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Estado de Minas ARTES VISUAIS

Coleção de Priscila e Alberto Freire fica disponível ao público em mostra

CCBB-BH abriga a partir desta quarta-feira (25/5) 108 peças de artistas brasileiros que o casal colecionou ao longo da vida


25/05/2022 04:00 - atualizado 24/05/2022 21:02

Tela de José Pancetti mostra extensa faixa de areia e o mar, com dois homens pescando
''Marinha'', de José Pancetti, é uma das obras presentes na exposição, organizada em três eixos temáticos (foto: Lucas Galeno/ divulgação)

Ao longo de toda uma vida, Priscila Freire – que tem longa trajetória como gestora na área museológica – e seu marido, Alberto Freire de Carvalho, colecionaram obras de artistas brasileiros das mais distintas expressões. 

Esse acervo permanece guardado em uma chácara da família que, ela espera, venha a se tornar um museu. Não há previsão de quando isso possa acontecer, mas quem quiser conhecer um pouco desse precioso conjunto artístico tem a oportunidade a partir desta quarta-feira (25/5), quando será aberta no CCBB-BH a exposição “Coleção brasileira de Alberto e Priscila Freire”.

São 108 peças – entre pinturas, desenhos, aquarelas, esculturas e objetos – que, pela primeira vez, vão ao encontro do público com uma proposta expositiva. A mostra é dividida em três núcleos: arte brasileira, arte mineira e arte popular. 

Responsável pela curadoria, Priscila observa que esses núcleos, compostos em três salas do andar térreo do centro cultural, são interseccionais: ocupando um lugar central na exposição, as obras de Guignard, por exemplo, de quem a colecionadora foi aluna e amiga, se inserem no núcleo de arte brasileira.

Somam-se, no panorama nacional, nomes como Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Genesco Murta e José Pancetti, entre outros. No ambiente da arte mineira, figuram quadros de Yara Tupinambá, Mario Zavagli, Lorenzato e Irma Renault; esculturas de Farnese de Andrade e Solange Pessoa; e composições da própria Priscila Freire. 
 

Retrato de Priscila Freire pintado por Guignard mostra a colecionadora de camisa verde com paisagem de natureza atrás
Retrato de Priscila Freire pintado por Guignard marca o início da coleção do casal (foto: Lucas Galeno/ divulgação)
VALE DO JEQUI

Na sala dedicada à arte popular, peças de Maurino de Araújo, G.T.O., Nino e Maria Lira, além de obras do Vale do Jequitinhonha assinadas por figuras de destaque da região, como Ulisses Pereira Chaves, Noemisa Batista Santos e Isabel Mendes.

Priscila conta que há muito nutre o desejo de tornar seu acervo público, o que motivou a doação de todo o conjunto de obras para a Universidade do Estado de Minas Gerais, por meio do Instituto Chácara Santa Eulália, que ela criou no ano passado, com vistas à estruturação do museu. 

Ela destaca que, apesar de naturalmente conviver com as obas que colecionou ao longo da vida, ainda não havia tido a oportunidade de organizar e contemplar um recorte desse conjunto, como agora se pode conferir no CCBB-BH.

“A gente procurou fazer uma amostra daquilo que eu tenho e que, pela primeira vez, sai da chácara onde o acervo fica guardado. Eu mesma nunca tinha visto essas obras sob um conceito expositivo. Fora amigos e parentes, as pessoas não vão à minha casa com a ideia de apreciar essas obras”, diz.

"Esta exposição é uma síntese do que sou, de como penso e por onde andei na escolha do que me emocionou. Ícones de que me cerco para lembrar minha história e o que ela me conta exposta aos olhos dos outros"

Priscila Freire, colecionadora


Para a colecionadora, o CCBB-BH pareceu o espaço ideal para receber essa mostra por sua localização e pela identificação que já criou com o público interessado em arte e cultura na cidade.

A exposição, que segue em cartaz até 29 de agosto – data em que Priscila completará 89 anos –, representou uma oportunidade para que a colecionadora pudesse rever e organizar esse acervo. Ela diz que essa ação já representa, por si só, um passo no processo de transformação da chácara que abriga as obras em museu.

Objeto em cerâmica mostra quatro figuras humanas, sendo um casal de noivos e duas crianças à mesa
Noemisa é uma das artistas do Vale do Jequitinhonha que integram o acervo em exposição (foto: Lucas Galeno/ divulgação)

RESTAURO

“As peças foram todas limpas e algumas delas restauradas antes de virem para cá, o que, para mim, já foi de grande valia. Esses quadros, objetos e esculturas tiveram que passar por um cuidado especial, o que foi muito bom, porque assim voltam para a chácara, a partir do fim de agosto, numa condição ideal para exposição”, aponta. Ela diz que espera poder abrir as portas de sua casa para o público o quanto antes.

“Com a idade que tenho, gostaria que esse museu estivesse funcionando o mais rapidamente possível, mas a gente tem uma série de problemas para poder viabilizar isso, questões financeiras e de apoio do poder público, por exemplo, ou seja, temos ainda que passar por uma série de etapas”, observa.

