Novo espetáculo de Deborah Colker, “Cura”, que chega a Belo Horizonte para apresentações neste sábado (30/4) e domingo (1º/5), no Grande Teatro do Sesc Palladium, trata de buscas e de passagens. A coreógrafa assente que é a criação mais íntima e pessoal de sua trajetória, porque parte da doença genética de seu neto Theo – condição rara chamada epidermólise bolhosa –, mas se abre para o mundo ao conectar diversos elementos e propor pontes entre a ciência e a religião.
“O espetáculo parte de uma história pessoal, mas não é sobre ela. Todos os meus espetáculos são muito autobiográficos, relacionados com questões muito pessoais. No caso de ‘Cura’, isso é amplificado: sou eu em carne viva”, aponta Deborah. A busca pela recuperação do neto fez com que ela mergulhasse na ciência, mas, num dado momento desse percurso, precisou ampliar os horizontes.
FÉ
“A ciência se tornou uma parceira nesses últimos 12 anos, só que eu precisava entrar em contato com outros saberes, que podem ser relacionados com a cultura, com a religião, enfim, ligados à fé. Fui em busca dessas histórias, desse conhecimento, desses textos. Comecei a entender que você pode não ter a cura física, mas tem a emocional, a intelectual ou a espiritual”, diz.Esse entendimento chegou em 2018, sob a forma de conceito norteador do espetáculo, com a morte do físico britânico Stephen Hawking, aos 76 anos. Ele foi diagnosticado com ELA (esclerose lateral amiotrófica) quando tinha 20 – deram-lhe, à época, mais três anos de vida. No entanto, Hawking viveu mais de meio século depois da “sentença”.
“Ele encontrou a cura do que não tem cura. Stephen está aí, é um exemplo. A vida para ele teria acabado em três anos, a partir do diagnóstico, mas ele não só sobreviveu como se reinventou”, destaca Deborah. A partir desse fio condutor, ela somou ao conceito do espetáculo outros elementos e personagens, como o neto Theo e Obaluaê, orixá da doença e da cura.
“Ele é o personagem que representa a cura e a doença, porque uma só existe com a outra, assim como o grito com o silêncio ou a morte com a vida. As coisas são assim. Ele é o orixá rejeitado por sua mãe, Nanã, que o acha horroroso porque nasceu cheio de feridas. Iemanjá o acha lindo e vai amamentá-lo; o leite que escorre pelo corpo dele forma as espumas do mar.”
Obaluaê motivou o convite a Carlinhos Brown, que compôs praticamente toda a trilha do espetáculo. A forma como a música se apresenta em “Cura”, cantada pelos bailarinos, é algo inaugural na trajetória de Deborah. “Foi uma coisa muito diferente para mim, porque Carlinhos Brown compôs e cantou, e nunca tinha coreografado nada com uma canção”, ressalta.
Uma viagem a Moçambique forneceu outros elementos, que foram incorporados à dramaturgia do rabino Nilton Bonder e acabaram no desfecho luminoso que a narrativa coreográfica alcança depois de percorrer um caminho que fala de dor.
“Em Moçambique, encontrei a alegria; todo mundo lá canta e dança. Claro que é um lugar com muita miséria, com condições indignas de vida, mas existe ali uma força de viver. Isso de cantar e dançar você vê todo mundo fazendo em todos os lugares por lá”, aponta.
Confira minidocumentário sobre o processo de criação de "Cura":
SURRA
Colocar bailarinos para cantar não foi tarefa simples. “Foi uma surra, porque uma coisa é você fazer musical, onde todo mundo em cena está indo para dançar e cantar. Outra é aplicar essa dinâmica a uma companhia de dança contemporânea que nunca fez isso. Além do português, eles cantam em dialetos africanos e hebraico”, aponta.Nilton Bonder foi muito importante nesse processo, afirma a coreógrafa. “Quando lhe perguntei o que é curar, ele me falou que a grande cura é a morte. A potência da vida é a morte, é o motor para tudo o que se constrói a cada dia. Fui por esse caminho”, revela Deborah.
“CURA”
Com Cia. de Dança Deborah Colker. Neste sábado (30/4), às 21h, e domingo (1º/5), às 19h. Grande Teatro do Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro. Plateia 1: R$ 200 (inteira) e R$ 100 (meia). Plateia 2: R$ 130 e R$ 65. Plateia 3: R$ 50 e R$ 25