Servidor público, historiador e bibliófilo de carteirinha, Fred Pinho levou um baque ante o anúncio, no início deste ano, do fechamento da Ouvidor, a livraria de rua mais antiga de Belo Horizonte, com 52 anos de atuação. Em seu perfil no Instagram, ele conta que frequentava diariamente o espaço com seu filho André. “Em razão do quadro de TEA, o Dedé é apegado às rotinas e havia escolhido a livraria como nosso roteiro obrigatório depois das aulas”, escreve.
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Tati conta que, primeiramente, eles conversaram com o proprietário da Ouvidor, Bernardo Ferreira, sobre uma forma de seguir com a livraria de portas abertas. “Depois entendemos que juridicamente seria complicado, então começou uma outra conversa, de alugar a loja e abrir ali uma livraria nova, para não perder aquele espaço, que é consolidado”, diz, chamando a atenção para o fato de que foi tudo muito rápido – “uma decisão bem corajosa, intuitiva mesmo”.
“A gente quis fazer isso acontecer; foi, na verdade, um sonho que decidimos realizar”, destaca a jornalista, que se diz também uma grande leitora e frequentadora de livrarias. Ela aponta que o imóvel está passando por reformas e por isso não é possível precisar quando será o lançamento da Livraria Jenipapo, mas a expectativa é que isso ocorra até meados deste ano.
OPORTUNIDADE
Fred, que também já foi professor e técnico de patrimônio cultural na Prefeitura de BH, observa que nem ele nem a esposa/sócia tinham qualquer experiência pregressa no comércio de livros. “Éramos apenas leitores, entusiastas, e isso foi um ponto de encontro meu e da Tati. Tenho um trânsito, conheço os livreiros da cidade, já lancei livro de artigos na área da educação na Ouvidor, que frequentava há mais de 20 anos. Talvez eu e a Tati já pensássemos, sem um falar para o outro, em um dia ter uma livraria. Foi uma oportunidade”, aponta.
A falta de experiência no comércio de livros foi, de certa forma, compensada pelo fato de Bernardo ter abraçado a iniciativa de criação de uma nova livraria no lugar da Ouvidor. “Ele acolheu muito bem a proposta e tem sido bastante atencioso e disponível em todo o processo, até no sentido de nos apresentar às distribuidoras e editoras. Esse apoio tem sido bastante importante. Muito embora a gente circulasse entre os livros, trabalhar com isso é uma coisa diferente, porque tem as questões próprias do negócio. A gente tem estudado a respeito”, ressalta.
Ele diz que o projeto é achar um ponto de equilíbrio entre o que foi e o que será. Fred não vislumbra a Jenipapo seguindo o mesmo modelo ou funcionando da mesma forma que a Ouvidor, mas também não quer simplesmente deixar de lado uma história construída ao longo de meio século. “A gente tem uma tensão dialética nesse processo. Existe uma referência, por causa do público que sempre frequentou a Ouvidor, mas também queremos uma nova proposta. Tentaremos chegar numa síntese, entender esse público, acolher, mas também colocar uma proposta diferente”, diz.
JENIPAPOS LITERÁRIOS
Um dos projetos, por exemplo, é que o imóvel abrigue também um café, um local de convivência onde as pessoas possam se sentar e folhear os livros. “Também queremos ter um cuidado maior com um espaço para as crianças, uma curadoria mais próxima, uma relação mais estreita com os clientes. A gente quer colocar muito o foco no papel dos livreiros. A ideia é que a Jenipapo seja um lugar de conversas, de trocas de experiências. Essa é uma linha que estamos muito ciosos em seguir”, aponta.
Num perfil do Instagram criado para a nova livraria, os empreendedores escrevem sobre a escolha do nome: “Pesquisamos sobre a rua. Ocorre que Fernandes Tourinho havia sido um bandeirante e não quisemos render homenagem à barbárie do ‘projeto civilizatório’. Sugeríamos e descartávamos novos nomes, até que num toró de ideias surgiu ‘jenipapo’. Gostamos da sonoridade da palavra. Gostamos da cor extraída do jenipapo, um azul acinzentado. Gostamos dos trocadilhos que o termo admitia, permitindo uma brincadeira que abrigava o que a gente pretendia como a nossa principal identidade: ser um lugar da conversa, do papo, de jenipapos literários”.