Depois de quatro anos, quando gravou em 2018 o álbum autoral “Tempo”, a cantora carioca Leila Maria volta às plataformas digitais, agora com o disco “Ubuntu” (Biscoito Fino), que traz participação especial de Maria Bethânia na faixa “Seca”, recitando um trecho da letra poética de Djavan. O repertório traz nove canções do artista alagoano.
Em 2012, a gravadora Biscoito Fino já havia lançado um tributo de Leila à cantora norte-americana Billie Holiday (1915-1959), o disco “Leila Maria canta Billie”. A artista foi um dos destaques do programa “The voice +”, em 2021, impressionando jurados e telespectadores com sua voz.
E esse atributo pode ser observado nas canções de Djavan que estão no sexto álbum de Leila. Ela lembra que escolher o repertório foi um quebra-cabeça e levou um bom tempo para ser montado. A ideia de gravar um disco focado no músico alagoano, segundo a artista carioca, veio de Ana Basbaum, produtora da Biscoito Fino, que também sugeriu o instrumentista, percussionista e produtor musical Guilherme Kastrup para produzi-lo.
"Além de Djavan ter esse excelente lado musical e de letrista, também faz parte da trilha sonora da vida de todo mundo. Não há quem não tenha uma música dele na memória"
Leila Maria, cantora
Leila conta que adorou a ideia – que a emocionou tanto afetiva quanto musicalmente. “Na verdade, muitas das músicas de Djavan fazem parte da trilha sonora da minha vida. Toda a sua obra tem uma impressionante e indiscutível riqueza musical e poética.” Ela explica que a palavra ubuntu é de origem zulu e tem vários significados, revelando o universo musical do álbum, que reúne artistas brasileiros, africanos e afrodescendentes.
A cantora ressalta a importância de Guilherme Kastrup. “Ele também foi produtor de Elza Soares, e até ganhou um Grammy com ela. E fomos integrantes de uma mesma banda, nos anos 1990. Isso foi mais um motivo de unção, de uma identificação para que o projeto corresse lindo, como está o resultado agora.”
Leila lembra que foram vários encontros (virtuais) para chegar a “Ubuntu”. “Djavan é um gênio, tem a capacidade de penetrar em todas as camadas, é superamado, tem capacidade de tocar as pessoas e vai de A a Z. Tem também uma questão social, política e econômica, além da faixa etária. Com essa visão, Kastrup sacou isso. E ele, então, me disse: ‘poderíamos aproveitar que vocês dois são negros. E essa questão agora está cada vez mais premente e se discute mais, a da afrodescendência, da participação do negro e do racismo’”, ressalta.
A cantora disse que como Kastrup gosta da cultura e da música africanas e a base musical dele é percussiva (ele é baterista), ele resolveu aproximar essas três coisas: “Djavan, eu e a cultura africana. Misturou tudo e ficou lindo”.
REINO DO JAZZ Leila confessa que sempre teve prazer de trabalhar com músicos. “Adoro-os, porque me dão essa liberdade e aprendo muito. O jazz traz isso também. A música brasileira fica no meio do caminho e o Djavan é uma ótima ponte para isso. Ele tem grande penetração nos Estados Unidos, no reino do jazz, porque a música dele possibilita essa mesma variação melódica e harmônica. Então, nós nos esbaldamos e o Kastrup, com todos os contatos que tem fora, acabou entrando com os músicos africanos, alguns que moram no Brasil, com é o caso do Zola Star, que é congolês, mas mora no Rio de Janeiro.”
Ela cita ainda as participações de François Muleka, brasileiro, mas filho de congoleses, além do grupo Kuimba, com músicos congoleses que moram em São Paulo. “Então, os únicos que não são negros no disco, efetivamente, no trabalho mais direto, são a Ana Bausbaum e o próprio Guilherme Kastrup.” Leila ressalta também as participações da moçambicana Selma Uamusse, que canta “Asa”, e de Ahmed Fofana, músico do Mali, ambos residentes no exterior.
Mas a artista também não deixa de exaltar a parceria com a baiana Bethânia em “Asa”, “linda”, além da participação da pianista Maíra Freitas, filha do Martinho da Vila e irmã de Mart’nália.
MEMÓRIA AFETIVA Leila confessa que fez uma lista enorme para escolher as músicas e que não foi fácil escolher o repertório. “Além de Djavan ter esse excelente lado musical e de letrista, também faz parte da trilha sonora da vida de todo mundo. Não há quem não tenha uma música dele na memória. Ou que não tenha a ver com momentos bacanas que passou, ouvindo suas canções. Então, parti para a minha memória afetiva e o Guilherme foi podando, dentro daquilo que ele imaginava que era possível para compor o repertório. Uma coisa mais dançante, outra menos, outra mais romântica. Conseguimos temperar bem.”
A carioca ressalta que a ideia era propor um álbum de sonoridade africana que fizesse referência à diáspora negra, como forma de falar, através da música, sobre a origem e as raízes de ambos. Inicialmente, foram gravadas bases com o guitarrista, violonista, cantor e compositor congolês Zola Star e com o violonista, cantor, compositor e baixista François Muleka. Ambos têm suas próprias carreiras autorais, são instrumentistas e trouxeram o universo do zouck e da rumba congolesa para as canções de Djavan. “O maestro Ahmed Fofana trouxe com ele o músico Assaba Drame para tocar ngoni, instrumento típico do Norte da África.”
A descendência da diáspora no Brasil ficou representada por Beth Beli e Jackie Cunha nos tambores (do grupo Ilu Obá de Min), a cantora e pianista Maíra Freitas, o violoncelista Jonas Moncaio, a baixista Ana Karina e o naipe de sopros formado pelo casal Richard Fermino e Sintia Piccin.
“UBUNTU”
De Leila Maria
9 faixas
Biscoito Fino
Disponível nas plataformas digitais
REPERTÓRIO
» “SOWETO”
(Djavan)
» “AQUELE UM”
(Djavan & Aldir Blanc)
» “TANTA SAUDADE”
(Djavan & Chico Buarque)
» “MEU BEM QUERER”
(Djavan)
» “OCEANO”
(Djavan)
» “ASA”
(Djavan)
» “FLOR DE LIS”
(Djavan)
» “FALTANDO UM PEDAÇO”
(Djavan)
» “SECA”
(Djavan)