Jornal Estado de Minas

MÚSICA

André Abujamra canta o amor nestes tempos de haters

 


Em 2021, André Abujamra foi indicado ao Grammy Latino pela primeira vez, na categoria melhor álbum de rock ou de música alternativa em língua portuguesa, pelo disco “Emidoinã – A alma de fogo” (2020). Lisonjeado com a indicação, o artista paulistano foi até Las Vegas, nos Estados Unidos, para acompanhar pessoalmente a cerimônia de entrega dos prêmios. Voltou de lá deprimido, não por ter perdido para o grupo A Cor do Som.





“Vi a minha carreira em perspectiva. Já fiz coisas para cacete e meu trabalho tem qualidade artística e técnica. Só que tem muita coisa que fiz e ninguém sabe que fui eu que fiz. Então, resolvi chutar o pau da barraca e lançar tudo o que produzi. Vou lançar 50 discos de uma vez, sem respeitar ordem, sem planejar muito”, ele afirma.

POP CASEIRO

Um desses trabalhos é o álbum “AMOR”, que Abujamra lançou em 15 de maio. Trata-se de um disco pandêmico, gravado de forma caseira, com oito faixas de pegada pop que falam sobre temas variados, que vão da crença no amor à política brasileira.

Prova do quanto o artista tem produção prolífica, o trabalho nasceu durante um único fim de semana que ele passou no interior de Minas Gerais.

“Gosto muito de viajar. Durante a pandemia, assim como o mundo todo, eu não podia sair de casa, mas estava com muita vontade de viajar. Então, aluguei uma casinha em Camanducaia, onde fui passar uns seis dias com a minha namorada. Era um lugar maravilhoso, que me deixou meio reflexivo a ponto de fazer o disco”, conta.




 
 

O cantor e compositor, que já se casou cinco vezes e diz ter boa relação com as ex-mulheres, revela que, aos 57 anos, decidiu que chegou a hora de falar sobre o que sabe sobre o amor. Diferentemente de trabalhos anteriores, em que assumia postura até mesmo jocosa em relação aos temas abordados, neste álbum ele canta com seriedade.

“Quero ser um pedacinho de amor. Ultimamente, nós estamos tão focados nos haters. Nesta pandemia, por exemplo, o meu público nas redes sociais deu uma aumentada. Consequentemente, isso atrai haters, gente que odeia o meu trabalho ou me odeia como pessoa. Tenho feito a defesa dos lovers. A gente precisa falar mais sobre eles, porque são eles que realmente importam”, afirma.

POLARIDADE

Mas o trabalho não se restringe a questões de natureza amorosa. Na faixa “A cada olho um olhar”, André Abujamra canta sobre a polaridade que tem marcado as discussões políticas no Brasil. Em um dos trechos, a letra faz crítica direta ao negacionismo científico.





“Usa a porra da máscara, caceta!/ A terra não é plana/ Tem curva na banana/ 'Acabou a mamata...'/ Mas mamou na teta, né?”, diz o verso da canção.

“Por mais catastróficas que as coisas estejam, o amor persiste. Ele sempre persiste. É claro que a polaridade e todas as notícias da destruição do Brasil por parte do governo me causam dores e tristezas. Mas é como eu já disse: quero ser um pedacinho de amor. É como aquela música 'Saiba', do Arnaldo Antunes, em que ele fala que o Hitler já foi neném. O Bolsonaro também”, comenta.
 
 

BOLSONARO E TORTURA

Em 2014, Abujamra discutiu com Jair Bolsonaro no palco do programa “Agora é tarde”, exibido pela Band e apresentado pelo humorista Rafinha Bastos. Na ocasião, o então deputado federal do Rio de Janeiro foi questionado sobre a ditadura militar e duvidou da veracidade das torturas por parte dos militares. O músico, filho do ator Antônio Abujamra (1932-2015), que foi torturado, o questionou e sofreu consequências por causa disso.

“A gente quebrou o pau ao vivo, no palco do programa mesmo. Mais tarde, todo mundo veio me demonstrar apoio, mas recebi umas 200 mensagens de ódio e algumas ameaças de morte. Então, naquela época os caras já estavam armados com esse tipo de comportamento. Eles são inteligentes. Fiquei morrendo de medo”, conta Abujamra.





O músico tem o mesmo sentimento em relação às eleições presidenciais, marcadas para outubro deste ano. Para ele, muita gente ainda não entendeu o quão poderosa e perigosa pode ser a disseminação das fake news por meio das redes sociais. Ele se preocupa com o ódio que isso gerou e, acredita, ainda vai gerar.

“Eu vou de esquerda. Não tenho como não ser de esquerda. E eu amo o Lula. O ódio que criaram em torno dele foi sem precedentes. É óbvio que nos governos dele tivemos problemas, não sou burro de achar que foi tudo às mil maravilhas. Mas o ódio criado em torno dele foi muito exagerado”, avalia o compositor.

Muito embora tenha ficado impedido de viajar durante os períodos mais rígidos do isolamento social, André Abujamra não parou sua produção artística por causa disso. Trabalhar em casa não é exatamente uma novidade em sua vida, é algo que ele pratica desde 2004.





“Este ano, fui fazer um filme no México e estava precisando de uma flauta indígena para a trilha sonora. Um amigo meu gravou e mandou pelo chat do computador. Então, sinto que meio que previ o que está acontecendo agora. É o que sempre digo: as coisas que não inventaram ainda vão ser inventadas.  Trabalhar remotamente se encaixa nisso. Já era algo totalmente possível, mas a pandemia nos obrigou a viver isso intensamente”, observa.
 

“AMOR”

.Disco de André Abujamra
.Oito faixas
.Independente
.Disponível nas plataformas digitais

Músico é pioneiro em NFT no Brasil

Em 2021, André Abujamra se tornou um dos primeiros artistas do Brasil a utilizar o NFT (Non Fungible Token) no mercado do audiovisual, em parceria com o criptoartista Uno de Oliveira.

“Comecei a me interessar muito pela descentralização do dinheiro. Para mim, isso não tem volta. O truque do bitcoin é que, todo mês, compro um pouquinho. O universo da criptomoeda é muito interessante. Tudo começou quando estava numa sala de bate-papo e alguém começou a explicar sobre NFT. Fiquei muito interessado e, como nerd que sou, comecei a estudar. O segredo é estudar. Então surgiu a parceria com o Uno. Fiz uma canção para um trabalho dele, e ele me deu 20% do livro. Para a música, o mercado ainda é complicado”, diz.





Enquanto André não descobre como lançar canções em forma de NFTs, ele recorre à plataforma Bandcamp, que possibilita a artistas independentes divulgarem e vender música de forma autônoma.

Entre álbuns autorais e trilhas sonoras para filmes e peças de teatro, o artista já divulgou 29 trabalhos que podem ser acessados pelo site andrabujamra.bandcamp.com/music.

“Você coloca a sua música on-line. Quem quer comprar pode te dar US$ 1 pela música, que cai na conta automaticamente. A diferença em relação ao Spotify é que para a música estar lá é necessário o vínculo com uma distribuidora. O Bandcamp é mais direto. Por lá estou conseguindo organizar os meus trabalhos. Fica lúdico até”, conclui.