Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Conheça talentos que despontam na cena da música instrumental de Minas


A flautista Nara Pinheiro, o saxofonista e flautista Sillas Prado, o trompetista Ulisses Luciano e o duo formado por Flávio Danza e Rodrigo Mendonça venceram, em maio, a 21ª edição do BDMG Instrumental, considerado um dos prêmios mais importantes da música brasileira.




Apresentando criações autorais e arranjos para canções de outros artistas, cada um deles recebeu R$ 12 mil e fará shows no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), na capital mineira, e no programa Instrumental Sesc Brasil, em São Paulo.

“Há um público atento ao mercado da música instrumental que está de olho na nova cena”, afirma a juiz-forana Nara Pinheiro – a única mulher premiada este ano. “Fico muito otimista com as apresentações em Belo Horizonte e São Paulo, pois serão ocasiões de grande visibilidade e repercussão, algo que certamente contribuirá para o lançamento do meu disco”, diz ela.

Sillas Prado diz que o prêmio lhe permite levar seu trabalho para o palco nacional. “É muito legal poder tocar a música mineira e, principalmente, afromineira para o Brasil”, diz o saxofonista e flautista.





Radicado em BH, o pernambucano Ulisses Luciano comemora o prêmio, que chegou quando completa 25 anos de estudo de música. Acostumado a acompanhar outros artistas, o trompetista prepara seu próprio disco.

Formado por um carioca e um paulista em Poços de Caldas, no Sul de Minas, o Duo Flávio Danza e Rodrigo Mendonça destaca a visibilidade que o BDMG Instrumental trará para seu trabalho. “É um privilégio, pois tantos nomes importantes da nossa música passaram por essa iniciativa”, comenta Mendonça.

Também foram premiados o bandolinista Welligton Gamal e o baterista Antônio Loureiro, como melhores instrumentistas, e o violonista Wallace Gomes, como melhor arranjador, pela forma como trabalhou a canção “A paz”, de Gilberto Gil.

A flautista Nara Pinheiro homenageou Nara Leão e tocou com Camila Rocha, no BDMG Instrumental (foto: Élcio Paraíso/divulgação)

Nara prepara disco autoral

A flauta transversal entrou na vida de Nara Pinheiro há de 13 anos, quando ela tinha 17. Ela fez bacharelado nesse instrumento musical na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e se aprimorou na Bituca – Universidade de Música Popular, em Barbacena.





O BDMG Instrumental é vitrine importante para músicos do interior, afirma a juiz-forana. Na competição, Nara apresentou as autorais “Ilusão”, “Tempo de vendaval” e “Crianças”, que farão parte de seu álbum, gravado em 2021. “Foi a primeira vez que as apresentei em público, antes mesmo de lançar o disco”, ela conta.

“Com açúcar, com afeto”, de Chico Buarque, foi a canção que Nara escolheu para arranjar. “Assisti ao documentário recém-lançado da Nara Leão, essa música estava na trilha sonora. Minha intenção foi fazer homenagem a ela, pois me sinto ligada à artista, por termos o mesmo nome e por eu nascer no ano em que a Nara faleceu”, diz. E destaca a influência da cantora na MPB, Bossa Nova, Tropicália e Cinema Novo.

PROFESSORA 

Atualmente, a mineira faz mestrado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde 2019, dá aulas no Conservatório Estadual de Música, em Juiz de Fora. Em 2015, venceu os prêmios Jovem Músico e Jovem Instrumentista, realizados pelo BDMG Cultural.





“Esses eventos me abriram vários caminhos, pois comecei a ter confiança para liderar grupos e a receber convites de outros festivais, que me conheceram a partir das premiações. Foram momentos importantes para acreditar no meu próprio trabalho”, diz Nara Pinheiro.

Sillas Prado, músico da noite, abraçou também a vida acadêmica (foto: Élcio Paraíso/divulgação)

Sillas é cria das bandas

Sillas Prado começou a tocar aos 10 anos, na banda de música criada pelo avô em Francisco Dumont, cidade do Norte de Minas onde nasceu. A família se mudou para Sete Lagoas e ele se profissionalizou aos 15 anos, tocando em bares. 

O saxofonista e flautista mineiro virou multi-instrumentista graças às bandas de música. “Acabei escolhendo a flauta e o saxofone para trabalhar profissionalmente. O sax foi meu primeiro instrumento, por conta de fatores mercadológicos e de compositores que admiro. Aprendi flauta devido à influência de saxofonistas que tocam o instrumento, como Nivaldo Ornelas, Letieres Leite, Carlos Malta e Teco Cardoso”, conta.




BITUCA 

Em 2015, Sillas passou a estudar na Bituca – Universidade de Música Popular, em Barbacena. Dois anos depois, ingressou na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde se formou em música popular. Atualmente, faz mestrado em performance musical.

“Este passo foi muito importante para a minha carreira, pois deixei de ser somente músico da noite para ser acadêmico”, diz.

Vencer o BDMG Instrumental lhe trouxe a chance de convidar a saxofonista Gaia Wilmer para participar de seus shows no CCBB-BH e no Sesc Brasil, na capital paulista. “Ela também participará do meu disco. Inicio as gravações em agosto, outra oportunidade dada pela premiação”, diz.

Na competição, o flautista resgatou suas origens, propondo experimentações na música afromineira e afrobrasileira, ferramentas de pesquisa dele. Apresentou as autorais “Obrigada mestre!”, “Baba” e “Moçambique pro cria”.





