Jornal Estado de Minas

CRÍTICA

"Ozark" retirou sua força de personagens femininas fascinantes


“Ozark” é uma série sobre impasses, escolhas e consequências. Na quarta e última temporada, a produção da Netflix retira de vez o véu que separa as famílias tradicionais das que andam à margem da lei e mostra que elas não são tão diferentes assim.



Tudo é uma questão de oportunidade, até porque, como ressaltam os personagens, “todos temos decisões a tomar” e “família é a coisa mais importante”. Mesmo que, para isso, seja necessário traçar a linha que separa o tolerável do insuportável e, para sobreviver, encaminhar outras vidas ao abismo. “Já tem muita lama em você”, lembra um dos protagonistas.

Há muitos crimes na série – e não deixa de incomodar que a resolução de conflitos dramáticos nas duas últimas temporadas se dê quase sempre por meio de assassinatos. Também desperta incômodo a repetição de estereótipos de produções audiovisuais norte-americanas, como o núcleo de personagens mexicanos, alguns caricatos e todos envolvidos com o tráfico de drogas.

“Ozark” é bem mais notável quando, a exemplo de “Breaking bad” e “Família Sopranos”, se equilibra com desenvoltura entre as tramas criminais e conflitos familiares e, assim, se consolida como uma das séries dramáticas mais consistentes dos últimos anos.





Assuntos como lavagem de dinheiro e corrupção de políticos são tratados com naturalidade na mesa do jantar da família Byrde, deslocada dos arranha-céus de Chicago para a (aparente) placidez de Ozarks, região de grandes lagos no Missouri, interiorzão dos EUA.

E, na corda bamba entre o FBI e traficantes, brilham a engenhosidade de Marty Byrde (Jason Bateman) e sua capacidade prodigiosa de transformar grandes problemas em uma solução.

Ou a dramaticidade de Wendy Byrde (Laura Lynney), disposta ao sacrifício de muitos, alguns bem próximos a ela, e até da própria sanidade mental, na tentativa de preservar uma célula familiar já esgarçada (e os confrontos com o pai, interpretado por Richard Thomas, de “Os Waltons”, são um dos pontos altos da última temporada).

E, acima de todos eles, reluz Ruth Langmore (Julia Garner, Emmy de melhor atriz coadjuvante em 2020), a mais marcante personagem da série: impulsiva, desbocada, corajosa e emotiva, capaz de alternar ataques de fúria com olhares impregnados de desamparo.





Infelizmente, ainda que com sequências catárticas (como uma briga de trânsito ao som da doce “I saw the light”, de Todd Rundgren, sucesso nos anos 1970), os episódios finais da segunda parte da última temporada não estiveram à altura dos anteriores. Talvez pelo fato de a série ter renunciado cedo demais a um punhado de coadjuvantes imprevisíveis, carismáticos, magnetizantes, que roubavam as cenas toda vez que apareciam.

Mas ao menos “Ozark” manteve o alto nível de atuações e de direção (alguns episódios foram dirigidos pelos protagonistas Bateman e Linney, sendo que os dois também brilharam na reta final com ‘solos’ impressionantes de atuação) e se distanciou de vez de “Breaking bad” ao reservar às personagens femininas os grandes embates. Elas comandaram as mais impactantes ações e as mais fortes emoções. Novamente, uma questão de escolhas e consequências.

“OZARK”
Série em quatro temporadas. 
Disponível na Netflix