A relação do ser humano com a cidade e seu cotidiano são os temas das novas exposições em cartaz na Galeria de Arte Nello Nuno, da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop). Intituladas “Principium”, do artista em situação de rua Gerson Flores, e “TrajHistórias”, dos fotógrafos Reginaldo Luiz Cardoso e Marcelo Santos, as mostras retratam as visões singulares de seus criadores sobre a vivência urbana e seguem abertas à visitação até 29 de maio.
“Principium”, série de pinturas de Gerson Flores, foi selecionada pelo curador Alexandre Mascarenhas. Nascido em 1973, o artista costumava habitar as redondezas da Avenida do Contorno, no Bairro Floresta, Região Leste de Belo Horizonte, acompanhado de seu fiel companheiro, o cãozinho Pitoco.
Segundo o curador, Gerson lhe contou que vive nas ruas há mais de 20 anos, desde que a morte da mãe o levou a enfrentar problemas familiares com os irmãos. “Sua adolescência parece ter sido bem conturbada. Ele tinha uma relação muito próxima com a mãe e, no momento em que ela falece, ele acaba indo viver na rua. Foi nesse contexto que o conheci”, conta Mascarenhas.
Foi devido a Pitoco que o artista começou a pintar: o cãozinho tinha o hábito de mastigar bisnagas de tinta coloridas que encontrava nas ruas, e Gerson, para evitar a intoxicação de seu companheiro ao ingerir o conteúdo das bisnagas, passou a usá-las na pintura. “Isso acabou sendo uma questão de lealdade e fidelidade da parte de Gerson em relação ao cachorro”, aponta Mascarenhas.
O curador ressalta a qualidade do artista em trabalhar suas composições de cores, elaborações de tons e sua sensibilidade para retratar cenas bíblicas, paisagens urbanas, figuras folclóricas, estruturas arquitetônicas e passagens de sua vida.
“Gerson pinta de uma forma muito rápida. Ele sabe exatamente o quê e como pintar em compensado ou eucatex. Ele utiliza restos de quadro que encontra perto da Contorno ou de outras grandes avenidas da Região Leste e, em geral, não demora mais do que 30 minutos para compor uma obra”, afirma o curador. O artista, que utiliza ferramentas que encontra disponíveis no seu cotidiano, costumava trocar suas obras por alimento.
Após procurar em mais de 20 abrigos e casas de acolhimento, Mascarenhas ainda não conseguiu encontrar Gerson para que ele pudesse ver suas obras expostas em Ouro Preto. “Com a divulgação de sua obra, ele vai ficar muito feliz quando perceber que seu trabalho está sendo levado em consideração. Um trabalho forte, autoral e muito contemporâneo e espontâneo”, detalha o curador.
FOTOGRAFIAS
Já os fotógrafos Marcelo Santos e Reginaldo Luiz Cardoso apresentam “TrajHistórias”, composta por dois ensaios com 30 fotos no total (15 de cada artista). As imagens evidenciam e sobrepõem as visões de ambos sobre a cidade e o cotidiano urbano.Marcelo Santos, belo-horizontino, é formado em psicologia pelo Centro Universitário Newton Paiva, mas é apaixonado pelo ofício da fotografia e realiza exposições desde 2015. “Eu me considero um fotógrafo amador, mas que leva muito a sério sua atividade”, confessa. Publicou, em 2021, seu primeiro fotolivro, “Chão”. Fotografia de rua e as possibilidades de representações do espaço urbano são os principais focos de seu trabalho.
Reginaldo Cardoso é ouro-pretano, mas vive em BH e realiza exposições desde 2008. “Uma coisa muito interessante nessa exposição é que fui um dos primeiros alunos na Faop. É muito significativo que, depois de todos esses anos, eu esteja expondo na Nello Nuno e reforça a ideia de ‘TrajHistórias’, ou ‘histórias da trajetória’”, comenta o artista.
OLHARES
A dupla se conheceu através da fotografia, em workshop em 2017, e desde então mantém contato e troca ideias e referências. Reginaldo, que além de fotógrafo também é urbanista, convidou Marcelo, dois anos depois, para realizar a exposição devido à confluência de visões e semelhança entre seus olhares.Selecionada para outubro de 2020, a exposição foi adiada devido à pandemia, e só agora entrou em cartaz. “Gostei muito da curadoria da Faop por mesclarem as obras de nós dois, o que gerou uma nova leitura. Em vez de exporem as fotografias de um e de outro em paredes diferentes, eles as misturaram”, descreve Reginaldo.
Ambos contam como pretendem chamar a atenção das pessoas para lugares e objetos urbanos que passam, na maioria das vezes, despercebidos pelos transeuntes. “Esse é o grande barato da fotografia de rua. É ótimo escutar de uma pessoa que não é fotógrafa dizendo: ‘Eu passo nesse lugar todo dia, mas nunca vi essa cena e esses elementos’. Queremos chamar a atenção para o cotidiano que está lá acontecendo, independentemente de as pessoas o verem ou não”, conclui Marcelo.
EXPOSIÇÕES DA FAOP
“Principium”, de Gerson Flores (curadoria de Alexandre Mascarenhas) e “TrajHistórias”, de Reginaldo Luiz Cardoso e Marcelo Santos. Até 29 de maio. Visitação de terça a sexta, das 9h às 12h e das 13h às 17h. Sábado e domingo, das 14h às 18h, na Galeria de Arte Nello Nuno (Rua Getúlio Vargas, 185, Centro – Ouro Preto). Entrada franca. Informações: (31) 3552-2480
* Estagiário sob a supervisão da subeditora Tetê Monteiro