Depois de estrear e cumprir uma breve temporada no Rio de Janeiro, o musical “Céu estrelado” chega a Belo Horizonte trazendo a representação de um Brasil profundo, distante do litoral e dos grandes centros urbanos. Em cartaz no Teatro 1 do Centro Cultural Branco do Brasil a partir desta quinta-feira (9/6), o espetáculo abarca muitos sotaques – simbólica e literalmente.
Leia Mais
Minas Tênis Clube retoma série de concertos, com recital de pianista russoMúsicos ucranianos trocam romantismo por hinos de guerraBernardo Paz doa 330 obras e área de 140 mil ha definitivamente a InhotimDomingo cultural romântico para namorar à vontadeAna Cañas aluga teatro e encara bilheteria para cantar Belchior em BHMostra no Canal Brasil lembra os 115 anos de Dercy GonçalvesPortuguesa Ana Laíns traz seu canto alegre a BH, com o show 'Mátria língua'A trama focaliza a personagem Antonia (Juliana Linhares), que, nascida na cidade fictícia de Carneirinhos, se muda para o Rio de Janeiro, brigada com o pai, seu Cris (Bruno Garcia), para tentar a carreira de cantora. Depois de alguns anos, ela retorna, a pedido da família, para participar da festa de Santo Antônio da fazenda onde moram.
Ao lado do namorado estrangeiro, Johnny (Hamilton Dias), Antonia vai reencontrar, além do pai, um antigo amor, Paixão (Daniel Carneiro), sua irmã, Cidinha (Dani Câmara), e a faz-tudo da fazenda, Fafá (Natasha Jascalevich). A ideia, com esse enredo, segundo Gustavo Nunes, é propor uma reflexão sobre o nosso lugar no mundo a partir de relações pessoais e sociais.
PANORAMA DE SOTAQUES
Ele observa que, com exceção de Bruno Garcia, em cena como ator convidado, o elenco foi escolhido em audições e é formado por artistas de diferentes regiões do país. “Estávamos de olho na representatividade, queríamos pessoas de origens diferentes. A gente queria montar um panorama de sotaques, de regiões, que fosse representado por esses seis atores em cena. O desejo de ter essas diferentes culturas foi o que orientou as escolhas”, diz.
Nunes destaca que levar essa representação de um país diverso e vasto para o palco passou pela escolha dos atores, das músicas que compõem o espetáculo e também por um cuidadoso trabalho de cenografia e iluminação. “Tem essa questão da atmosfera, porque Carneirinhos, onde se passa a história, não é um lugar específico, é um não lugar que representa todos os lugares, então foi um desafio para a cenografia”, aponta.
“Existe uma diversidade de cores, porque a gente representa uma cachoeira, um sertão árido, um lugar com natureza exuberante. A gente situa o espectador nesses diferentes ambientes por meio de efeitos de luz e de som, então é uma viagem sensorial também. São muitos espaços em um único, e isso com uma cenografia muito sintética”, acrescenta o produtor.
ATOR CONVIDADO
Sobre o convite a Bruno Garcia, ele diz que era um desejo antigo que vinha sendo protelado. Nunes já havia trabalhado com o ator na peça “A história de nós dois”, que foi um grande sucesso e circulou por todo o país. “Eu já sabia que o Bruno cantava e, como produzo muitos musicais, sempre tive a vontade de chamá-lo. Agora, com ‘Céu estrelado’, achei que tinha chegado o momento.”
Ele considera que o ator, que é pernambucano, carrega um DNA genuinamente brasileiro, tem uma vivência grande de interpretação nos palcos, no cinema e na televisão, tem a idade que o personagem pedia e um timbre de voz que preenchia com exatidão a lacuna que ainda havia no elenco.
“Foi um pouco de sorte, mas uma sorte calculada, porque tem todo o talento e todo o histórico reconhecido do Bruno, que está fazendo 40 anos de carreira, ou seja, para ele, participar desse musical também veio muito a calhar. Desde a leitura do texto, ele me disse que queria muito falar sobre isso e que, sim, estava dentro do projeto”, diz Nunes.
MIGRAÇÕES NO BRASIL
O produtor ressalta que sua intenção, ao idealizar o espetáculo, era explorar o tema das migrações existentes no Brasil a partir de canções que emocionam e unem os habitantes das mais diversas regiões do país. O mote para a criação de “Céu estrelado” se relaciona, em boa medida, com a própria vivência de Nunes.
“Sou gaúcho, saí do Rio Grande do Sul com 16 ou 17 anos para vir morar no Rio de Janeiro. Tem aí uma questão de pertencimento. Abandonei minha terra natal ou não? Sair é uma coisa normal? Isso sempre foi uma questão na minha vida e acho que na de muita gente. Eu achava que isso tinha a ver com o nosso cancioneiro popular, que fala muito disso, daí veio esse repertório tão marcado na gente”, aponta.
Ele diz que pretendeu, com o roteiro musical que conduz o espetáculo, fazer um resgate de canções que não costumam estar presentes nessa modalidade teatral. “Eu sentia falta de espetáculos musicais que tratassem de nossas raízes, queria reunir canções com grande potência poética. As novas gerações não entendem muito esse cancioneiro, é algo que não faz parte da vida delas. Pensei que, colocando esses temas como trilha de um musical, isso poderia despertar interesse”, diz, acrescentando que as músicas “são um chamariz, as grandes estrelas do espetáculo”.
