Como a maioria dos artistas, Heloísa Périssé aproveita a desaceleração da pandemia para voltar ao palco. A atriz mata as saudades do público com “A iluminada”, que já passou por teatros de Brasília, São Paulo e Salvador, além de Portugal. Brincando com a era do TEDx, palestras sobre experiências vivenciadas, a peça traz Doroteia das Dores, mulher com trajetória de superação que se propõe a ensinar como chegar à iluminação. Heloísa assina texto da peça, dirigida por Mauro Farias.
Curada de um câncer raro, Heloísa experimentou o fundo do poço sugerido na peça. Neste novo momento pessoal e profissional, ela deseja compartilhar sua vivência com o público. “Quero ser um caleidoscópio, onde pedrinhas caem e permanecem lindas, porque estão em harmonia. Elas não competem, cooperam. Meu foco na vida é um mundo melhor”, afirma.
Como surgiu a ideia da peça “A iluminada”?
Ela junta a minha pandemia particular, a pandemia no coletivo e o momento em que fui ao fundo da minha existência. Tive de arrancar forças de lá para continuar vivendo aqueles momentos difíceis que as pessoas encaram durante um tratamento. Descobri que dali, daquele lugar, dava para tirar muita coisa boa. Podia apurar coisas interessantes, viver momentos como nunca tinha vivido. A peça “A iluminada” fala dessa virada, dessa metanoia, dessa mudança de mente. Tudo, claro, no diapasão da comédia.
O coach e as piadas sobre o tema vêm se tornando muito recorrentes. Como você encontrou a sua forma pessoal de fazer uma peça sobre coach?
A verdade é que ela não é coach, ela é “cuoach”: descobre que a pessoa tem de ir lá no inconsciente, lá no profundo, lá no cume (risos) da montanha para poder estar cara a cara com os problemas. Uma frase que li de Joseph Campbell foi imprescindível nesse contexto. Ele diz: 'A caverna em que você tem medo de entrar esconde o tesouro que você procura'. Então, a hora em que você se despoja, larga o medo de perder, é muito importante. O momento fundo do poço é fundamental, porque lá você encontra a cama elástica que faz a gente dar o salto quântico. A peça fala da boa esperança, da boa virada quando há entrega. Para isso, porém, é preciso a coragem de ir lá no cume da montanha.
Há uma espécie de “explosão” da cultura de “pessoas iluminadas”. Como você vê isso?
Hoje, existem mais formas de as pessoas dividirem o que sentem, o que elas pensam. Então, o fato de alguém se considerar iluminado e falar para as pessoas vem sempre com o cuidado no falar e, principalmente, no ouvir e de quem ouvir. Com o acesso de você falar o que pensa vem também o acesso de ouvir o que as outras pessoas pensam. Agora, fico bolada com pessoas que se consideram iluminadas. Quanto mais iluminada uma pessoa é, mais ela diz só sei que nada sei. Ela tem grande humildade. Sabe que realmente há uma força que paira, que o homem faz planos, mas a palavra final é de Deus.
Vivemos o período da volta aos palcos, depois de certa trégua da pandemia. Como é esse retorno?
É algo emocionante. Neste momento, voltar aos palcos significa voltar a viver, voltar à vida, vibrar e deixar essa força pulsante que todos carregamos sair de novo. É rir, é comemorar, é celebrar. Foi muito emocionante em Portugal. Quando cheguei em São Paulo, então, no meu país... A cidade da minha cura foi São Paulo. Lindo demais. Na sequência, fiz Salvador, no Teatro Castro Alves, lugar onde fui criada, das minhas origens. Acredito que o mundo inteiro está buscando diversão.
Sua vida pessoal foi marcada por outra notícia boa: a cura do câncer. Como é estar de volta depois de tudo que você passou?
Tive a resposta da cura desse câncer, agora estou em período de acompanhamento, porque ainda ficamos cinco anos assim para ver se está tudo bem. Não gosto que digam: 'Você é uma guerreira, você lutou'. Dá a sensação de que quem venceu, lutou, e quem passou desta para melhor, não. Isso não é verdade. A gente tem o nosso tempo aqui nesta existência. Não era o momento de eu ir, na hora certa eu vou. Me considero uma pessoa que fez o que tinha de fazer. É ainda tempo de estar por aqui nesta dimensão, então quero continuar por aqui fazendo sempre o meu melhor, entendendo que esta vida é legal e bacana, mas é uma passagem. Quero que minha vida tenha o tamanho dela. É interessante viver bem, mas é mais gratificante fazer a vida dos outros melhor. Contribuir para um mundo melhor. É isso que eu quero agora: descobrir o reino dos céus dentro de mim e vivê-lo com plenitude para mim e para toda a humanidade.
Você faz comédia há muitos anos e está sempre se atualizando. Como faz para dialogar com os novos tempos?
Estou sempre vendo coisas, lendo coisas, fora que tenho muitos filhos e enteados. Este ano, voltei para a faculdade, tenho contato com gente mais nova o tempo inteiro. Mantenho um bate-papo fluido com meus filhos, sempre me atualizando e discutindo sobre o meu ponto de vista e o deles. Uma relação muito rica. O mais importante de tudo é poder trocar, poder dialogar. Você passa a sua experiência, recebe de volta o frescor que só a juventude pode dar.
Você trabalhou com grandes nomes do teatro e da comédia. Quem a inspirou e inspira até hoje?
Trabalhei com muita gente boa. Com Chico Anysio, Domingos Oliveira, todo o pessoal da “Escolinha do professor Raimundo”. Teve um momento da minha vida em que dividia sala com Grande Otelo, Rogério Cardoso, Carlos Milani, Lucio Mauro. Segui a vida com Bruno Mazzeo, Lucinho e depois Ingrid Guimarães. Vi “TV Pirata” com Regina Casé, Cláudia Raia, Débora Bloch e Ney Latorraca. A vida inteira cercada por essas pessoas, não tem como não beber nessas fontes. Não dá nem para elencar o que foi mais ou menos importante. Tudo é importante. A importância é justamente saber combinar todas as coisas que estão em volta de você.