Uma das maiores influências de Sillas foi o maestro baiano Letieres Leite, que morreu de COVID-19, em 2021. “O Letieres esteve na Geraes Big Band, em 2019, e mudou a minha vida. Me fez pensar em coisas que não havia reparado”, conta.

“Infelizmente, ele nos deixou. Por isso fiz ‘Obrigada mestre!’ para homenageá-lo. Já em ‘Baba’, que em iorubá significa pai, homenageei o meu pai, que me inseriu na música. E também meus professores e professoras, minhas referências e meus amigos da Babadan Banda de Rua”, conta.

Já “Moçambique pro cria” foi composta por ele para o percussionista Acauã Renne. “É um congado para um ogã do candomblé”, explica. Sillas apresentou aos jurados o arranjo para “Honra ao rei”, de seu ídolo Letieres Leite.





Sillas Prado conta que buscou, durante a premiação, dar visibilidade “à cena afromineira que está acontecendo em Belo Horizonte”, citando trabalhos autorais de William Alves, Juventino Dias, Acauã Renne e da Babadan.

 
Rodrigo Mendonça e Flávio Danza apostam no repertório autoral (foto: Élcio Paraíso/divulgação)

Duo nasceu em Poços de Caldas

O carioca Flávio Danza e o paulista Rodrigo Mendonça começaram a trabalhar juntos na banda Guaimbê, formada durante a pandemia em Poços de Caldas, no Sul de Minas.

“Chegávamos mais cedo no ensaio e começávamos a tocar. Por conta da nossa afinidade, formamos o duo”, conta o flautista Rodrigo. Em 2021, a dupla, dedicada ao respertório autoral, gravou o primeiro EP.





Formado em flauta transversal pela Universidade Federal da Bahia, o interesse de Rodrigo pela flauta-doce surgiu aos 7 anos. Aos 12, estudou flauta transversal e, em 1995, passou para o saxofone, quando se mudou para Salvador.

AXÉ 

“Passei pelo circuito de axé music e trios elétricos, atuei por sete anos na Orkestra Rumpilezz, criada por Letieres Leite”, conta. Ele jamais vai se esquecer da oportunidade de tocar com Gilberto Gil, quando integrava esse grupo.

Flávio Danza trabalhou por 15 anos como arquiteto e urbanista. “Mesmo envolvido com música, a atividade era mais um hobby”, diz. Aos 8, o carioca começou a tocar teclado. “Aos 12, me encontrei com o violão, mas a vida foi me levando para o caminho da arquitetura”, diz.

Em 2016, Flávio se profissionalizou como músico e voltou a Poços de Caldas, onde havia morado durante muitos anos. “Consegui virar a chave sobre a minha atividade profissional. Notei que precisava me dedicar à música após a morte do meu grande amigo Danilo Schultz, aos 33 anos, violonista supertalentoso.”





Durante o concurso, o duo apresentou “Outros carnavais”, de Rodrigo, “Céu e sonho” e “Sorriso da Lua”, ambas de Flávio. Criaram um arranjo para “Síntese”, de Heraldo do Monte.

“Escolhemos estsa canção porque além de combinar com a formação de duo, ela faz parte do disco 'Quarteto Novo' (1967), nome do grupo de Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte”, afirma Danza, explicando que se trata de um dos álbuns mais emblemáticos da cena instrumental brasileira. 

O trompetista Ulisses Luciano assume novo caminho em sua carreira (foto: Élcio Paraíso/divulgação)

Ulisses agora  virou “solo”

O trompetista Ulisses Luciano é músico desde criancinha. Começou aos 10, numa escola pública do Recife, onde nasceu. Muito jovem, ganhou bolsa no Conservatório Pernambucano de Música e se dedica ao ofício há 25 anos. Tem bacharelado em música popular pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).




 
A paixão pelo trompete veio casualmente, pois inicialmente seu interesse era aprender saxofone, mas o instrumento não estava disponível na escola dele. “Me ofereceram o trompete e aceitei, só para começar a tocar. Porém, foi amor à primeira vista”, diz.

NIVALDO 

Ulisses trabalhou com diversos artistas, entre eles saxofonista Nivaldo Ornelas, um dos destaques do Clube da Esquina. Fez parte da Jazz Mineiro Orquestra, apresentando-se com craques do instrumental no estado, como Juarez Moreira, Toninho Horta, André “Limão” Queiroz, Cléber Alves e Mauro Rodrigues.

O trompetista já acompanhou Léo Jaime, Dado Villa-Lobos, Sandra de Sá, César Menotti e Fabiano, Sá e Guarabyra, Flávio Venturini, Maria Gadú e Sideral. O BDMG Instrumental veio lhe dar a oportunidade de apresentar seu trabalho autoral.





“Sou bastante ativo na cena, mas a premiação me forçou a assumir um trabalho próprio e recuperar composições guardadas nas gavetas. Então, é uma nova proposta para a minha trajetória”, explica Ulisses.

Para participar da competição, o trompetista escolheu fazer arranjo para “Jogral”, de Djavan e Filó Machado, um de seus ídolos. Ele apresentou as autorais “Manhã na estrada”, maracatu que remete a Pernambuco; “PentAfro”, com pegadas do afrojazz; e “Praia da Barra”, mistura de samba-funk e partido-alto. 

* Estagiária sob supervisão  da editora-assistente Ângela Faria