Jornal Estado de Minas

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Série que transformou presidente ucraniano em astro está na Netflix


A série foi lançada há sete anos e chegou há pouco ao catálogo da HBO Max e da Netflix, sem o menor alarde. Mas por razões óbvias, deverá atrair um bom quinhão de espectadores. “Servo do povo” deve ser a única série ficcional da história que saiu do ar porque sua trama se tornou real.





Lançada na Ucrânia, em 2015, a comédia acompanha um professor de história que se torna presidente depois que um raivoso vídeo dele contra a corrupção de seu governo viraliza no YouTube. O personagem-título é interpretado por Volodymyr Zelensky em seu último papel antes de se tornar o presidente de seu país.

“Servo do povo” teve três temporadas – a última delas foi lançada em março de 2019, dois meses antes de Zelensky tomar posse. No Brasil, os episódios estão disponíveis em russo, com legendas.

Vasiliy Petrovich Goloborodko (Zelensky) está longe de ser uma figura de destaque. Divorciado e com um filho, voltou a morar com os pais e tem que disputar o único banheiro da casa com a sobrinha adolescente. O pai, um taxista grosseirão, acha mesmo que ele deve ser demitido, já que o seguro-desemprego é maior do que seu salário como professor.







Vasiliy, no entanto, é dedicado aos alunos. Um dia, uma discussão com um colega em que ele discursa, com muitos palavrões (há inclusive efeito para censurar os palavrões nos diálogos), sobre a corrupção e a incompetência do governo é gravada por um aluno às escondidas. Ele posta no YouTube e, de uma hora para outra, o professor se torna uma unanimidade nacional.

CANDIDATURA

São os próprios alunos que o incentivam a se candidatar à Presidência. Para tal, criam uma campanha de financiamento coletivo, já que cada interessado em disputar o pleito tem que depositar uma grande quantia para sua própria candidatura. No vaso sanitário, Vasiliy é avisado pela família de que integrantes do alto escalão estão em sua casa – é nessa situação que ele descobre que foi eleito presidente da Ucrânia.

Sátiras políticas sobre figuras improváveis que se tornam governantes não são novidade – a comédia “Veep” (2012-2019), da HBO, é um exemplo recente. Mas não há nível de comparação com o que ocorreu com Zelensky e a Ucrânia. 





Um ator cômico com relativa popularidade, ele só alcançou um verdadeiro sucesso quando passou a interpretar Vasiliy. “Servo do povo” se tornou o programa mais assistido da Ucrânia. Pois em março de 2018, integrantes da produtora de Zelensky, a Kvartal 95, que respondia pela série, registraram um novo partido político. O nome? Servant of the People, o mesmo nome da produção televisiva.

Na época, ele negou que tivesse planos imediatos de entrar na política. Argumentou que o registro havia sido feito apenas para evitar que outros se apropriassem do nome. Em outubro daquele ano, já era o favorito da eleição presidencial marcada para o seguinte – Zelensky só anunciou oficialmente sua candidatura na virada de 2018 para 2019.  

A vida continuou imitando a arte. Na série, Vasiliy se tornou presidente com 67% dos votos; na vida real, Zelensky venceu com 73,2%. Mesmo sendo uma série cômica com alguns momentos de puro pastelão, não dá para assisti-la hoje, quase três meses após a invasão Ucrânia pela Rússia, sem pensar no que está acontecendo no mundo real – e no peso que o mundo do entretenimento tem na vida contemporânea.

SÁTIRA

E a série, vale dizer, tem seus próprios méritos. Como sátira, “Servo do povo” sabe ser inteligente, ainda que parte das situações seja previsível. No piloto, além de descobrirmos como o professor desajeitado chegou ao poder, também vemos como o poder muda as pessoas.





No dia em que se torna presidente, Vasiliy percebe rapidamente que nada será como antes. É levado por um entourage para fazer fotos – com trabalhadores, crianças. Ele deve ficar em frente a uma tela verde, fazer a pose tal e depois tudo será arrumado com interferência digital. O novo presidente também deve ter um relógio à altura. “Patek Philippe? Não, nunca li esse livro”, diz ele, sobre a marca de luxo. É informado ainda que o presidente Putin só usa a marca Hublot.

Mais do que as roupas, os carros e a nova equipe, Vasiliy vê os que o cercam mudando totalmente sua relação com ele. Antigos colegas que guardavam ressentimentos o bajulam, agora que ele está no poder. Sua família começa a ver o título ao invés do homem. Seu pai e sua mãe passam a prometer cargos de ministros a sobrinhos e primos. 

Quando percebe que pela primeira vez na vida sua voz será ouvida, o professor tornado presidente vai ter que descobrir onde está seu limite. E Zelensky sabe conduzir sua história com graça – assisti-la agora tem ainda mais relevância.





FORA DA RÚSSIA

A Netflix está exibindo “Servo do povo” em boa parte do mundo. Mas não na Rússia. Desde março, a plataforma de streaming suspendeu seus serviços naquele país. Também interrompeu produções originais russas (havia quatro em andamento) e a compra de filmes e séries do país governado por Vladimir Putin.

“SERVO DO POVO”
• As três temporadas estão disponíveis na Netflix e a primeira na HBO Max. A Netflix também disponibiliza uma versão em longa-metragem da série
 
O presidente ucraniano discursou na cerimônia de abertura do 75º Festival de Cinema de Cannes, ontem, e pediu apoio do cinema mundial ao seu país (foto: CHRISTOPHE SIMON / AFP)

Zelensky cita Chaplin 
na abertura de Cannes


O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi ovacionado nessa terça-feira (17/5) após participar da cerimônia inaugural do 75º Festival de Cinema de Cannes, por meio de uma mensagem em vídeo, na qual pediu apoio ao seu país diante da invasão russa.

"Como naquela época, hoje está sendo travada uma batalha pela liberdade", disse Zelensky a um público repleto de estrelas do cinema, em alusão ao primeiro Festival de Cannes, realizado nesta cidade do Sudeste da França em 1946, um ano apenas após o fim da Segunda Guerra Mundial.





Em um discurso com várias referências cinematográficas, o presidente ucraniano mencionou Charles Chaplin e seu filme "O grande ditador", uma sátira ao nazismo e a Adolf Hitler.

"Precisamos de um novo Chaplin para mostrar que o cinema não fica em silêncio", disse Zelensky. "O cinema vai ficar calado ou vai levantar sua voz? O cinema pode ficar de fora disso?", acrescentou. 

"O ódio acabará desaparecendo, os ditadores morrerão", continuou. Após o discurso, o público se levantou para aplaudi-lo.

A guerra na Ucrânia está muito presente em Cannes. Entre os filmes que serão apresentados no festival está “The natural history of destruction”, o mais recente documentário do cineasta ucraniano Sergei Loznitsa, que trata do conflito. 

Cannes também exibirá o último filme do cineasta lituano Mantas Kvedaravicius, um documentário ambientado na Ucrânia que o diretor estava filmando na cidade de Mariupol quando foi morto, no início de abril. Cannes entrou na situação política de outras maneiras, não escondendo sua lealdade ao banir do festival os russos ligados ao governo de Putin. (AFP)