Jornal Estado de Minas

ARTES VISUAIS

Coleção de Priscila e Alberto Freire fica disponível ao público em mostra


Ao longo de toda uma vida, Priscila Freire – que tem longa trajetória como gestora na área museológica – e seu marido, Alberto Freire de Carvalho, colecionaram obras de artistas brasileiros das mais distintas expressões. 





Esse acervo permanece guardado em uma chácara da família que, ela espera, venha a se tornar um museu. Não há previsão de quando isso possa acontecer, mas quem quiser conhecer um pouco desse precioso conjunto artístico tem a oportunidade a partir desta quarta-feira (25/5), quando será aberta no CCBB-BH a exposição “Coleção brasileira de Alberto e Priscila Freire”.

São 108 peças – entre pinturas, desenhos, aquarelas, esculturas e objetos – que, pela primeira vez, vão ao encontro do público com uma proposta expositiva. A mostra é dividida em três núcleos: arte brasileira, arte mineira e arte popular. 

Responsável pela curadoria, Priscila observa que esses núcleos, compostos em três salas do andar térreo do centro cultural, são interseccionais: ocupando um lugar central na exposição, as obras de Guignard, por exemplo, de quem a colecionadora foi aluna e amiga, se inserem no núcleo de arte brasileira.





Somam-se, no panorama nacional, nomes como Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Genesco Murta e José Pancetti, entre outros. No ambiente da arte mineira, figuram quadros de Yara Tupinambá, Mario Zavagli, Lorenzato e Irma Renault; esculturas de Farnese de Andrade e Solange Pessoa; e composições da própria Priscila Freire. 
 

Retrato de Priscila Freire pintado por Guignard marca o início da coleção do casal (foto: Lucas Galeno/ divulgação)
VALE DO JEQUI

Na sala dedicada à arte popular, peças de Maurino de Araújo, G.T.O., Nino e Maria Lira, além de obras do Vale do Jequitinhonha assinadas por figuras de destaque da região, como Ulisses Pereira Chaves, Noemisa Batista Santos e Isabel Mendes.

Priscila conta que há muito nutre o desejo de tornar seu acervo público, o que motivou a doação de todo o conjunto de obras para a Universidade do Estado de Minas Gerais, por meio do Instituto Chácara Santa Eulália, que ela criou no ano passado, com vistas à estruturação do museu. 





Ela destaca que, apesar de naturalmente conviver com as obas que colecionou ao longo da vida, ainda não havia tido a oportunidade de organizar e contemplar um recorte desse conjunto, como agora se pode conferir no CCBB-BH.

“A gente procurou fazer uma amostra daquilo que eu tenho e que, pela primeira vez, sai da chácara onde o acervo fica guardado. Eu mesma nunca tinha visto essas obras sob um conceito expositivo. Fora amigos e parentes, as pessoas não vão à minha casa com a ideia de apreciar essas obras”, diz.

Para a colecionadora, o CCBB-BH pareceu o espaço ideal para receber essa mostra por sua localização e pela identificação que já criou com o público interessado em arte e cultura na cidade.





A exposição, que segue em cartaz até 29 de agosto – data em que Priscila completará 89 anos –, representou uma oportunidade para que a colecionadora pudesse rever e organizar esse acervo. Ela diz que essa ação já representa, por si só, um passo no processo de transformação da chácara que abriga as obras em museu.

Noemisa é uma das artistas do Vale do Jequitinhonha que integram o acervo em exposição (foto: Lucas Galeno/ divulgação)

RESTAURO

“As peças foram todas limpas e algumas delas restauradas antes de virem para cá, o que, para mim, já foi de grande valia. Esses quadros, objetos e esculturas tiveram que passar por um cuidado especial, o que foi muito bom, porque assim voltam para a chácara, a partir do fim de agosto, numa condição ideal para exposição”, aponta. Ela diz que espera poder abrir as portas de sua casa para o público o quanto antes.

“Com a idade que tenho, gostaria que esse museu estivesse funcionando o mais rapidamente possível, mas a gente tem uma série de problemas para poder viabilizar isso, questões financeiras e de apoio do poder público, por exemplo, ou seja, temos ainda que passar por uma série de etapas”, observa.





Sobre o que o público poderá apreciar a partir de hoje no CCBB-BH, ela diz tratar-se de um percurso artístico que revela muito de sua própria vida, de suas relações e de seu trânsito pelo mundo das artes. “Essa exposição é uma síntese do que sou, de como penso e por onde andei na escolha do que me emocionou. Ícones de que me cerco para lembrar minha história e o que ela me conta exposta aos olhos dos outros”, aponta.

