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Estado de Minas MÚSICA

Letieres Leite, que morreu de COVID, deixou herança preciosa para o Brasil

Disco 'Moacir de todos os santos', da Orkestra Rumpilezz, traz a releitura de sete das 10 faixas de 'Coisas', álbum que chamou a atenção do mundo


26/05/2022 04:00 - atualizado 25/05/2022 22:28

Numa cachoeira, em meio às árvores, o maestro Letieres Leite está à frente, numa pedra. Atrás dele estão músicos da Orkestra Rumpilezz
Letieres Leite, à frente, e a Orquestra Rumpilezz, que se tornou coletivo de músicos após a morte de seu mentor (foto: João Atala/divulgação)

Álbum de estreia do instrumentista, compositor, arranjador e maestro pernambucano Moacir Santos, “Coisas” (1965), marco da música instrumental brasileira, foi responsável por uma renovação estética e por influenciar diversos músicos, de Baden Powell a Dori Caymmi, passando por Nara Leão e João Donato. Várias de suas 10 faixas – temas batizados apenas como “Coisa nº 1”, “Coisa nº 2” e assim por diante – foram regravadas por outros artistas.

No entanto, a originalidade transbordante do álbum não havia ganho abordagem que conseguisse capturar sua essência. Até agora. “Moacir de todos os santos”, novo trabalho da Orkestra Rumpilezz, capitaneada pelo instrumentista, compositor, arranjador e maestro Letieres Leite (1959-2021), resgata sete dos 10 temas e os relê de forma singular, propondo o aprofundamento da linguagem musical que aportou nas Américas vinda da África.

DESEJO 

Produtor artístico do disco e sócio da gravadora Rocinante, que chancela o lançamento, Sylvio Fraga considera o trabalho um marco da música brasileira, “que precisa ser conhecido mundialmente”. De acordo com ele, o disco partiu do desejo do próprio Letieres, que havia montado com a Rumpilezz um show sobre “Coisas” e quis fazer o registro em estúdio.

“Quando ele mencionou isso, a gente pulou da cadeira. Na mesma hora, nos propusemos a fazer, o que foi convite até um pouco irresponsável, pois não tínhamos o estúdio preparado ainda”, diz, referindo-se ao início de 2019.

“Pedimos a Letieres um tempo e construímos três salas para atender ao que ele tinha em mente: reger e dançar de frente para a orquestra, com 22 músicos. Isso era fundamental para ele, transmitir o que sentia, reger com o corpo e com a alma”, completa.

Atendendo Letieres, o álbum foi gravado de maneira analógica, em fita. Um processo longo, que se estendeu ao longo de 2020, atravessado pela pandemia. “Sabíamos que era um disco muito importante não só para nossa gravadora, mas para a música brasileira. A gente queria lançar junto com o LP da nossa fábrica própria, que, de certa forma, estreia com esse disco”, destaca.

''Pedimos a Letieres um tempo e construímos três salas para atender ao que ele tinha em mente: reger e dançar de frente para a orquestra, com 22 músicos. Isso era fundamental para ele transmitir o que sentia, reger com o corpo e com a alma''

Sylvio Fraga, produtor do selo Rocinante



Letieres chegou a ouvir o trabalho mixado antes de morrer, em outubro, aos 61 anos, por insuficiência respiratória em decorrência da COVID-19. Para Fraga, “Moacir de todos os santos” ilumina a ausência do maestro.

“A Orkestra Rumpilezz se tornou um coletivo dos integrantes, eles vão seguir carregando esse legado, tocando os arranjos e fazendo shows. Não vai ser a mesma coisa sem Letieres ali na frente, mas a Rumpilezz segue como acontecimento extraordinário na nossa música”, afirma.

O produtor chama a atenção para o aspecto militante do álbum em favor da cultura negra e da luta antirracista, pois se fundamentou na criteriosa e extensa pesquisa que o maestro empreendeu ao longo da vida sobre gêneros e subgêneros musicais que atravessaram o Atlântico com os povos escravizados.

Letieres escreveu os arranjos do disco em um só mergulho, sem precisar consultar os originais, pois era profundo conhecedor de “Coisas”.

“É um disco absolutamente raro em muitos sentidos. A conexão entre maestros negros geniais, a percussão com papel de protagonista numa orquestra, o conhecimento profundo dos ritmos das matrizes africanas permeando a construção dos sopros cosmopolitas, a dança como guia. Não tenho dúvida de que Letieres nos legou, com seu último disco, um dos trabalhos mais importantes do novo século na música brasileira”, diz Fraga.

BAIANIDADE

“Só um gênio louco como Letieres para se aventurar a reler ‘Coisas’, mas tenho a impressão de que o maestro teria gostado. Ele colocou o dendê da baianidade africana na música de Moacir de uma maneira respeitosa e contemporânea”, diz o flautista e saxofonista Rowney Scott, um dos solistas de “Coisa nº 2”, primeiro single do álbum.

O disco conta com participações especiais do trombonista Raul de Souza (“Coisa nº 4”), do saxofonista Joander Cruz (“Coisa nº 8” e “Coisa nº 9”) e de Caetano Veloso cantando em inglês, segunda língua de Moacir, que morou por décadas na Califórnia, em “Coisa nº 5”. Conhecido como “Nanã”, esse tema, após o lançamento do álbum original, ganhou letra de Mário Telles.

Capa do disco Moacir de todos os santos traz o maestro Letieres Leite e músicos da Orkestra Rumpilezz posando numa cachoeira
(foto: Rocinante)

“MOACIR DE TODOS OS SANTOS”

• Disco de Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz
• Sete faixas
• Rocinante
• Disponível nas principais plataformas de streaming


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