Borovsk, com 10 mil habitantes e famosa por suas paisagens bucólicas, o artista é cidadão famoso. Seu afresco que adorna a delegacia militar local mostra a libertação da cidade pelo Exército Vermelho, em 1942.

Desde 2002, esse engenheiro aposentado fez mais de 100 desenhos nas paredes de Borovsk – entre eles, cenas históricas, reproduções de fotos, retratos de heróis russos como os escritores Pushkin, Gogol e Vladimir Vyssotski.

Em março passado, em uma janela, pintou duas mulheres de mãos dadas. Uma tem faixa com as cores russas no cabelo, a outra, uma faixa com as cores da Ucrânia. Chamado “Nostalgia”, o desenho não havia sido tapado. “Essa amizade foi destruída, apenas se pode sentir nostalgia”, comenta Ovchinnikov.

Grafite de Vladimir Ovchinniko tem duas mulheres de mãos dadas. Uma traz faixa nos cabelos com as cores da Rússia, outra tem faixa com cores da Ucrânia
Grafite de Vladimir Ovchinnikov com mulheres dando as mãos, simbolizando a Rússia e a Ucrânia, resiste na cidade de Borovsk (foto: AFP)

CENSURA OFICIAL

Em março, o presidente russo Vladimir Putin assinou lei que intensificou a censura no país, alegando que a legislação é necessária diante das “notícias falsas”. O propósito é impedir informações a respeito da guerra da Ucrânia divulgadas em veículos de comunicação e nas redes sociais.

De acordo com a lei, qualquer pessoa que usar os termos “guerra” ou “invasão” em relação à ofensiva russa pode ser condenada a até 15 anos de prisão. Na época, o Kremlin alegou que desenvolvia “operação militar especial” no país vizinho.

As punições para quem “espalhar informações falsas” ou pedir publicamente sanções à Rússia pela invasão à Ucrânia variam de três anos de detenção a multas. Porém, está prevista pena de 15 anos se houver “consequências graves” dessas ações.

Vyacheslav Volodin, porta-voz da Câmara Baixa do Parlamento russo, afirmou, na ocasião, que a medida forçaria “aqueles que mentem e fazem declarações que geram descrédito a nossas Forças Armadas a sofrerem punições severas”. E acrescentou: “Quero que todos compreendam, e que a sociedade compreenda, que estamos fazendo isso para proteger nossos soldados e oficiais, e para proteger a verdade”.

FORA DA TV

Alguns dias após a invasão da Ucrânia, o grupo de mídia Russian Media Group (RMG) cortou artistas da programação de seu canal de TV. Em comunicado, alegou que a decisão se devia “às duras declarações que músicos fizeram no contexto da difícil situação entre a Rússia e a Ucrânia”.

Está na lista dos censurados o conhecido grupo de rock Aquarium, cujo vocalista, Boris Grebenshchikov, chamou a guerra de “loucura” em post no Instagram.

O cantor afirmou à BBC que esse tipo de pressão política não é novidade em sua carreira. “Passei metade da minha vida sob algum tipo de proibição”, declarou Grebenshchikov.


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