Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Hermeto Pascoal faz show de graça na praça com Arismar Espírito Santo


Em 1993, Hermeto Pascoal convocou o baixista Arismar do Espírito Santo e o baterista Nenê para uma turnê na Europa. Foram 44 shows em dois meses. Depois disso, como trio, fizeram apresentações bissextas, a última delas no Theatro Municipal de São Paulo, na Virada Cultural de 2015.





Vinte de nove anos se passaram. Hermeto, que chega aos 86 em 22 deste mês, continua da mesma forma. Voltou domingo (5/6) de nova incursão europeia – foram 14 shows durante um mês, praticamente um a cada dois dias.

“Ave-maria!, eu não paro. Se eu premeditar, sim, mas não premedito nada. É intuição e criação. O que é bom não bate cansaço”, afirma ele, que recebeu ontem o seu segundo título de doutor honoris causa – desta vez concedido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

REENCONTRO 

Aos 65 anos, Arismar está rindo à toa. Vai se reencontrar com Hermeto no palco – há pouco, ficou sabendo pelo próprio que gravações dos shows da temporada de três décadas atrás vão virar disco.





Neste sábado (11/6), os dois, acompanhados da banda de Hermeto – Itiberê Zwarg (baixo e tuba), André Marques (piano), Jota P. (saxofones e flautas), Ajurinã Zwarg (bateria) e Fabio Pascoal (percussão) –, serão a principal atração da Série BH Instrumental, na Praça do Papa, em sua primeira edição presencial pós-pandemia.

Nos dois últimos anos, em decorrência da crise sanitária, a série foi realizada remotamente. Ao longo deste sábado, a partir das 15h30, os músicos que se apresentaram na edição on-line de 2020 vão fazer novos shows, desta vez como se deve.

São eles o violeiro Wilson Dias, o percussionista Serginho Silva, o pianista Davi Fonseca, os violonistas Gilson Brito e Matheus Luna e o guitarrista Daniel Souza, todos com as respectivas bandas.

“Hermeto é uma nave. Hoje em dia, está com uma moçada, sangue novo na banda. Mas ele é o mais moleque de todos”, diz o multi-instrumentista Arismar. Mais conhecido como baixista, seu primeiro instrumento é a bateria e, mais recentemente, vem tocando piano. No show na Praça do Papa vai tocar guitarra.





“Esse encontro é coisa de improviso. Vamos ver o que eles querem tocar. A maioria das músicas eu conheço. Nesta semana, pus na caixinha quatro discos do Hermeto. O cara é standard aqui em casa, acabo ouvindo sempre. Na hora, ele tem aquele olhar mágico e daí você pula para voar. É essa a ideia de tocar com ele, o Hermeto passa isso para os outros. A banda sai voando junto, o que dá uma sensação de liberdade maravilhosa na gente”, acrescenta Arismar.

Arismar Espírito Santo está feliz em rever o 'olhar mágico' de Hermeto no palco (foto: Eni Cunha/divulgação)


Conhecido como o Bruxo dos sons, Hermeto tem 85 anos de idade e 72 de música, pois estreou em 1950, aos 14. Sua primeira composição, “O ovo”, com o Quarteto Novo, foi gravada em 1967 – desde então, vieram três dúzias de álbuns.

“A música vem de todo lugar”, ele diz. “Andando na estrada, cansei de topar em pedras. Ficava com dorzinha nos dedos, mas pegava as pedras e levava para casa só porque tinha som quando eu batia nelas. Não existe nada presente sem som.”





A primeira lembrança lhe foi contada, continua Hermeto. “No dia em que nasci, mamãe me falou que eu era bem rosadinho. A parteira me lavou todo com água da bacia, depois me deu para beber um pouquinho. Disse que eu tinha nascido para o mundo, seria um artista. Adivinhou.”

Artista do mundo a partir da pequena Lagoa da Canoa, então distrito de Arapiraca, em Alagoas. Como o menino era “bem rosadinho”, não podia tomar sol e ajudar o pai na roça. Deitado entre as árvores, ficava escutando os passarinhos. A música chegou efetivamente aos 10 anos para Hermeto, tocando sanfona de oito baixos com o irmão e o pai.


