Jornal Estado de Minas

CIDADE HISTÓRICA

Tiradentes sedia festival de artes cênicas a partir de amanhã


Entre as dificuldades de se retomar o formato presencial num cenário de crise na esfera cultural e o entusiasmo pela possibilidade do reencontro, a Mostra de Artes Cênicas Tiradentes em Cena celebra, a partir desta quarta-feira (25/5), seus 10 anos de história. Com uma vasta programação, que se estende até o próximo sábado (28/5), esta edição homenageia o grupo Armatrux, que completou 30 anos de fundação em 2021.





Diversas companhias da região do Campo das Vertentes, selecionadas por meio de edital, compõem, ao lado de grupos convidados, sobretudo de Belo Horizonte e Juiz de Fora, a programação que, como de costume, ocupa toda a cidade, com espetáculos apresentados em espaços públicos, além de shows, debates, lançamentos de livros, exposição, oficinas e outras atividades.

O Armatrux vai apresentar dois espetáculos, “Thácht” e “Armatrux, a banda”, participar de uma roda de conversa com o público, ministrar a oficina “O ator, o objeto e a cena” e ainda será foco de uma exposição no Centro Cultural Yves Alves. Idealizadora e diretora-geral da Tiradentes em Cena, Aline Garcia diz que a homenagem que a mostra presta ao grupo se deve à longa trajetória e à importância do Armatrux no panorama das artes cênicas no país.


ESTRADA

“É uma companhia de grande destaque no cenário teatral não só de Minas, mas do Brasil, pelo percurso que fez até hoje, com o trabalho em formato coletivo, a circulação, os espetáculos. A gente se esmerou para reverenciar o grupo, que tem uma estrada tão longa e que tem esse valor de sobreviver enquanto coletivo, com um trabalho muito rico e variado”, afirma.




Ela destaca que o primeiro passo para a retomada presencial das atividades da Mostra foi o lançamento de um edital voltado para artistas do Campo das Vertentes – região em que Tiradentes se situa. Dessa forma, marcam presença na programação grupos como o Teatro da Pedra e a Cia. Mineira de Teatro, de São João del-Rei, e o ator Fabrício Trindade, da própria cidade que sedia o festival. Num momento seguinte, uma equipe curatorial completou a programação, convidando grupos de renome.

“Fomos norteando essa grade de espetáculos tendo em mente a melhor maneira de estar dentro da cidade, ocupar os espaços, que é uma coisa que a gente sempre buscou, desde a primeira edição, então tem peça acontecendo na praça e tem peça encenada em um beco”, diz Aline. 

Ela aponta como um dos destaques da 10ª Tiradentes em Cena, além do Armatrux, o espetáculo “Cordel do amor sem fim – ou a flor do Chico”, da Cia. Os Geraldos, de Campinas (SP), que tem direção, cenário e figurinos assinados por Gabriel Villela e texto de Cláudia Barral.





“É um espetáculo grandioso, que chega a Tiradentes adaptado para ser apresentado, pela primeira vez, em praça pública, já que foi concebido para teatro. Eles fizeram um grande sucesso na edição deste ano do Festival de Teatro de Curitiba e agora vão estar aqui encarando esse desafio da adaptação para uma apresentação ao ar livre”, diz.

A diretora-geral do evento chama a atenção também para a pré-estreia da peça “Espaçonave”, do grupo Corpo Coletivo, de Juiz de Fora (MG), que contou com orientação de Amir Haddad e Dorothy Lenner. “A curadoria se norteou muito por esse propósito de como compor a programação dentro dessa cidade, que não tem um grande teatro, o que sempre foi o nosso maior dilema e, ao mesmo tempo, nossa baliza. Também tivemos um foco grande nos coletivos”, ressalta.


PARCERIA

Por meio de uma parceria, a 10ª Tiradentes em Cena vai receber também a Companhia de Dança do Palácio das Artes, que apresenta, no sábado, o espetáculo “(In)tensões” pelas ruas da cidade e exibe, no mesmo dia, o filme “Plurais – as coisas e o tempo das coisas”, terceira e última obra do projeto on-line inspirado em “PrimeiraPessoaDoPlural”, uma das coreografias mais marcantes de seu repertório.




Aline observa, a propósito, que a diversidade de gêneros e linguagens artísticas sempre foi uma marca registrada do Tiradentes em Cena. “A gente tem desde o teatro clássico ao experimental, além de intervenções performáticas, ocupações cênicas de espaços públicos, dança, palhaços e outras expressões desse universo, além de lançamentos de livros, narração de histórias e shows.”

Ela diz que voltar ao formato presencial foi desafiador. “Tivemos que entender como fazer essa volta, o que as pessoas estavam produzindo, o que estava em cartaz e tinha condições de estar aqui em Tiradentes com a gente. Obter patrocínio também foi muito difícil, porque festivais em cidades do interior ainda não são vistos como força de captação”, diz.

