O momento é especial para a dupla Sá & Guarabyra. Primeiro, porque em 2022 completam-se 50 anos de lançamento de seu álbum de estreia, “Passado, presente & futuro”, gravado quando ainda eram um trio, que se completava com Zé Rodrix (1947-2009).
Segundo, porque a dupla reencontra seu público presencialmente, pela primeira vez desde a chegada da pandemia, em grande estilo, dividindo o palco com a Orquestra Opus, em uma apresentação que ocorre nesta sexta-feira (20/5), no Grande Teatro do Sesc Palladium, em Belo Horizonte.
Em 2018, Sá & Guarabyra tocaram pela primeira vez com a Orquestra Opus, que, desde 2011, mantém um projeto pelo qual convida nomes da música popular brasileira para shows pontuais. Segundo o maestro Leonardo Cunha, regente da Opus, esse reencontro com a dupla era para ter ocorrido em 2020, mas acabou adiado devido à pandemia. Para Sá, a experiência em 2018 foi muito boa e a expectativa para essa nova parceria é grande.
“Show com orquestra é muito bom de fazer, a massa sonora te empurra, é uma coisa bem para fora. É gostoso você estar inserido no meio de uma gama de sensações, perceber os diferentes instrumentos e se deixar levar”, diz.
Segundo o músico, “você curte o som da orquestra e isso faz o seu som voar”. Isso em comparação com outros formatos em que costuma se apresentar – com banda, por exemplo, ou só na base das vozes e violões com seu parceiro de dupla. “Voz e violão exige uma concentração maior. Claro que não se trata de estar desconcentrado se apresentando com orquestra, mas você se deixa levar mais.”
"CAMA SUAVE"
Guarabyra também identifica especificidades em se apresentar num formato orquestral e, assim como seu parceiro musical, considera a experiência sempre muito prazerosa. “Com orquestra você tem uma cama que é muito mais suave do que quando está no palco com uma banda, e isso dá margem para demonstrar mais técnica e apuro vocal. É algo que envolve até mesmo outro sentimento. Com um naipe de violinos soando junto, você canta com mais alma, porque é um som que traz uma aura angelical”, aponta.
Ele pondera, no entanto, que é um formato que também requer maior disciplina. “Você não pode se descuidar nunca, porque, se você canta com orquestra, os arranjos estão todos escritos, então você vira um leitor da partitura junto com os outros músicos. A nossa banda nos acompanha há décadas, existe um entrosamento grande, então você tem a liberdade de fazer de improviso alguma mudança, e eles entendem e vão atrás; com orquestra não existe essa possibilidade”, observa.
MÚSICA PARA ORQUESTRA
Guarabyra diz que ter suas músicas vestidas com essa roupagem não é propriamente uma novidade. Ele recorda que, quando começou a carreira, entre o final dos anos 1960 e início da década de 1970, o mais comum era os programas de televisão e as rádios terem suas próprias orquestras para acompanhar os artistas convidados. Em função disso, os músicos já compunham pensando na formação orquestral.
Com o fim dessa era – porque era oneroso para os veículos de comunicação manter uma orquestra – é que a dupla começou a mudar o estilo de composição até desaguar na estética que se convencionou chamar rock rural, que marca, sobretudo, os primeiros álbuns que lançaram, segundo Guarabyra.
“Passamos a fazer coisas que funcionavam melhor com banda, mas com o encontro com a Opus, em 2018, a gente pôde constatar que mesmo as músicas criadas dentro desse espectro não perderam a vocação para serem orquestradas, o que foi uma grande surpresa para a gente.”
Se por um lado as músicas de Sá & Guarabyra permitem essa roupagem sem maiores desconfortos, por outro, a Orquestra Opus tem uma formação pensada para uma abordagem da música popular, segundo Leonardo Cunha. Ele diz que a estrutura instrumental do grupo – que inclui a clássica “cozinha” de bateria e contrabaixo, por exemplo – fornece um bom alicerce para artistas da seara popular que estão habituados a se apresentar acompanhados por banda.
“A gente faz esse trabalho de ir ao encontro da música popular desde 2011, então temos experiência. Um receio recorrente de alguns artistas que se apresentam com a gente é que a sonoridade fique suave demais, mas a gente consegue dar uma vestimenta para as melodias e harmonias que eles criam com a mesma tonalidade, as mesmas estruturas, só que com uma sonoridade diferente”, comenta.
Ele é quem assina os arranjos, criados especialmente para essa apresentação. “Primeiro a gente escolheu junto as canções que iríamos trabalhar, depois fui buscar as gravações originais para entender o estilo, saber por qual caminho a gente poderia seguir melhor com os arranjos. Depois de escritos, eu apresentava as propostas para eles. Todas foram muito bem recebidas pela dupla”, afirma.
O roteiro do show inclui grandes sucessos da carreira de Sá & Guarabyra, como “Sobradinho”, “Roque Santeiro”, “Dona”, “Tabuleiro”, “Espanhola” e “Caçador de mim”, mas o repertório também contempla temas menos conhecidos, como “Harmonia”, “Ziriguidum Tchan”, “Canção dos piratas”, “Barulhos” e “Cinamomo”.
