Jornal Estado de Minas

ARTES VISUAIS

Bienal de Veneza abre hoje com presença ucraniana e sem a Rússia


A italiana Cecilia Alemani, curadora da 59ª edição da Bienal de Arte de Veneza, que será aberta neste sábado (23/4), afirmou  que quis "reequilibrar a história masculina" do evento internacional centenário, ao convidar 80% de artistas mulheres.






"Acho que, nos últimos 125 anos de história da Bienal, nas 57 edições, exceto na última, houve uma grande preponderância de artistas masculinos. Por isso quis reequilibrar criticamente a história", disse, em encontro com a imprensa, na quarta-feira passada (20/4), enquanto percorria os sugestivos espaços do Arsenal com enormes esculturas, muita pintura, instalações, cerâmica e muita cor. 

"Como curadora de arte, sempre trabalhei com muitas artistas mulheres. Acho que muitas delas são ótimas representantes da cultura contemporânea", disse. A 59ª Bienal de Arte de Veneza reúne 213 artistas de 58 países.

A curadora também selecionou um alto número de jovens: 180 artistas participam pela primeira vez, e 60 deles têm menos de 40 anos. 

Na lista de artistas incluídos está o brasileiro Jonathas de Andrade, com sua obra "Com o coração saindo pela boca". Também há muitos indígenas das duas Américas, africanos, um grupo criativo pertencente à cultura sami, do norte da Escandinávia, assim como ciganos.





A artista suíça de origem marroquina Latifa Echakhch exibe 'O concerto' na mostra internacional de arte italiana (foto: VINCENZO PINTO/AFP)
O artista francês Saype posa em sua escultura biodegradável que circulará pelos canais de Veneza durante a Bienal (foto: VINCENZO PINTO/AFP)

VISÕES DE MUNDO 

"Queria ampliar a forma como os artistas veem a história e oferecer um ponto de vista não ocidental, mesmo sendo ocidental. Dar espaço a diferentes visões de mundo", afirma. 

Algumas "cápsulas do tempo", com obras do passado e do presente, contribuem como ferramentas de reflexão e, de certa forma, propõem uma espécie de museu vivo.

A organização desta edição da mostra foi marcada não apenas pela pandemia, que obrigou a curadora a trabalhar a distância e se comunicar via internet com os artistas, mas também pela recente guerra entre Rússia e Ucrânia, países que costumam contar com pavilhões nacionais.

"Não acho que censurar um artista russo ou excluí-lo da Bienal vá mudar alguma coisa no mundo. Mas, no caso do pavilhão russo, o artista representa o governo russo. Então, entendo que os artistas e o curador não queiram assumir o fardo de representar a Rússia na Bienal de 2022 e levar essa marca para o resto de suas vidas", comentou Cecilia Alemani. 



Pavlo Makov deixou a Ucrânia durante a guerra para exibir em Veneza a instalação 'A fonte do esgotamento', que simboliza 'o momento vivido pela humanidade', segundo ele  (foto: VALENTIN FLAURAUD /AFP)

Ucraniano exibe obra sobre esgotamento

"Nenhum diálogo. Estamos no front. Talvez depois de duas ou três gerações, como com os alemães, possamos reiniciar o diálogo (com a Rússia)", diz, em tom inflexível, o artista ucraniano Pavlo Makov, ao se referir à situação em seu país. 

Aos 63 anos, Makov representa a Ucrânia na mostra com uma instalação que teve que ser adaptada às circunstâncias incertas causadas pelo conflito. O artista teve que escapar e, literalmente, se esquivar das bombas para chegar a Veneza, assim como sua obra, formada por uma série de funis, que foi transportada em partes, sob a custódia de uma das curadoras do evento.

"Saí também com minha mãe, de 92 anos. Ela me disse que não se importava se a matassem, que havia sobrevivido à Segunda Guerra Mundial", contou Makov, que ainda não sabe onde viverá no futuro.





Chamada "A fonte do esgotamento", a instalação, que contém 72 funis de cobre de cor azul, ligados como uma pirâmide em uma plataforma de 3 m², por onde a água corre até chegar ao fundo, simboliza o que o artista chamou de "o momento vivido pela humanidade", com o esgotamento gradual de seus próprios recursos físicos e mentais.

RÚSSIA AUSENTE 

Por sua vez, o pavilhão oficial da Rússia está vazio, depois que o curador e os artistas selecionados desistiram de participar indignados pelo conflito na Ucrânia, e se tornou o símbolo desta edição.

O veto da Bienal aos artistas, instituições e personalidades vinculadas ao regime de Vladimir Putin não deixa de surpreender alguns setores, que temem que isso seja o início de uma espécie de caça às bruxas.





Um dilema complicado, já que a maioria das instituições e festivais do mundo, entre eles os de cinema de Cannes (França) e de Veneza, decidiu cancelar a presença de artistas russos em suas programações.

"Que a Rússia deixe de nos colonizar, porque a Rússia é uma potência imperial, que usou países como a Ucrânia, porque muitos grandes artistas russos são, de fato, artistas ucranianos", afirma Maria Lanko, curadora do pavilhão ucraniano.

Lanko, de 35 anos e responsável por uma galeria de arte em Kiev, contou o seu périplo de várias semanas para salvar a obra de Makov. Para isso, teve que cruzar a fronteira e atravessar Romênia, Hungria e Áustria, antes de chegar a Veneza, onde a instalação foi montada junto com outras partes fabricadas em Milão.

Não muito longe dali, a comissária-geral da Bienal, a italiana Cecilia Alemani, anunciou a criação da Piazza Ucrania (Praça Ucrânia), um espaço planejado para a meditação, que vai se transformar e crescer até fechar, em novembro, e onde até mesmo as provocações serão admitidas.

Trata-se de um espaço com uma montanha de sacos de areia similar às que os cidadãos ucranianos estão erguendo nestes dias para proteger seu patrimônio cultural e artístico.