Os custos de produção e as demandas colocadas por um evento desse porte também foram obstáculos a serem contornados, segundo a diretora. “Está tudo muito caro. Fretar uma van hoje custa quatro vezes mais do que há três anos, por causa do aumento absurdo do preço dos combustíveis. Mas, tirando todos esses problemas, a gente acredita que é uma edição para celebrar o reencontro. Acho que as pessoas estão ávidas para vivenciar essa experiência que a gente oferece aqui”, aponta.





O grupo Armatrux, que completou 30 anos de atividades em 2021, é o homenageado desta edição (foto: Guto Muniz/Divulgação)

RESISTÊNCIA

Uma das integrantes do Armatrux, a atriz, professora e produtora Tina Dias ecoa as palavras de Aline sobre as dificuldades que o universo da cultura atravessa no atual momento, mas também considera que é por meio de iniciativas como o Tiradentes em Cena que será possível contornar essa situação.

“O formato dos festivais tem mudado muito com essa precarização da cultura. Então, os que ainda acontecem com uma proposta de programação variada, que se cruza, concentrada num determinado espaço, acabam se constituindo num grande encontro de resistência. São espaços de troca; então, mais do que simplesmente chegar e fazer uma apresentação, trata-se de conviver, e isso faz muita diferença. Os festivais e mostras cumprem esse papel”, diz.

Ela considera que a Mostra de Artes Cênicas Tiradentes em Cena se firmou, ao longo destes 10 anos, como um dos grandes festivais de teatro do estado e que, por isso, é uma honra estar com seu grupo na condição de homenageado. Tina diz entender isso como um estímulo para reativar as ações que andaram paralisadas e começar a trazer de volta à tona o repertório da companhia.





“Somos um grupo de atores formados nesse ambiente dos festivais de inverno da UFMG, em Ouro Preto e em Diamantina, por exemplo. Esse tipo de evento faz parte da nossa construção como grupo. Não é fácil trabalhar em grupo, sobretudo neste momento tão delicado do cenário cultural brasileiro. Então, receber o convite para essa homenagem nos possibilita voltar a ter essas agendas de repertório”, afirma.

Ela conta que, ao mesmo tempo em que revê sua produção pregressa, com os dois espetáculos que leva para a 10ª Tiradentes em Cena, o Armatrux se prepara para apresentar uma nova montagem, possivelmente no final do mês de agosto. Trata-se de um show do grupo em sua formação musical.

“Vamos apresentar o ‘Armatrux, a banda’ na sexta-feira, em Tiradentes, e acredito que essa vá ser das últimas vezes que o público terá a oportunidade de conferir, porque esse show novo já está a caminho. É um novo espetáculo musical da nossa banda de bonecos, com músicas que John Ulhôa e Richard Neves gravaram durante a pandemia. A trilha está linda, com inéditas e releituras. Também estamos trazendo bonecos novos, em parceria com Conrado Almada e outros convidados”, adianta.




OFICINA

Além das ações com o Armatrux, Tina diz que também colaborou na intermediação para que a edição deste ano do Tiradentes em Cena pudesse contar com a presença do ator, diretor e músico colombiano Gabriel Hernández, que está à frente da companhia Teatro de Los Sentidos, atualmente sediada na Espanha, e que vai ministrar a oficina Poética dos sentidos.

Ele também estará na programação do 3º Encontro Latino-Americano de Teatro, que ocorre a partir do próximo sábado (28/5), em Belo Horizonte e Nova Lima. “Estabelecemos essa parceria do Encontro Latino-Americano, do qual sou coprodutora, com a Mostra Tiradentes em Cena. Entendo isso como a revolução do encontro, que, afinal, é a essência do teatro”, sublinha.

Para Aline Garcia, essa 10ª edição do evento em Tiradentes representa um marco, pelo que a Mostra já estabeleceu no calendário cultural do estado e pelo que ainda pode vir a trilhar. Ela recorda que, nestes 10 anos, Bibi Ferreira (1922-2019), Matheus Nachtergaele, Nathalia Timberg, Teuda Bara, Amir Haddad e Zezé Mota, entre muitos outros, já estiveram presentes na programação da Tiradentes em Cena.





“Quando veio a pandemia, a gente se reinventou, migrando para o on-line, com espetáculos acontecendo ao vivo pelo Instagram e por todos os mei- os virtuais que a gente conseguiu estabelecer. Fizemos um seminário que chegou a pessoas de todo o Brasil e tivemos espetáculos de longe, do Rio Grande do Norte, por exemplo, que talvez não tivéssemos como trazer”, diz.

Ela aponta que “o modelo remoto também nos trouxe um ganho; isso está mantido e acho que ainda vamos fazer um bom uso dessa experiência. É mais um território de ocupação dentro das artes cênicas”.

10ª MOSTRA DE ARTES CÊNICAS TIRADENTES EM CENA

A partir desta quarta-feira (25/5) até o próximo sábado (28/5), em diversos espaços da cidade histórica. Os ingressos para as atrações em locais fechados custam R$ 20 e podem ser adquiridos no dia de cada apresentação, a partir das 15h, no Centro Cultural Yves Alves, no Centro Histórico de Tiradentes. A programação completa pode ser conferida no site da mostra.