“A gente tentou buscar as canções mais famosas da carreira deles, mais emblemáticas, que não podiam ficar de fora, e eles também deram sugestões de músicas que poderiam ficar mais interessantes com orquestra”, diz o maestro.
“Tem sempre essa coisa engraçada, que é meio uma disputa entre o que o artista quer fazer e o que o público quer escutar. A gente que é músico, que segue compondo, quer apresentar as coisas novas, que não são ainda tão conhecidas, e o público quer os sucessos consagrados, a repetição daquilo que ele já aprendeu a gostar. Pensando nisso, fizemos um apanhado geral de carreira e também incluímos coisas que gostaríamos que nosso público conhecesse melhor”, aponta Guarabyra.
RETORNO AOS PALCOS
Ele se diz muito empolgado com o retorno aos palcos, especialmente com o “acompanhamento luxuoso” da Orquestra Opus. Guarabyra reforça que, afinal, estava desde 14 de abril de 2020 – quando a dupla fez seu último show antes de se recolher no isolamento – sem o contato direto com o público.
“Tenho a impressão de que a gente vai ter até que reaprender alguma coisa, porque foram férias muito longas”, graceja. “É como ficar dois anos sem andar; você sabe que é capaz de andar, mas quando recomeça, sente que tem que reaprender alguma coisa”, completa.
Sá faz coro com o parceiro Guarabyra: “Eu estava louco para reencontrar o público. E estrear assim, com orquestra, é muito legal. Desde o nosso primeiro encontro, a gente estabeleceu uma relação muito boa com o Leo Cunha, com a orquestra toda, então tem aí também quase que um clima de confraternização”.
Durante a pandemia, mais precisamente no final de 2020, Sá se mudou com a família para Portugal, depois de uma temporada morando em Belo Horizonte. Ele não acredita que isso vá ser propriamente um empecilho para a manutenção das atividades com o parceiro.
“Por aqui estava tudo parado por causa da pandemia, minha mulher queria fazer um mestrado lá em Portugal, então aproveitamos e levamos a família inteira embora. Agora devo ficar na ponte aérea, mas tudo bem, são 9 horas de voo o trecho de Porto a Belo Horizonte. Não estou tão longe assim, é como se estivesse indo de ônibus de BH para São Paulo”, diz.
Confira Sá e Guarabyra cantando 'Roque Santeiro' no programa 'Viola, minha viola', da TV Cultura:
TRABALHOS INDIVIDUAIS
Ainda que o plano seja manter a dupla com Guarabyra ativa – sobretudo neste momento de celebração pelo cinquentenário do álbum de estreia –, Sá aponta que está com projetos próprios, que vinha esboçando desde antes da chegada da pandemia. Sá está com um disco solo pronto, com nove músicas inéditas e duas regravações, apenas aguardando o momento oportuno para o lançamento.
Para o próximo ano, ele diz que pretende lançar um álbum em parceria com Gabriel Sater, com quem tem trocado algumas figurinhas musicais. Guarabyra, por sua vez, também está trabalhando num álbum solo.
Ele conta que, durante a pandemia, investiu mais na literatura, divulgando um livro de crônicas que tinha acabado de lançar e começando a escrever um romance, mas também andou compondo com Flávio Venturini e Renato Corrêa, dos Golden Boys, um antigo parceiro, com quem fez o sucesso “Casaco marrom”.
Sobre o disco comemorativo pelos 50 anos do debute fonográfico, Sá diz que já tem três músicas prontas feitas a quatro mãos com Guarabyra e que, mesmo com a distância, a ideia é que continuem criando novos temas até ter o suficiente para um álbum.
“Vamos celebrar muito esse marco. ‘Passado, presente & futuro’ foi lançado em 1972, eu ouço hoje e acho bastante atual, mesmo com as deficiências técnicas da época em que foi gravado. Sem falsa modéstia, acho um trabalho primoroso. Embora com a falta do nosso querido Zé Rodrix, vamos comemorar. Eu e Guarabyra não lançamos inéditas há muito tempo, então acho que vai ser um belo presente para nossos fãs.”
Já a Orquestra Opus, que durante a pandemia se dedicou a fazer uma série de lives patrocinadas, tem no horizonte outros shows ao lado de artistas de renome da MPB. No dia 10 de junho o convidado é Flávio Venturini; em 18 de junho a orquestra recebe Vanessa da Mata no Palácio das Artes; em 8 de julho sobe ao palco do Cine Theatro Brasil Vallourec com Wilson Sideral; toca com Maria Gadú em duas ocasiões, em Itabira e em Belo Horizonte; encontra Sandra de Sá no dia 16 de julho em São Gonçalo do Rio Abaixo; e fecha o que tem de agenda até o momento com Arnaldo Antunes, no dia 11 de agosto, no Palácio das Artes.
ORQUESTRA OPUS CONVIDA SÁ & GUARABYRA
Nesta sexta-feira (20/5), no Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, 31.3270-8100). Ingressos para a plateia 1 esgotados; para as plateias 2 e 3 a R$ 90 (inteira) e R$ 45 (meia), pelo site Sympla