TRILHA SONORA
Composições de Milton Nascimento, Chico César, Chico Buarque, Gilberto Gil e Jovelina Pérola Negra, entre outros, conduzem a trama. O elenco conta com o acompanhamento do violonista Gabriel Quinto, mas alguns dos atores, além de cantar, também tocam instrumentos em cena. Além disso, todas as canções ganharam novos arranjos, para aumentar a dramaticidade do que é mostrado no palco.
Nunes aponta que a escolha do repertório foi feita conjuntamente por toda a equipe criativa do musical. “Pedi apenas que a gente tivesse diversidade, que a gente conseguisse, por meio das canções, representar o Brasil no que ele tem de originalidade. Claro, a gente não tem funk, não tem coisas muito contemporâneas, mas são linguagens genuinamente brasileiras. A seleção passou pela questão da diversidade e pela representatividade das regiões do país”, pontua.
Ele observa que “Céu estrelado” é um texto original, mas que se vale de músicas que já existem e estão no imaginário de uma parcela grande da população. Fazer com que essas músicas – algumas compostas há muitos anos – contassem uma história que acabou de ser escrita foi um desafio, segundo o produtor.
“Foi um trabalho árduo, porque as canções contextualizam o que está em cena ou levam a história adiante. São 20 músicas que impulsionam a trama até o desfecho, então teve uma arquitetura muito bem-elaborada entre a trilha e a dramaturgia”, comenta.
COMUNICAÇÃO
Juliana Linhares também enxerga na trilha sonora do espetáculo um gancho poderoso de comunicação com o público. Ela explica que se somam ao violão 7 cordas de Gabriel Quinto bases pré-gravadas sobre as quais o elenco de atores-cantores desfila os temas.
“Fazemos tudo ao vivo, com muitos arranjos vocais. É um negócio que ficou bem interessante”, diz ela, que, no ano passado, lançou o elogiado álbum “Nordeste ficção”, que conta com parcerias com Chico César e Zeca Baleiro.
“As músicas aproximam muito a plateia da história, porque é um passeio pelo cancioneiro popular brasileiro que, em sua maior parte, remete ao interior. Carneirinhos não existe, mas é um interior que pode ser de Minas, de São Paulo ou de algum estado do Nordeste, então a gente canta, por exemplo, ‘Romaria’ (de Renato Teixeira) e ‘Bate coração’ (de Antônio Barros e Cecéu, gravada por Elba Ramalho). São músicas que aproximam o público de maneira mais rápida, é um tiro de afetividade”, destaca.
Com uma longa carreira teatral, Juliana Linhares vive em “Céu estrelado” a sua primeira protagonista. “Comecei a fazer teatro de 9 para 10 anos, em Natal, e nunca mais larguei. Sou formada em direção teatral, mas comecei a cantar na faculdade, na banda Pietá. Então, música e teatro sempre ficaram embolados na minha vida”, observa.
Ela conta que, assim que tomou conhecimento do chamamento para as audições, se interessou em participar. “Passei muito tempo fora do palco, presa em casa por causa da pandemia. Assim que veio essa oportunidade, eu a agarrei. Quando surgiu a possibilidade concreta, falei: quero fazer. E quando vi a sinopse e as músicas, achei que tinha a ver demais comigo, com meu momento”, diz.
Questão ambiental em foco
Entre os muitos temas que “Céu estrelado” aborda – migração, família, sucesso, afetos, amores – está também a questão ambiental. Gustavo Nunes destaca que a temática é colocada de forma sutil no enredo, mas com uma importância central.
“O texto fala do retorno à casa, e muitas vezes a gente se esquece de que nossa maior casa é o planeta, a natureza. Tem um alerta nesse musical de que a gente tem que prestar mais atenção ao que faz”, diz.
“O texto fala do retorno à casa, e muitas vezes a gente se esquece de que nossa maior casa é o planeta, a natureza. Tem um alerta nesse musical de que a gente tem que prestar mais atenção ao que faz”, diz.
Carla Faour, estreante em musicais, conta que criou uma história sobre afetos, família e memórias sem deixar de lado a crítica social ao expor a urgência da preservação dos recursos naturais.
“A música popular brasileira se inspirou e se inspira muito na natureza do Brasil. Quantas de nossas canções não falam sobre nossas águas, rios, animais, a flora, a terra e sobre nosso povo? E, se por um lado, a gente tem essa biodiversidade que é um tesouro planetário, também temos essa falta de cuidado com o meio ambiente que traz consequências seriíssimas”, avalia a dramaturga.
“A música popular brasileira se inspirou e se inspira muito na natureza do Brasil. Quantas de nossas canções não falam sobre nossas águas, rios, animais, a flora, a terra e sobre nosso povo? E, se por um lado, a gente tem essa biodiversidade que é um tesouro planetário, também temos essa falta de cuidado com o meio ambiente que traz consequências seriíssimas”, avalia a dramaturga.
“CÉU ESTRELADO”
Musical. Dramaturgia: Carla Faour. Direção: Vinícius Arneiro e João Fonseca. Com Bruno Garcia e Juliana Linhares, que dividem o palco com outros quatro atores: Daniel Carneiro, Dani Câmara, Hamilton Dias e Natasha Jascalevich. Em cartaz desta quinta-feira (9/6) até o próximo domingo (12/6), sempre às 20h, no Teatro 1 do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, 31.3431-9400). Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), na bilheteria do teatro e pelos sites do CCBB-BH e Eventim