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Estado de Minas ESPECIAL INHOTIM

Com natureza exuberante, Instituto de Arte mudou a perspectiva do público

A abertura do museu em Brumadinho, em 2006, contribuiu para estabelecer um novo paradigma na fruição de artes visuais


12/06/2022 07:30 - atualizado 12/06/2022 07:31

Vista geral da galeria True Rouge, em Inhotim, que abriga instalação de Tunga
A galeria True Rouge, que abriga obra do pernambucano Tunga (1952-2016), foi instalada em 2002 (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Com enorme felicidade, como público – não como quem escreve sobre arte –, comemoro que eu estava errado.” Com essas palavras, o crítico de arte Walter Sebastião sintetiza uma primeira impressão, de desconfiança, que Inhotim lhe causou, no momento de sua inauguração, e como avalia o desenvolvimento do Instituto ao longo dos anos, até os dias atuais.

Ele classifica como “maravilhosa” a forma como o projeto criado pelo empresário Bernardo Paz no início dos anos 2000 evoluiu, driblando armadilhas que, porventura, pudessem surgir pelo caminho. “Era uma instituição nova e inovadora, que surgiu abrindo espaços, e isso causou uma estranheza, porque não tem jeito, o novo sempre causa estranheza”, afirma, remontando a 2006, ano em que Inhotim abriu as visitações em dias regulares para o grande público.

O embrião do projeto, no entanto, se situa em 2002, quando foi fundado o Instituto Cultural Inhotim, instituição sem fins lucrativos destinada à conservação, exposição e produção de trabalhos contemporâneos de arte, ações educativas e sociais – o que Bernardo Paz idealizava desde a década de 1980. 

Também em 2002 foi inaugurada a galeria True Rouge, a primeira dedicada exclusivamente a uma obra de arte – no caso, assinada por Tunga, artista que influenciou decisivamente na criação de Inhotim.

Em 2005, houve o início das visitas pré-agendadas das escolas da região de Brumadinho, onde o Instituto está situado, e de grupos específicos. A partir da abertura para o público em geral, no ano seguinte, o Instituto contabilizou conquistas e cresceu de forma exponencial, em todos os sentidos. Em 2008, ano em que foi inaugurada a Galeria Adriana Varejão, o Inhotim foi reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) pelo Governo de Minas Gerais.

Em 2009, foram inaugurados nove novos destinos, com obras icônicas, como “Beam drop Inhotim”, de Chris Burden; “De lama lâmina”, de Matthew Barney; “Folly”, de Valeska Soares; “Narcissus garden Inhotim”, de Yayoi Kusama; “Piscina”, de Jorge Macchi, e “Sonic pavilion”, de Doug Aitken. Em 2010, quando o Instituto foi reconhecido como Jardim Botânico pela Comissão Nacional de Jardins Botânicos, foram inauguradas as galerias Cosmococa e Miguel Rio Branco.
 
Para se ter uma ideia do ritmo de expansão, Inhotim demorou seis anos, de 2006 a 2012, para atingir a marca de 1 milhão de visitantes. Depois, precisou de apenas mais três anos para dobrar essa marca, em 2015, e outros três para chegar, em 2018, aos 3 milhões de visitantes.

Hoje o Instituto abriga cerca de 700 obras de mais de 60 artistas, de quase 40 países, que são exibidas ao ar livre e em galerias em meio a um Jardim Botânico com mais de 4,3 mil espécies botânicas raras, vindas de todos os continentes.

Museu singular

“O Inhotim é um museu absolutamente singular, inserido num contexto que convida o público a uma experiência única de integração entre arte e natureza, cultura e ecologia. Visitar o Inhotim produz uma relação totalmente nova e ressignifica a relação entre corpo, obra e natureza”, aponta o diretor-presidente do Instituto, Lucas Pessôa.

Ele considera que Inhotim seja uma das iniciativas culturais mais importantes e certamente a mais radical do século 21 no mundo. “Inhotim é para este século o que os museus modernos, como Moma e MAM, foram para o século 20, e os enciclopédicos, como Metropolitan e Louvre, representaram para o 19”, afirma.

Walter Sebastião observa que quando Inhotim foi aberto, não era comum uma instituição que abrigasse instalações ou obras experimentais. Essas obras existiam, conforme ele destaca, mas ficavam encaixotadas nos ateliês e só vinham à luz de maneira pontual, esporádica, em salões ou bienais de arte – não ficavam em exposição permanente.

“A contribuição notável de Inhotim é criar um espaço para essas obras, um lugar para trabalhos que pesquisavam a arte, que abriam o campo das artes para os mais diversos caminhos. Inhotim agrupou, em exposição permanente, essas obras que eram apresentadas e discutidas, mas que não tinham um lugar”, aponta.

Lucas Pessôa observa que o Instituto lançou um novo paradigma para obras site specific, em uma escala e diálogo com a paisagem que são únicos. “No global, Inhotim é uma iniciativa pioneira, que possibilitou a artistas contemporâneos reconhecidos mundialmente realizar projetos que em museus convencionais não seriam possíveis”, diz.

Walter Sebastião considera que o público sempre adorou Inhotim, “porque o lugar é lindo”, mas que o próprio círculo das artes viu a iniciativa, num primeiro momento, com desconfiança. “A crítica conservadora, com Ferreira Gullar à frente e uma penca de jornalistas desinformados seguindo atrás, vivia falando mal dessas obras, sob o argumento de que elas não tinham público”, pontua.

“Quando Inhotim faz um sucesso enorme de público, ele cala a boca dessa crítica reacionária; ele mostra que a arte contemporânea toca em questões que são de todos – meio ambiente, formação das cidades, imigração, êxtase dos sentidos, feminismo, essas coisas todas, e isso, obviamente, toca o público”, completa, dando a medida do impacto que o surgimento de Inhotim teve para o cenário das artes visuais no país.
 
