O Instituto Moreira Salles (IMS) lançou nesta semana o site Testemunha Ocular, que apresenta um panorama de um século de fotojornalismo no Brasil. O portal apresenta a produção e a carreira de fotógrafos de diferentes gerações e regiões do país.
Também inclui dossiês, ensaios críticos, depoimentos em vídeo, além de outros materiais que ressaltam a importância da atividade na documentação da realidade brasileira e na construção da memória nacional.
A concepção do projeto é do jornalista Flávio Pinheiro, que atuou como superintendente-executivo do IMS entre 2008 e 2020. O jornalista Mauro Ventura assina a edição do site, e o fotógrafo Leo Aversa, por sua vez, foi responsável pela edição de imagens durante a criação do projeto.
Pinheiro diz que começou a trabalhar na construção de Testemunha Ocular há cerca de um ano e meio, mas que sua concepção remonta a 2016. Ele explica que, naquele ano, o IMS adquiriu os acervos dos jornais do grupo Diários Associados no Rio de Janeiro – Diário da Noite, O Jornal, que encerraram suas atividades na década de 1970, e Diário do Comércio, que seguiu até 2016.
“Era um conjunto de mais de 900 mil imagens. Isso, somado às coleções de fotos autorais que o IMS tinha, dava robustez ao acervo de fotojornalismo do Instituto”, aponta, justificando o mote para a criação do site.
Pinheiro diz que começou a trabalhar na construção de Testemunha Ocular há cerca de um ano e meio, mas que sua concepção remonta a 2016. Ele explica que, naquele ano, o IMS adquiriu os acervos dos jornais do grupo Diários Associados no Rio de Janeiro – Diário da Noite, O Jornal, que encerraram suas atividades na década de 1970, e Diário do Comércio, que seguiu até 2016.
“Era um conjunto de mais de 900 mil imagens. Isso, somado às coleções de fotos autorais que o IMS tinha, dava robustez ao acervo de fotojornalismo do Instituto”, aponta, justificando o mote para a criação do site.
O portal tem como ponto de partida a forte presença do fotojornalismo no acervo do IMS, mas vai muito além, segundo Pinheiro, na medida em que também aborda a obra de outros profissionais, além de diferentes assuntos relacionados à área. “Achei que não deveria se esgotar como site só do acervo do Instituto. Criou-se, então, uma seção para fotógrafos convidados, e aí começou um processo que levou ao convite de outros 44 profissionais”, aponta.
Acervos do IMS
Dessa forma, Testemunha Ocular está dividido em seis seções. A primeira apresenta a produção e a trajetória dos fotojornalistas cujos acervos estão sob a guarda do IMS. Inicialmente, estão presentes seis nomes: José Medeiros, Luciano Carneiro e Henri Ballot, todos profissionais que pertenceram aos quadros da revista O Cruzeiro, e mais Evandro Teixeira, Custodio Coimbra e Walter Firmo. Para cada um, há uma página no site contendo sua biografia, uma amostra de 50 imagens e dossiês bibliográficos.
Já a seção seguinte traz o trabalho dos 44 fotojornalistas convidados de diversas regiões do Brasil, com idades, trajetórias e perspectivas distintas, que não integram o acervo do IMS. A seleção inclui dois nomes da imprensa brasileira que faleceram neste ano: Orlando Brito, que atuou por mais de cinco décadas registrando o cotidiano do poder em Brasília, e Erno Schneider, conhecido especialmente pela popular foto de Jânio Quadros com as pernas enroscadas.
“Minha primeira preocupação foi trazer os veteranos, que tiveram carreiras muito longas e muito produtivas, autores de ícones do fotojornalismo no Brasil com os quais nem sempre são identificados. Todo mundo reproduz de forma exponencial a imagem do Jânio trocando as pernas e pouca gente sabe que ela é do Erno. Era uma questão de fazer justiça a esses fotógrafos”, ressalta Pinheiro, elencando outros veteranos, como Ricardo Chaves, Reginaldo Manente e Jorge Araújo.
Gerações distintas
Ele explica que, a partir desses veteranos, outros nomes começaram a vir à baila, por meio de sugestões e indicações. Foi, conforme destaca, um processo natural, sem uma seleção curatorial.
“Houve um momento em que saímos dos veteranos para chegar à geração logo abaixo deles, com gente que hoje está na casa dos 50 ou 60 anos, e acabamos nos mais jovens, como Gabriela Biló e Isis Medeiros, que é de Minas e fez uma cobertura notável do rompimento da barragem em Brumadinho. A coisa foi indo em cascata, com as sugestões chegando e eu fazendo os contatos e os convites”, aponta.
Ele chama a atenção para o fato de que, entre esses 44 nomes, há profissionais de diferentes estados, incluindo o gaúcho Ricardo Chaves, as pernambucanas Hélia Scheppa e Ana Araújo e o baiano Renan Benedito, entre outros. Todos os contemplados têm uma página no site com a biografia e uma seleção de 20 imagens. Pinheiro pontua que a escolha das fotos destinadas ao site ficou a cargo de cada fotógrafo.
“Não interferimos nisso. Para fotógrafos com produção muito vasta, com milhares de imagens, das quais tínhamos que selecionar 20, fomos fazendo uma peneira conjunta. Teve fotógrafo que enviou 62 imagens, mas eu somente argumentava; a decisão soberana foi de cada um dos participantes”, afirma.
