Jornal Estado de Minas

CINEMA

"Deus e o diabo na terra do sol" será lançado pela segunda vez em Cannes



Lançado no Festival de Cannes de 1964, quando concorreu à Palma de Ouro, “Deus e o diabo na terra do sol”, segundo longa de Glauber Rocha (1939-1981) e considerado o mais importante de seus filmes, ganha segundo lançamento no evento francês.



Restaurado em versão 4K, ele será exibido na seção Cannes Classics, dedicada a filmes clássicos e à preservação do patrimônio cinematográfico mundial. A 75ª edição do festival será realizada entre 17 e 28 deste mês.

A cópia restaurada ficou pronta em fevereiro, depois de um longo processo iniciado em 2019. A iniciativa partiu do realizador brasiliense Lino Meireles, que se uniu a Paloma Rocha, filha de Glauber. “Quando fazia o documentário ‘Candango: Memórias do festival’ (2020), sobre o cinema brasileiro, procurei filmes da cinematografia nacional que não estavam disponíveis. Me deu vontade de trabalhar com restauração.”

Como Paloma também mora em Brasília, os dois se uniram para o projeto. O processo foi iniciado três anos atrás e interrompido em decorrência da pandemia. A recuperação foi feita a partir dos negativos, sob a guarda da Cinemateca Brasileira, em São Paulo.




QUADRO A QUADRO

Realizada pela Cinecolor, a restauração começou com o escaneamento dos negativos, quadro a quadro. “Foi criada uma matriz digital e depois foi feita a restauração do som (a cargo do Estúdio JLS)”, conta Meireles.

Os originais, ele diz, estavam em perfeitas condições. “Qualquer projeto de recuperação (fílmica) no Brasil só é possível por causa das cinematecas. Quando começamos, estávamos com a perspectiva desta ‘anticultura’”, acrescenta, referindo-se ao processo de sucateamento que a área cultural vem sofrendo em âmbito federal nos últimos anos.


A Cinemateca Brasileira, que desde março está com nova diretora, reabre em 13 de maio para o público, com mostra dedicada à obra de José Mojica Marins. A instituição, que em governos anteriores já vinha sendo relegada a segundo plano, ficou fechada nos últimos anos – o descaso do atual governo federal acabou levando ao inevitável. Em julho de 2021, um novo incêndio tomou conta do prédio – parte da obra de Glauber foi perdida.





Para Paloma Rocha, a seleção para o Cannes Classics é não só “o reconhecimento ao filme, mas é, sobretudo, uma maneira de recolocar o Glauber no local onde ele pertence, o certame dos grandes diretores do mundo.” 
 
Para ela, exibir “Deus e o diabo” restaurado é uma forma de relançar as ideias do pai. “Tem uma frase que ele sempre dizia: ‘O novo é o eterno’”.

OUTRAS TELAS 

Filmado em 1963, “Deus e o diabo” acompanha Manoel (Geraldo Del Rey), pobre e explorado, que depois de assassinar seu patrão passa a peregrinar pelo sertão com sua mulher, Rosa (Yoná Magalhães), em busca do mar prometido pelo beato Sebastião (Lidio Silva).

Após a morte de Sebastião, assassinado por Rosa, o casal volta a peregrinar até encontrar um novo líder, o cangaceiro Corisco (Othon Bastos). Nessa jornada, ele tem em seu encalço o mercenário Antônio das Mortes (Maurício do Valle).

A partir do relançamento em Cannes, Meireles espera que o longa ganhe novamente outras telas. “Estamos com os direitos para negociá-lo e espero que haja muito interesse, pois continua sendo o filme brasileiro mais reconhecido do mundo. A matriz que temos agora cabe tanto para os cinemas atuais quanto para o streaming.”