Com 30 anos de dedicação ao cinema, o diretor mineiro radicado em São Paulo Joel Zito Araújo, de 67 anos, tem uma produção mais documental do que ficcional. Estreou em longas de ficção somente em 2004, com “Filhas do vento”, sobre o reencontro de duas irmãs, depois de décadas, em uma cidade do interior de Minas.
“É uma história de redenção feminina. Depois do filme, fiquei com vontade de fazer uma história masculina. De certa forma, a temática da redenção tem me perseguido por algum motivo. Queria trabalhar a paternidade do homem negro, a ausência dela”, afirma o diretor. Este foi o ponto de partida de “O pai da Rita”, segundo longa de ficção de Joel Zito, que estreia nesta quinta (19/5), no UNA Cine Belas Artes.
O tom foge do drama. É por meio da comédia que ele acompanha a história de Pudim (Ailton Graça) e Roque (Wilson Rabelo), dois sambistas do Bexiga, compositores da escola de samba Vai-Vai e melhores amigos desde sempre. Pudim é boêmio, brincalhão e beberrão; Roque é mais centrado. Além da música e do apartamento, eles compartilham uma paixão no passado, Rita.
Quando jovem, a passista da Vai-Vai encantou os amigos; primeiramente Pudim e depois Roque. Foi-se embora, levando os planos, os pobres enganos, os 20 anos e o coração, como diz a canção “A Rita”, lançada por Chico Buarque em seu álbum de estreia, de 1966. De forma engenhosa, Joel Zito incluiu não só a canção como o próprio Chico na história.
“Quando eu levo a ideia da música ‘A Rita’ para o argumento, também surge a ideia de incorporar o Chico como personagem”, comenta o diretor. O cantor e compositor aparece como um personagem ausente, citado pelos demais. A certo momento, ele é apontado como o provável pai da jovem Rita (Jéssica Barbosa), a filha da passista que chega ao Bexiga disposta a descobrir a verdade sobre seu passado.
AGENDA
A dinâmica entre os dois protagonistas é um dos destaques do filme. “Queria colocá-los como o Gordo e o Magro”, conta o diretor, que esperou quase um ano para filmar, até que Ailton Graça tivesse um tempo na agenda para fazer o filme. “Não via outro cara fazendo o Pudim, já que ele é um ator que transita com facilidade entre a comédia e o drama e é também um sambista.” O elenco ainda traz as atrizes Léa Garcia e Elisa Lucinda como mãe e filha.
Joel Zito conta a história com tintas documentais. O longa foi rodado no Bexiga e com franca presença de integrantes da Vai-Vai. “Ele nasce como um bairro negro. Seu DNA é o Córrego do Saracura, onde viviam os negros que trabalhavam na região da Paulista. Depois ocorrem várias ondas migratórias. Vieram os judeus, os italianos, os nordestinos e, atualmente, os coreanos”, diz.
Esta mistura de culturas está presente no filme. “Trouxe muitas coisas do real para dentro da ficção. A missa negra na (Igreja Nossa Senhora) Achiropita, por exemplo. A mistura de religiões afro acontece numa igreja de uma santa italiana. A Vai-Vai nasceu no Bexiga. Mas como é muito típico do Brasil, os rastros da origem negra vão sendo apagados. Procuro dar visibilidade a isto.”
CAPTAÇÃO
Para o cineasta, o hiato de quase duas décadas entre seus dois longas de ficção deve-se ao racismo. “Passei muito tempo até conseguir consolidar meu nome. Hoje a situação está mais confortável, mas sempre tive dificuldade de captação de recursos. O argumento deste filme está pronto desde 1988 Venho buscando dinheiro desde então. Sempre fui chamado de ‘Spike Lee brasileiro’ e isto nunca ajudou, as empresas sempre quiserem distância.”
Para ele, a situação tem mudado consideravelmente. “Isto tem muito a ver com o que a minha geração plantou. Hoje as pessoas estão atentas à questão racial, a conquista das cotas trouxe um grande número de profissionais negros com consciência e escolaridade”, aponta.
“E, principalmente, a mulheres negras ajudaram muito a mudar a compreensão do Brasil sobre si mesmo. Existem a extrema direita e os saudosistas da escravidão, mas há hoje um lado que é muito maior que este. A diversidade passou a ser um valor de verdade para a maior parte dos brasileiros.”
"O PAI DA RITA"
(Brasil, 2021, 101min., de Joel Zito Araújo, com Ailton Graça e Wilson Rabelo) – Estreia no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 20h30) e no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 1, 19h).
SÉRIE SOBRE O PCC
Joel Zito também dirige a série documental “PCC: O poder secreto”, que estreia no próximo dia 26, na HBO Max. Com quatro episódios, a produção é baseada no livro “Irmãos: Uma história do PCC”, de Gabriel Feltran, e apresenta a trajetória histórica da facção criminosa.
Originado em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) detém hegemonia criminal no maior estado do Brasil e segue em expansão em todo o país. Os episódios apresentam um panorama inédito da facção em ordem cronológica, desde sua fundação até os dias atuais.