Foi o primeiro de um sem-número de instrumentos. Predileção, ele diz não ter. “Gosto de brincar: ponho um monte de frutas de vários sabores. Aí escolho o sabor que quero. Meus instrumentos são como as frutas: não tem o melhor, tem o que escolho e quero tocar naquela hora.”





Tocando intuitivamente, Hermeto criou a ideia de música universal, que não pode ser encaixada em nenhum gênero. Música popular, erudita, regional, brasileira, do mundo, não há fronteiras.

“Sou 100% intuitivo. Minha mente está aberta. Quando o universo quer, eu vou chegando e fazendo”, diz. Não tem predileção entre fazer música no palco e no estúdio. “Os dois são maravilhosos, mas não é bom ter uma distância grande entre um e outro.”

SILÊNCIO 

Para tocar com ele, Hermeto diz, a primeira coisa que o músico deve ter é amor pelo que faz. “E tocar bem. Aí, o cansaço não vem nunca.” O que “os outros” chamam de silêncio, para Hermeto é “a hora mais maravilhosa para pensar e criar; quando penso em silêncio, vêm coisas lindas, maravilhosas.”

Sem saber o que o futuro lhe reserva, Hermeto Pascoal diz que vai seguir tocando. “Amo muito, sempre, eternamente, o que faço. Como não premedito nada, não sei até quando vou. Vai ser o tempo que Deus quiser”, finaliza.





BH INSTRUMENTAL

Neste sábado (11/6), a partir das 15h, na Praça do Papa, Mangabeiras. Entrada franca

PROGRAMAÇÃO

» 15h30 – Daniel de Souza Quarteto
Show “Serôdia em Minas”. O guitarrista vai tocar com Marcelo Ricardo (bateria), Nathan Morais (baixo) e Jackson Ganga (saxofone)

» 16h15 – Gilson Brito Quinteto
Show “No embalo”. O violonista visita ritmos de diferentes regiões brasileiras ao lado de Harrison Santos (sax e flauta), Leonardo Brasilino (trombone), Yan Vasconcellos (baixo elétrico) e Guilherme Stephan (bateria)

» 17h – Serginho Silva Quinteto
O veterano percussionista vai se apresentar ao lado de Samy Erick (violão e guitarra), Ivan Corrêa (contrabaixo), Sergio Danilo (saxofone) e Luadson Constâncio (teclado)

» 17h50 – Matheus Luna 
No show “Gratidão”, o músico leva roupagem moderna para o violão de 7 cordas. Toca com Nathan Morais (baixo), Matheus Ramos (bateria) e Jackson Ganga (saxofone)

» 18h35 – Wilson Dias 
Show “Mucuta”. Duo de viola caipira 
e violão (a cargo de Wallace Gomes) com referências mineiras

» 19h20 – Davi Fonseca Quinteto
No show “Piramba”, o pianista apresenta composições de seu primeiro disco ao lado de Alexandre Andrés (flautas), Camila Rocha (baixo acústico e elétrico), Natália Mitre (vibrafone e berimbau) e Yuri Vellasco (bateria e percussão)

» 20h30 – Hermeto Pascoal & Grupo
Com Arismar do Espírito Santo

Rose Pidner criou a série BH Instrumental, entre outros projetos culturais (foto: Maria Tereza Correia/EM/26/4/12 )

ETERNA ROSE

O retorno da Série BH Instrumental vai render homenagem à sua criadora, Rose Pidner (1955-2019). Conhecida produtora cultural de Belo Horizonte, sempre ligada à boa música, ela fundou, em meados da década de 1990, a Veredas Produções. Além da série, a empresa realiza vários projetos na cidade, como o Domingo no Museu, na Pampulha. Para os músicos, Rose era Zabelê. Nos anos 1970, como cantora e instrumentista, ela integrou a banda de Hermeto. Participou, inclusive, do show no Festival de Jazz de Montreaux de 1979, um dos momentos antológicos da carreira do Bruxo.