Jornal Estado de Minas

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Série 'Baron noir' mostra uma esquerda corrupta e cínica em busca do poder


A quatro dias do segundo turno de uma eleição presidencial em que a esquerda tenta tirar a direita do poder, um escândalo de corrupção no campo opositor está prestes a eclodir. Na administração dos milhões reservados anualmente a um programa de habitação popular, os esquerdistas montaram um esquema de achaques a empresários e desvio de dinheiro.





Durante o último debate televisivo entre os dois candidatos, no qual a taxa de desemprego e as políticas sociais são um tema central, o deputado Philippe Rickwaert (Kad Merad), um dos mais próximos auxiliares do candidato socialista Francis Laugier (Niels Arestrup), é avisado da operação policial. Seu informante é um dos agentes envolvidos na investigação, cujo currículo inclui um histórico de repasses de informações sigilosas ao político.

A partir desse ponto, no primeiro dos oito episódios da série francesa “Baron noir”, que estreia nesta sexta-feira (6/5) na plataforma de streaming Reserva Imovision, a história assume as cores (e os sons cavernosos) de um thriller político. 

Rickwaert tem apenas algumas horas para inviabilizar a operação, abafando o escândalo que colocaria um ponto final na pretensão de Laugier de chegar à Presidência. Para isso, ele precisa reunir muito dinheiro, rapidamente.



E como “em questões de dinheiro, cessa toda a cordialidade”, esse episódio determinará um ponto de inflexão na relação de Laugier com Rickwaert. De aliados políticos que se tornaram amigos - o candidato é padrinho da única filha do deputado, Salomé Rickwaert (Loubna Gourion) – os dois homens passam a ser rivais que tentam derrubar um ao outro. Obsessivamente.

Verónique Bosso (Astrid Whetnall) é a assistente de Philippe Rickwaert que ficará indignada com seus métodos para vencer a eleição

VOTAÇÃO 

O primeiro episódio (de 55 minutos) termina com Laugier aguardando o resultado da votação e contando à sua equipe como conheceu Rickwaert. As circunstâncias da aproximação dos dois, ele conclui retrospectivamente, já permitiam deduzir que se tratava de alguém não apenas muito ambicioso, mas de “um louco”. 

O desenho do caráter de Rickwaert ficará mais claro no segundo episódio, quando Laugier assume a presidência e escanteia o ex-aliado, que não havia poupado esforços por sua eleição. O modo como o deputado abafou o escândalo às vésperas do segundo turno não deixou apenas feridos, mas também um morto. A trama insinua que esse cadáver vai assombrar Rickwaert futuramente. 





Nas eleições legislativas que se seguem à presidencial, o deputado tenta manter sua cadeira, tendo como adversário não declarado o próprio presidente. Ao conduzir sua campanha, Rickwaert adota em toda a sua extensão a ideia de que os fins justificam os meios.

Os fins, no caso, são as aspirações mais nobres da esquerda, que ele recita como um grande sacerdote desse ideário. Os meios vão da intimidação à fraude do processo eleitoral. Sempre disposto a ultrapassar limites éticos, ele coage sua equipe a fazer o mesmo, com o argumento de que essas são as regras do jogo e não há como vencê-lo sem se render a elas.  


NAZISMO 

O segundo episódio (de 50 minutos) é chamado “1932” e explica seu título num diálogo entre Rickwaert e Amélie Dorendeu (Anna Mouglalis), a conselheira política de Laugier que arma uma estratégia para impedir a reeleição de Rickwaert.

Ao surpreendê-la numa manobra para minar suas chances no pleito, ele a acusa da mesma cegueira política que atingiu a esquerda alemã nos anos 1930, ocupada demais com suas divisões internas para conseguir avistar na ascensão da direita o regime nazista que já se esboçava.  

No caso específico da França atual, a ameaça atende pelo nome de FN, a Frente Nacional capitaneada pela ultradireitista Marine Le Pen, candidata à presidência derrotada por Emmanuel Macron no mês passado. Rickwaert e seus auxiliares referem-se abertamente à sigla como o mal maior a ser evitado.





No entanto, no mundo real, a recente disputa pela presidência francesa deixou evidente o esgotamento de uma considerável parcela do eleitorado, que já não se convence de que eleger “o menos pior” é o melhor a fazer quando a escolha tem que se dar entre duas opções ruins. Além do avanço da direita, a disputa do mês passado na França mostrou que os chamados eleitores “nem-nem” (nem Le Pen, nem Macron) eram um contingente expressivo.

ELEIÇÃO 

O recente pleito francês e a proximidade da eleição presidencial no Brasil talvez tenham sido incentivos para a Reserva Imovision lançar neste momento uma série produzida entre 2016 e 2020, com um total de 24 episódios. 

Outro atrativo é o fato de “Baron noir” ter no papel principal o mesmo Kad Merad que protagoniza o longa-metragem “A noite do triunfo”, lançado no último dia 28 no Brasil pela distribuidora Imovision e em cartaz em Belo Horizonte, no cinema do Minas Tênis Clube. 





No filme de Emmanuel Courcol, Merad é o cativante ator Étienne Carboni, que luta contra vento e maré para fazer uma montagem profissional de “Esperando Godot”, a partir de uma oficina teatral que ele oferece a detentos de uma prisão masculina próximos de concluírem suas penas. 

A primeira temporada de “Baron noir” chega à plataforma em pares de episódios, lançados sempre às sextas-feiras. Os acontecimentos do segundo capítulo sugerem que, nos seguintes, as personagens femininas em torno dos dois rivais ganharão relevo.

Amélie Dorendeu tem em Verónique Bosso (Astrid Whetnall) a fiel escudeira de Rickwaert, um espelho. Ambas terminam “1932” profundamente decepcionadas com as ideias e os métodos do presidente e do deputado. 





A jovem Salomé Rickwaert, que deixou a casa da mãe, cujo alinhamento político à direita e a conduta conservadora ela julga insuportáveis, para ir morar com o pai, começa a identificar em Rickwaert um comportamento machista e uma incapacidade de se dedicar a qualquer outra coisa que não sua ambição política. Agora instalada na casa do deputado, é de supor que sua personagem irá em direção ao centro da trama. 

(foto: Carole Bethuel/Divulgação)

Vilão na série, mocinho em filme

Se o personagem de Kad Merad, um político hipocritamente sem escrúpulos, vai se tornando progressivamente repugnante em “Baron noir”, o inverso ocorre com o protagonista do longa “A noite do triunfo”, interpretado pelo mesmo ator e em cartaz em BH (Minas Tênis Clube, Sala 1, 18h15).

Na comédia dramática de Emmanuel Courcol, baseada num episódio real ocorrido na Suécia, em 1985, ele é um ator com uma carreira na descendente que aceita ministrar uma oficina de interpretação para detentos para pagar as contas no fim do mês.



Seu envolvimento com os internos e sua atitude de “chato profissional” para defender a peça que pretendem montar conquistam a simpatia do espectador. Declaração de amor ao teatro, o filme reserva a Merad um belo monólogo no final, em sua particular noite do triunfo.

“BARON NOIR”
Criação e direção: Eric Benzekri e Jean-Baptiste Delafon. Com Kad Merad, Niels Arestrup, Anna Mouglalis, Astrid Whetnall e Loubna Gourion. Série em oito episódios. Os dois primeiros serão lançados nesta sexta (6/5) na Reserva Imovision. Disponível para assinantes ou aluguel.