Ao longo de toda uma vida, Priscila Freire – que tem longa trajetória como gestora na área museológica – e seu marido, Alberto Freire de Carvalho, colecionaram obras de artistas brasileiros das mais distintas expressões.
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Responsável pela curadoria, Priscila observa que esses núcleos, compostos em três salas do andar térreo do centro cultural, são interseccionais: ocupando um lugar central na exposição, as obras de Guignard, por exemplo, de quem a colecionadora foi aluna e amiga, se inserem no núcleo de arte brasileira.
Somam-se, no panorama nacional, nomes como Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Genesco Murta e José Pancetti, entre outros. No ambiente da arte mineira, figuram quadros de Yara Tupinambá, Mario Zavagli, Lorenzato e Irma Renault; esculturas de Farnese de Andrade e Solange Pessoa; e composições da própria Priscila Freire.
VALE DO JEQUI
Na sala dedicada à arte popular, peças de Maurino de Araújo, G.T.O., Nino e Maria Lira, além de obras do Vale do Jequitinhonha assinadas por figuras de destaque da região, como Ulisses Pereira Chaves, Noemisa Batista Santos e Isabel Mendes.
Priscila conta que há muito nutre o desejo de tornar seu acervo público, o que motivou a doação de todo o conjunto de obras para a Universidade do Estado de Minas Gerais, por meio do Instituto Chácara Santa Eulália, que ela criou no ano passado, com vistas à estruturação do museu.
Ela destaca que, apesar de naturalmente conviver com as obas que colecionou ao longo da vida, ainda não havia tido a oportunidade de organizar e contemplar um recorte desse conjunto, como agora se pode conferir no CCBB-BH.
“A gente procurou fazer uma amostra daquilo que eu tenho e que, pela primeira vez, sai da chácara onde o acervo fica guardado. Eu mesma nunca tinha visto essas obras sob um conceito expositivo. Fora amigos e parentes, as pessoas não vão à minha casa com a ideia de apreciar essas obras”, diz.
Para a colecionadora, o CCBB-BH pareceu o espaço ideal para receber essa mostra por sua localização e pela identificação que já criou com o público interessado em arte e cultura na cidade.
A exposição, que segue em cartaz até 29 de agosto – data em que Priscila completará 89 anos –, representou uma oportunidade para que a colecionadora pudesse rever e organizar esse acervo. Ela diz que essa ação já representa, por si só, um passo no processo de transformação da chácara que abriga as obras em museu.
RESTAURO
“Com a idade que tenho, gostaria que esse museu estivesse funcionando o mais rapidamente possível, mas a gente tem uma série de problemas para poder viabilizar isso, questões financeiras e de apoio do poder público, por exemplo, ou seja, temos ainda que passar por uma série de etapas”, observa.
Sobre o que o público poderá apreciar a partir de hoje no CCBB-BH, ela diz tratar-se de um percurso artístico que revela muito de sua própria vida, de suas relações e de seu trânsito pelo mundo das artes. “Essa exposição é uma síntese do que sou, de como penso e por onde andei na escolha do que me emocionou. Ícones de que me cerco para lembrar minha história e o que ela me conta exposta aos olhos dos outros”, aponta.
RETRATO
“Fui aluna de Guignard na escolinha que ele mantinha no Parque Municipal e sempre tive uma grande admiração por ele; queria um quadro, mas não tinha dinheiro para comprar e também não queria pedir um de graça. Quando me casei, falei para meu marido que eu queria um quadro de Guignard, um retrato”, diz Priscila, aludindo àquela que talvez seja a obra mais emblemática da exposição.Guignard, com efeito, pintou um quadro dela e, posteriormente, também um de seu marido. Essas duas obras, presentes na mostra no CCBB, marcaram o início da coleção que o casal empreendeu a partir daquele momento. Curiosamente, Priscila diz que, atualmente, sua escolha, dentro do que o artista produziu, teria sido outra.