Sobre o que o público poderá apreciar a partir de hoje no CCBB-BH, ela diz tratar-se de um percurso artístico que revela muito de sua própria vida, de suas relações e de seu trânsito pelo mundo das artes. “Essa exposição é uma síntese do que sou, de como penso e por onde andei na escolha do que me emocionou. Ícones de que me cerco para lembrar minha história e o que ela me conta exposta aos olhos dos outros”, aponta.

Tela de Nello Nuno mostra cachorro estilizado sob fundo verde
''Cachorro da madrugada'', do mineiro Nello Nuno, apontado por Priscila Freire como um dos maiores artistas brasileiros (foto: Lucas Galeno / divulgação)
RETRATO

“Fui aluna de Guignard na escolinha que ele mantinha no Parque Municipal e sempre tive uma grande admiração por ele; queria um quadro, mas não tinha dinheiro para comprar e também não queria pedir um de graça. Quando me casei, falei para meu marido que eu queria um quadro de Guignard, um retrato”, diz Priscila, aludindo àquela que talvez seja a obra mais emblemática da exposição.

Guignard, com efeito, pintou um quadro dela e, posteriormente, também um de seu marido. Essas duas obras, presentes na mostra no CCBB, marcaram o início da coleção que o casal empreendeu a partir daquele momento. Curiosamente, Priscila diz que, atualmente, sua escolha, dentro do que o artista produziu, teria sido outra.

“Hoje, eu gostaria, talvez, em vez do retrato, de ter uma paisagem do Parque Municipal, que eu não tenho, e ele fez lindas paisagens de lá. Naquela época, cismei que queria o retrato, e eu não acho o retrato parecido comigo, porque eu me achava muito bonita naquela época”, comenta. 

“Além do mais, quando cheguei com o quadro em casa, meu pai disse: ‘Mas isso é um autorretrato do Guignard’. Hoje, acho que realmente tem sutilezas do rosto dele. De qualquer forma, é um bom quadro, tem um fundo ‘leonardesco’, como ele costumava falar, por causa da inspiração nos fundos de Leonardo Da Vinci.”

Depois dos retratos, o casal foi em busca, por diversos canais, de outras obras do artista. Priscila conta que Alberto Freire de Carvalho comprou a obra “Cristo no Jardim das Oliveiras”, cuja moldura também foi adquirida e pintada por Guignard. 

“Depois, ele pintou e me deu de presente um quadro de uma cabecinha de Cristo pequenininha, no Natal. A partir daí começamos a comprar coisas dele em galerias e leilões de arte. Se eu tivesse muito dinheiro, certamente teria muito mais coisas de Guignard, que para mim é uma referência”, diz, destacando que a mostra reúne, ao todo, 20 obras do artista, entre desenhos e pinturas.

Falar do mestre evoca em Priscila lembranças da época em que estudou com ele. Ela se recorda de que a escola em que o artista ministrava as aulas no Parque Municipal era muito rudimentar, conjugada a uma primeira estrutura do Palácio das Artes, “com acesso por uma escadinha de madeira e as paredes cobertas de limo”. “Não tinha sequer onde guardar as coisas, mas tinha ele, Guignard, e era lindo”, pontua.

“Ele ensinava na prática, com os alunos criando as obras. Pegava uma tábua, prendia um papel, te dava um lápis, geralmente com a ponta muito seca, e a gente saía por aí desenhando. Depois ele vinha, olhava cada um dos desenhos e fazia uma análise, dizendo o que achava, normalmente elogiando”, conta.

Ela ressalta que desse ambiente saíram grandes artistas, como Iberê Camargo e Amílcar de Castro, que ela considera o melhor dessa geração, a despeito de ter trilhado um caminho totalmente diferente do que o mestre propunha.

Além de Guignard e Amílcar, Priscila aponta o que considera outros destaques da exposição, mas o faz ressalvando que isso passa, sobretudo, por seu gosto pessoal e que cada visitante pode fruir a mostra de maneira diferente. “Admiro imensamente as obras de um artista mineiro que, infelizmente, morreu muito cedo, que é o Nello Nuno. Essa exposição traz duas obras dele, que acho realmente um dos maiores.”

Ela diz ter especial apreço também pelas peças que compõem o núcleo de arte popular. Ulisses Pereira Chaves, que se notabilizou por criar formas híbridas de seres humanos com animais, algumas evocando figuras mitológicas, como centauros ou a esfinge (e não se tem notícia de que ele tivesse qualquer referência acerca de mitos gregos ou egípcios), é um dos nomes apontados por Priscila.

A colecionadora cita vários outros artistas que entram no seu rol de predileções e por isso estão presentes na mostra. De diversos deles tem histórias de convivência para recordar. “Gosto muito do Lorenzato. Eu o descobri morando no Bairro Gameleira, dependurando as obras que criava nos galhos de laranjeiras que ficavam em frente à casa em que morava. Quem passava na rua podia comprar aquelas obras por, sei lá, R$ 15 ou R$ 30. Dele temos três obras na exposição”, aponta.

“COLEÇÃO BRASILEIRA DE ALBERTO E PRISCILA FREIRE”

Exposição em cartaz a partir desta quarta-feira (25/5), no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Visitação até 29 de agosto, de quarta a segunda-feira, das 10h às 22h. Entrada gratuita, sem necessidade de retirada de ingresso


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