''Cachorro da madrugada'', do mineiro Nello Nuno, apontado por Priscila Freire como um dos maiores artistas brasileiros (foto: Lucas Galeno / divulgação)
RETRATO

“Fui aluna de Guignard na escolinha que ele mantinha no Parque Municipal e sempre tive uma grande admiração por ele; queria um quadro, mas não tinha dinheiro para comprar e também não queria pedir um de graça. Quando me casei, falei para meu marido que eu queria um quadro de Guignard, um retrato”, diz Priscila, aludindo àquela que talvez seja a obra mais emblemática da exposição.

Guignard, com efeito, pintou um quadro dela e, posteriormente, também um de seu marido. Essas duas obras, presentes na mostra no CCBB, marcaram o início da coleção que o casal empreendeu a partir daquele momento. Curiosamente, Priscila diz que, atualmente, sua escolha, dentro do que o artista produziu, teria sido outra.





“Hoje, eu gostaria, talvez, em vez do retrato, de ter uma paisagem do Parque Municipal, que eu não tenho, e ele fez lindas paisagens de lá. Naquela época, cismei que queria o retrato, e eu não acho o retrato parecido comigo, porque eu me achava muito bonita naquela época”, comenta. 

“Além do mais, quando cheguei com o quadro em casa, meu pai disse: ‘Mas isso é um autorretrato do Guignard’. Hoje, acho que realmente tem sutilezas do rosto dele. De qualquer forma, é um bom quadro, tem um fundo ‘leonardesco’, como ele costumava falar, por causa da inspiração nos fundos de Leonardo Da Vinci.”

Depois dos retratos, o casal foi em busca, por diversos canais, de outras obras do artista. Priscila conta que Alberto Freire de Carvalho comprou a obra “Cristo no Jardim das Oliveiras”, cuja moldura também foi adquirida e pintada por Guignard. 





“Depois, ele pintou e me deu de presente um quadro de uma cabecinha de Cristo pequenininha, no Natal. A partir daí começamos a comprar coisas dele em galerias e leilões de arte. Se eu tivesse muito dinheiro, certamente teria muito mais coisas de Guignard, que para mim é uma referência”, diz, destacando que a mostra reúne, ao todo, 20 obras do artista, entre desenhos e pinturas.

Falar do mestre evoca em Priscila lembranças da época em que estudou com ele. Ela se recorda de que a escola em que o artista ministrava as aulas no Parque Municipal era muito rudimentar, conjugada a uma primeira estrutura do Palácio das Artes, “com acesso por uma escadinha de madeira e as paredes cobertas de limo”. “Não tinha sequer onde guardar as coisas, mas tinha ele, Guignard, e era lindo”, pontua.

“Ele ensinava na prática, com os alunos criando as obras. Pegava uma tábua, prendia um papel, te dava um lápis, geralmente com a ponta muito seca, e a gente saía por aí desenhando. Depois ele vinha, olhava cada um dos desenhos e fazia uma análise, dizendo o que achava, normalmente elogiando”, conta.





Ela ressalta que desse ambiente saíram grandes artistas, como Iberê Camargo e Amílcar de Castro, que ela considera o melhor dessa geração, a despeito de ter trilhado um caminho totalmente diferente do que o mestre propunha.

Além de Guignard e Amílcar, Priscila aponta o que considera outros destaques da exposição, mas o faz ressalvando que isso passa, sobretudo, por seu gosto pessoal e que cada visitante pode fruir a mostra de maneira diferente. “Admiro imensamente as obras de um artista mineiro que, infelizmente, morreu muito cedo, que é o Nello Nuno. Essa exposição traz duas obras dele, que acho realmente um dos maiores.”

Ela diz ter especial apreço também pelas peças que compõem o núcleo de arte popular. Ulisses Pereira Chaves, que se notabilizou por criar formas híbridas de seres humanos com animais, algumas evocando figuras mitológicas, como centauros ou a esfinge (e não se tem notícia de que ele tivesse qualquer referência acerca de mitos gregos ou egípcios), é um dos nomes apontados por Priscila.





A colecionadora cita vários outros artistas que entram no seu rol de predileções e por isso estão presentes na mostra. De diversos deles tem histórias de convivência para recordar. “Gosto muito do Lorenzato. Eu o descobri morando no Bairro Gameleira, dependurando as obras que criava nos galhos de laranjeiras que ficavam em frente à casa em que morava. Quem passava na rua podia comprar aquelas obras por, sei lá, R$ 15 ou R$ 30. Dele temos três obras na exposição”, aponta.

“COLEÇÃO BRASILEIRA DE ALBERTO E PRISCILA FREIRE”

Exposição em cartaz a partir desta quarta-feira (25/5), no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Visitação até 29 de agosto, de quarta a segunda-feira, das 10h às 22h. Entrada gratuita, sem necessidade de retirada de ingresso