Imagem caleidoscópica de rosto de mulher vista através da obra 'Viewing machine', de Olafur Eliasson
"Viewing machine", obra do islandês Olafur Eliasson, uma das apostas acertadas do Inhotim (foto: Mauro Pimentel/AFP)

Acesso permanente

É importante para o estado e para o país que seja dado ao público o acesso permanente a esse tipo de obra, segundo o crítico. Ele recorda que, no contexto de alguns anos atrás, um segmento considerável da produção artística nacional e internacional estava restrito às coleções particulares e só vinha a público em exposições temporárias.

“Acho significativo que o acervo de Inhotim promova um diálogo entre o local e o universal, sem provincianismo. A arte brasileira tem certo arrojo. Ela é muito ambiciosa, no bom sentido, porque falando do Brasil, ela quer falar do mundo. Colocando isso em diálogo você rompe um contexto meio paroquial que havia”, assinala.

Sebastião não hesita em dizer que Inhotim estabeleceu um novo paradigma em termos de museus e espaços expositivos em geral. “Ele mostra – ou traz à tona a discussão sobre – o que pode ser um museu contemporâneo de arte, e não um museu de arte contemporânea. Inhotim não trata a arte contemporânea como estilo”, diz.

O crítico destaca que o Instituto criou um novo parâmetro porque o conjunto é muito bem pensado – da disposição das obras e edificações até o atendimento ao público –, de forma a dar maior brilho ao acervo. “Não é uma coleção que quer ter tudo, sem ser dogmática; ela tem um perfil, ostenta um interesse claro, que tem amadurecido ao longo dos anos”, diz.

No início, a crítica especializada considerou, no geral, Inhotim um ambiente elitista, de ostentação, segundo Sebastião. Ele próprio se inclui nesse rol.  “Era algo que soava artificial, mas amadureceu de forma extraordinária e hoje é um lugar para todos, um lugar de diversão, de prazer, de estudo, de conhecimento, de descobertas. É muito importante defender esse acervo”, afirma, chamando a atenção para o fato de que Inhotim é um espaço aberto também para outras manifestações, como a música, além de ser uma referência de jardim botânico. “São muitas camadas”, ressalta.

Ele identifica num padrão atual de pesquisa e apresentação de obras de arte um reflexo do que foi o surgimento de Inhotim. Sebastião acredita que esse novo panorama contrabalança um contexto institucional brasileiro que é muito precário, “com instituições públicas carentes de verbas e de pesquisa mais apurada da arte brasileira – não só a contemporânea”.

"Existem hoje, em 2022, pencas e pencas de artistas maravilhosos, que a gente não conhece ou conhece mal. Inhotim é um museu especial, uma instituição muito singular. Então, por um lado, é difícil de ser repetida, mas, por outro, os agentes do universo das artes podiam ter um pouquinho de ousadia e tentar trilhar os caminhos que Inhotim abre, cada um na medida da sua possibilidade”, opina.

Aposta no futuro

Ele diz que, nesse sentido, Inhotim apontou para o futuro. Essa aposta, segundo o crítico, se mostrou acertada, já que muitos dos artistas cujas obras o Instituto trouxe para seu acervo e para seu espaço expositivo alcançaram outro status de importância e reconhecimento ao longo dos últimos anos.

“Ao invés de criar uma coleção de grandes nomes, Inhotim criou uma coleção de boas obras. Alguns dos autores eu não conhecia, não tinha ouvido falar muito, e acredito que também não reverberassem fora do Brasil. Um artista como Olafur Eliasson, que era pouco conhecido há 10 anos, é hoje um grande nome das artes visuais, tema de documentário na Netflix. Chris Burden é outro grande nome, que acho que até hoje não recebeu a atenção merecida. Com o tempo, Inhotim continuou somando, o projeto amadureceu”, diz.

A Cosmococa, de Helio Oiticica e Neville D’Almeida, o pavilhão do Tunga, as galerias de Adriana Varejão, Rivane Neuenschwander e Miguel Rio Branco também estão entre os espaços expositivos que Sebastião destaca no conjunto do Inhotim. “Tem obras que, inclusive, vão além do simplesmente artístico, como as fotos das comunidades indígenas da Claudia Andujar; é uma obra que, hoje, se torna contemporânea”, aponta.

Ele ressalta outro aspecto, que embute um elogio ao núcleo curatorial inicial: “Não se trata de uma coleção ou um museu criado a partir de uma teoria. É uma instituição que se adapta à arte, pensada levando-se em consideração uma fidelidade absoluta ao que a obra de arte propõe ou pede, inclusive em termos espaciais”.

Propósitos cumpridos

Paula Azevedo, diretora vice-presidente de Inhotim, pontua que, mesmo fora de um contexto urbano, o Instituto já recebeu cerca de 4 milhões de visitantes de diferentes países e atendeu a mais de 800 mil crianças, adolescentes e adultos em programas socioeducativos.

“Além disso, ajudou a impulsionar a economia local, gerando empregos qualificados. Atualmente, cerca de 80% dos colaboradores do museu são residentes de Brumadinho e cidades vizinhas. Agora, com a doação, essa vocação pública de Inhotim se consolida”, diz, celebrando a doação definitiva do acervo por parte do criador de Inhotim.

“Esse gesto do Bernardo, de desprendimento e generosidade, é algo sem precedentes, e constitui a maior e mais importante doação privada individual da história da cultura brasileira. Esperamos que sirva de exemplo para tornar públicas outras iniciativas privadas”, afirma.


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