“Hoje, eu gostaria, talvez, em vez do retrato, de ter uma paisagem do Parque Municipal, que eu não tenho, e ele fez lindas paisagens de lá. Naquela época, cismei que queria o retrato, e eu não acho o retrato parecido comigo, porque eu me achava muito bonita naquela época”, comenta.
“Além do mais, quando cheguei com o quadro em casa, meu pai disse: ‘Mas isso é um autorretrato do Guignard’. Hoje, acho que realmente tem sutilezas do rosto dele. De qualquer forma, é um bom quadro, tem um fundo ‘leonardesco’, como ele costumava falar, por causa da inspiração nos fundos de Leonardo Da Vinci.”
Depois dos retratos, o casal foi em busca, por diversos canais, de outras obras do artista. Priscila conta que Alberto Freire de Carvalho comprou a obra “Cristo no Jardim das Oliveiras”, cuja moldura também foi adquirida e pintada por Guignard.
“Depois, ele pintou e me deu de presente um quadro de uma cabecinha de Cristo pequenininha, no Natal. A partir daí começamos a comprar coisas dele em galerias e leilões de arte. Se eu tivesse muito dinheiro, certamente teria muito mais coisas de Guignard, que para mim é uma referência”, diz, destacando que a mostra reúne, ao todo, 20 obras do artista, entre desenhos e pinturas.
Falar do mestre evoca em Priscila lembranças da época em que estudou com ele. Ela se recorda de que a escola em que o artista ministrava as aulas no Parque Municipal era muito rudimentar, conjugada a uma primeira estrutura do Palácio das Artes, “com acesso por uma escadinha de madeira e as paredes cobertas de limo”. “Não tinha sequer onde guardar as coisas, mas tinha ele, Guignard, e era lindo”, pontua.
“Ele ensinava na prática, com os alunos criando as obras. Pegava uma tábua, prendia um papel, te dava um lápis, geralmente com a ponta muito seca, e a gente saía por aí desenhando. Depois ele vinha, olhava cada um dos desenhos e fazia uma análise, dizendo o que achava, normalmente elogiando”, conta.
Ela ressalta que desse ambiente saíram grandes artistas, como Iberê Camargo e Amílcar de Castro, que ela considera o melhor dessa geração, a despeito de ter trilhado um caminho totalmente diferente do que o mestre propunha.
Além de Guignard e Amílcar, Priscila aponta o que considera outros destaques da exposição, mas o faz ressalvando que isso passa, sobretudo, por seu gosto pessoal e que cada visitante pode fruir a mostra de maneira diferente. “Admiro imensamente as obras de um artista mineiro que, infelizmente, morreu muito cedo, que é o Nello Nuno. Essa exposição traz duas obras dele, que acho realmente um dos maiores.”
Ela diz ter especial apreço também pelas peças que compõem o núcleo de arte popular. Ulisses Pereira Chaves, que se notabilizou por criar formas híbridas de seres humanos com animais, algumas evocando figuras mitológicas, como centauros ou a esfinge (e não se tem notícia de que ele tivesse qualquer referência acerca de mitos gregos ou egípcios), é um dos nomes apontados por Priscila.
A colecionadora cita vários outros artistas que entram no seu rol de predileções e por isso estão presentes na mostra. De diversos deles tem histórias de convivência para recordar. “Gosto muito do Lorenzato. Eu o descobri morando no Bairro Gameleira, dependurando as obras que criava nos galhos de laranjeiras que ficavam em frente à casa em que morava. Quem passava na rua podia comprar aquelas obras por, sei lá, R$ 15 ou R$ 30. Dele temos três obras na exposição”, aponta.
“COLEÇÃO BRASILEIRA DE ALBERTO E PRISCILA FREIRE”
Exposição em cartaz a partir desta quarta-feira (25/5), no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Visitação até 29 de agosto, de quarta a segunda-feira, das 10h às 22h. Entrada gratuita, sem necessidade de retirada de ingresso