A vida não anda nada fácil para Eugênio. Até a vizinha idosa e seu cachorrinho de estimação se renderam ao recém-eleito governo fascista. Armas são vendidas em suaves prestações, anuncia o outdoor. O caos se instaura quando ele vai até o seu editor e o encontra numa mesa ao lado da bandeira do Brasil e a fotografia de certo presidente atrás da poltrona.
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No filme, com roteiro do próprio Muritiba, as críticas, sempre ferinas, são principalmente dirigidas para o governo Bolsonaro – ainda que em momento algum o nome do atual presidente seja proferido. Sergio Moro e Luciano Hang também estão na história, com as devidas adaptações que a ficção permite.
ADAPTAÇÕES
Histórias de Mutarelli já ganharam versões cinematográficas anteriormente, como é o caso dos longas “O cheiro do ralo” (2006), de Heitor Dhalia; “Natimorto” (2009), de Paulo Machline, e “Quando eu era vivo” (2014), de Marco Dutra. Os personagens sempre à margem e a ironia fina estão nas adaptações, e a atual não foge à regra.
Eugênio (Paulo Miklos, mais uma vez em grande momento), é um neurótico que passa enxaguante bucal ao mesmo tempo em que empunha um cigarro. Vive sozinho com seu peixinho de estimação, Gregório de Matos, e tem habilidade zero no convívio social.
Quando é chamado por um produtor charlatão para escrever um roteiro de um filme “superoriginal” para um diretor clichê, diz não de cara. Mas, na visita ao seu editor, fica sabendo que a série “Jesus Kid” será cancelada. Pior: um figurão do atual governo exige que ele escreva a biografia do novo presidente. Eugênio sai correndo do local, é perseguido e, temendo por sua vida, decide aceitar a proposta do produtor. Pelo menos ficará três meses fechado em um hotel.
A maior parte do longa é ambientada nos domínios de um grande hotel. Lá, realidade e ficção vão se misturando. Eugênio deve escrever uma história sobre um escritor em crise que tenta fazer um roteiro para cinema. Essencialmente, a trama de “Barton Fink” (filme dos irmãos Cohen de 1991), ele ensina ao produtor e ao diretor que o contrataram. Eles dão de ombros e Eugênio tenta, com suas neuroses, sair de situações cada vez mais absurdas.
De uma hora para outra, passa a contar com a presença do próprio Jesus Kid. O personagem-título é interpretado pelo ator Sérgio Marone, também um dos produtores do longa. Foi Marone, que havia comprado os direitos de adaptação do livro uma década atrás, quem convidou Muritiba para assumir o projeto.
As referências nesta primeira incursão na comédia de Muritiba (“Deserto particular”, “Ferrugem”, “Para minha amada morta”) vão do western spaguetti e os já citados irmãos Cohen ao obrigatório Tarantino. Mesmo tendo sido rodado em 2019, no primeiro ano da gestão Bolsonaro, “Jesus Kid” mantém a atualidade. O filme aproveita o momento de crise para refletir sobre ela – com ousadia e ironia.
“JESUS KID”
(Brasil, 2021, 88min., de Aly Muritiba, com Paulo Miklos, Sérgio Marone e Maureen Miranda). Estreia nesta quinta (9/6), às 18h30, na Sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas; e às 18h50, na Sala 1 do UNA Cine Belas Artes.