Fotos históricas
Outro destaque de Testemunha Ocular é a seção dedicada a fotos históricas provenientes do acervo dos Diários Associados e de outras coleções do IMS. Cada postagem desse núcleo traz um conjunto de imagens junto com um texto de contextualização. O site inaugura com a série de registros do incêndio que destruiu a favela da Praia do Pinto, em 1969, no Bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.
O site publica, ainda, comentários críticos sobre determinadas fotos, assinados por acadêmicos e escritores. O jornalista Mário Magalhães, por exemplo, comenta uma imagem feita em 1976 por Orlando Brito, que registra um tenente do Exército envergando uma braçadeira com a inscrição “Imprensa”.
A historiadora Ynaê Lopes dos Santos, por sua vez, assina um texto sobre uma foto de Luiz Morier realizada em 1982, durante uma batida policial em que homens negros foram amarrados pelo pescoço.
A historiadora Ynaê Lopes dos Santos, por sua vez, assina um texto sobre uma foto de Luiz Morier realizada em 1982, durante uma batida policial em que homens negros foram amarrados pelo pescoço.
Com relação a essa seção, Pinheiro diz que, para alguns autores, ofereceu imagens; já outros chegaram com suas próprias sugestões. “Nesse primeiro momento tem mais coisas provocadas pelo site. A ideia era ter imagens que carregam muitos significados e precisam de uma contextualização crítica sobre o que dá a elas perenidade”, explica.
Comentários críticos
“Você pega a foto dos homens negros amarrados pelo pescoço, feita em 1982, quase 100 anos após a abolição da escravatura, e vê o cenário hoje, com o que fizeram com o Genivaldo (morto em Sergipe, asfixiado em uma câmara de gás improvisada na traseira de um camburão, numa abordagem da Política Rodoviária Federal), a coisa não mudou muito. Que abolição foi essa que houve? Quisemos fazer comentários críticos mais à luz da história ou pelo viés de uma antropologia social brasileira”, observa.
Testemunha Ocular traz, também, conteúdo em vídeo. Na seção intitulada Relance, profissionais contam a história de uma imagem que marcou sua carreira. O fotógrafo José Francisco Diorio, por exemplo, comenta a foto de um incêndio na favela do Buraco Quente, em São Paulo, que realizou para o jornal O Estado de S. Paulo, em 2004, e que lhe rendeu prêmio do World Press Photo. Já o núcleo Vida Longa traz depoimentos de fotojornalistas sobre suas carreiras, começando com o de Evandro Teixeira.
Pinheiro observa que, das seis seções que compõem o site, apenas duas são fixas: a dos fotógrafos do IMS, com as 50 imagens de cada um, e a dos 44 convidados, com 20 de cada. “Todas as outras são móveis. Na seção de fotos históricas, por exemplo, o incêndio da favela da Praia do Pinto dará lugar, em breve, a uma série sobre o bicampeonato da Seleção Brasileira no Chile, por conta da efeméride dos 60 anos da conquista do título”, aponta.
Teor de engajamento
Observando o conjunto imagético que Testemunha Ocular reúne, ele considera que não haja uma temática predominante, mas, sim, um grande painel da vida política, social e econômica brasileira.
“Você tem chacinas, grandes desastres e – uma coisa que chama a atenção e que partiu dos próprios fotógrafos – muitos registros de comunidades indígenas feitos, na maioria das vezes, fora de pauta. Existe um teor bastante considerável de engajamento no fotojornalismo brasileiro; ele abraça causas”, aponta.
“Você tem chacinas, grandes desastres e – uma coisa que chama a atenção e que partiu dos próprios fotógrafos – muitos registros de comunidades indígenas feitos, na maioria das vezes, fora de pauta. Existe um teor bastante considerável de engajamento no fotojornalismo brasileiro; ele abraça causas”, aponta.
Segundo Pinheiro, com exceção de Orlando Brito e Erno Schneider, que morreram durante o processo de construção do site, todos os outros profissionais estão vivos. “Tem gente que lamenta a ausência de fotógrafos já mortos, mas aí seria abrir o escopo demais, e eu queria falar da vitalidade do fotojornalismo no Brasil. Existem grandes nomes que já partiram, mas a gente optou por não contemplar essa produção”, explica.
Sobrevivência da imagem
Cobrindo um período tão longo, com imagens que vêm desde a década de 1920 até os dias atuais, o site Testemunha Ocular permite acompanhar as mudanças técnicas e conceituais do fotojornalismo, mas sobretudo fala de sua pertinência e perenidade, observa o curador. “A imagem sobreviveu muito, mas muito melhor do que a palavra. Isso é um ponto a favor do fotojornalismo e dos fotojornalistas”, diz.
Ele dá um exemplo: “Tem um ensaio feito pelo José Medeiros em 1951 sobre os rituais do candomblé, na Bahia, com imagens admiráveis, e a matéria correspondente tratava aquilo como um escândalo social, do tipo ‘veja o que é a religião desses negros que sacrificam animais em seus rituais’, descrevendo como uma barbárie. O texto não via beleza nesses rituais; o José Medeiros viu”, pontua.
“Pode-se dizer que o jornalismo nos anos 1950 era pré-profissional, cheio de narizes de cera, cheio de circunlóquios, que tinha um acento moral, deplorava as coisas, mas não dava informação. O texto sobre os rituais do candomblé na Bahia sumiu; as fotos do José Medeiros ficaram”, analisa.