A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais apresenta, nesta quarta-feira (15/6), o concerto de encerramento da 11ª edição do Festival Tinta Fresca, que foi retomado após dois anos de pausa em razão da pandemia.
O público que comparecer à Sala Minas Gerais vai conferir as cinco obras inéditas selecionadas por um júri formado pelos compositores André Mehmari, Leonardo Martinelli e Paulo Zuben. A entrada é gratuita, mediante retirada antecipada de ingresso no site da filarmônica.
As obras finalistas do Festival Tinta Fresca – que se dedica a revelar novos compositores – são “Bartokianas brasileiras nº 1”, de Jônatas Reis (MG); “Sublimações antárticas”, de Rubens Fonseca (MG); “Iniciação nas cores”, de Martim Butcher (SP); “Cores dissolutas”, de Willian Lentz (PR), e “Isocronia”, de Marcelo Bellini Dino (SP). O concerto também terá transmissão ao vivo pelo canal da filarmônica no YouTube.
Maestro associado da orquestra desde 2020, José Soares faz sua estreia no Festival Tinta Fresca. Ele diz que os cinco finalistas oferecem um cardápio variado e que este é um momento intenso para todos os envolvidos.
“Escrever música orquestral é um desafio, porque a gente lida com mais de 400 anos de história de desenvolvimento dessa linguagem. O compositor de hoje se coloca diante de tantos caminhos que podem ser seguidos que é necessário que ele seja dotado de certas técnicas para que uma obra seja realizável”, aponta.
Desafio da execução
Soares observa que o desafio proposto pelo festival está não só na composição, mas também na execução. “Para nós, é uma aventura com ‘A’ maiúsculo. Temos quatro ensaios para trabalhar cinco obras diferentes em termos de estilos e de abordagens. É uma responsabilidade muito grande mostrar peças que nunca foram tocadas. É intenso para mim e para os músicos, porque leva um tempo para você criar intimidade com uma obra inédita”, observa.
O processo de leitura da partitura de uma música nova é mais lento, segundo Soares, mas ele ressalva que, diferentemente do que se possa imaginar, não há muita diferença entre reger uma obra inédita e uma clássica.
“Existe um pouco essa visão de que é mais fácil conduzir uma peça consagrada, porque você já tem a melodia no ouvido, o maestro já sabe o bailado, mas não é bem assim. São situações diferentes, claro, mas o que a gente tenta sempre é proporcionar a quem escuta uma experiência de estar ouvindo pela primeira vez, mesmo que seja a ‘5ª Sinfonia’ de Beethoven”, diz.
As músicas novas dão um trabalho adicional, segundo o maestro, porque a orquestra tem que se inteirar de diferentes tipos de escrita e de linguagem, encarando uma organização da partitura com que nem sempre se trabalha no dia a dia. “Mas até isso depende muito, porque, mesmo a peça sendo difícil, se ela tem uma boa construção, oferece maior praticidade para ser lida, vai funcionar mais rapidamente”, aponta.
Pontos em comum
Apesar da diversidade que os cinco finalistas representam, é possível identificar alguns pontos em comum entre algumas obras. Soares observa, de início, que duas delas têm títulos que falam de cores, o que é uma forma de traduzir a composição. “Temos a ‘Cores dissolutas’ e a ‘Iniciação nas cores’. Esta última remete um pouco a outra peça, ‘Sublimações antárticas’, no sentido de que ambas passam por uma coisa mais pontilhista, mais atmosférica”, diz.
Avaliando as demais composições que serão apresentadas, ele diz que o nome “Bartokianas brasileiras nº 1” entrega as balizas da obra de Jônatas Reis, já que faz referência explícita ao compositor húngaro Béla Bartók, mas não deixa de lado um tempero brasileiro.
“É uma obra que também faz referência indireta a Villa-Lobos, que escreveu as ‘Bachianas brasileiras’. A outra composição, ‘Isocronia’, é uma peça com um estilo mais minimalista, é mais rítmica. É interessante ver como os autores dispõem as coisas de acordo com um determinado pensamento musical”, observa.
Pela terceira vez integrando o júri do Festival Tinta Fresca, André Mehmari considera que, entre os cinco finalistas, as diferenças falam mais alto do que eventuais semelhanças. Ele observa que a música orquestral contemporânea não segue uma grande linha, não há um modelo ou escola que se imponha e que, portanto, o natural é que haja variedade.
“O bonito dessas cinco obras é que elas têm linguagens diferentes, então quem for ver o concerto vai ter um menu bastante variado no prato. A questão dos estilos atualmente não é tão determinante, então o que existe é a música boa e a música ruim. Se numa seleção de cinco obras você tiver todas com a mesma estética, tem aí o problema de um júri enviesado, o que não é o caso”, diz.
Processo harmonioso
Ele aponta que o processo de escolha das cinco finalistas, a partir de um conjunto de 39 inscritos para esta edição 2022, foi harmonioso. “Tivemos uma única reunião e chegamos a um resultado muito consistente. A gente ficou feliz com a qualidade das obras. Eram muitas, mas a gente chegou a um resultado que nos pareceu o mais justo e mais correto dentro das propostas apresentadas”, afirma, acrescentando que o nível das composições, no geral, está muito bom.
Num primeiro momento, os três integrantes do júri eliminaram o que claramente não tinha condições de passar no crivo, por trazer erros básicos de escrita ou não conter uma proposta artística clara, conforme diz Mehmari.
“Depois, numa peneira mais fina, a gente tenta avaliar qualidade técnica, consistência formal, capacidade de orquestração e assunto musical, porque muitas obras têm qualidade técnica, mas não têm assunto”, diz o pianista e compositor, que há mais de 20 anos escreve peças orquestrais sob encomenda.
“Fiquei bem satisfeito com a seleção e acho que teremos um belo espetáculo, tendo em vista que a filarmônica é uma orquestra de altíssimo nível e, para executar essas peças, é necessário que seja, porque é um material difícil”, ressalta. Ele aponta que o Festival Tinta Fresca oferece um belo panorama da composição orquestral no Brasil na atualidade, revela autores e obras de excelência, mas pondera que este é um cenário que ainda pode melhorar muito.
Mais orquestras
“O que falta são mais orquestras para levar a público esse material. Transito por esse meio há muitos anos, então conheço bem. É um problema as encomendas serem tocadas só uma vez, isso deixa o compositor frustrado, porque a obra precisa amadurecer e isso só se dá por meio da execução. O Brasil odeia a cultura, particularmente neste momento, encabeçado pelo imbecil-mor da nação. É um país que nunca privilegiou a cultura e a educação, que caminham juntas”, diz.
José Soares também identifica um potencial enorme que, no entanto, ainda encontra uma grande dificuldade para se concretizar. Ele diz que o país tem uma oferta notável de talentos musicais, assim como em outras áreas da expressão artística. “Infelizmente, muitas vezes a gente não consegue chegar a todos eles porque o cobertor é pequeno e o país é muito grande. A filarmônica consegue apresentar esse panorama, que é muito positivo”, diz.
O maestro explica que, pela dinâmica do Festival Tinta Fresca, as cinco obras que serão apresentadas amanhã voltam a ser avaliadas pelo júri. O próprio maestro e os músicos da orquestra também votam.
O autor da obra mais bem pontuada receberá encomenda de peça sinfônica inédita a ser estreada na temporada 2023 da Filarmônica de Minas Gerais. “É uma encomenda profissional, o músico recebe para fazer a obra, acompanha a semana de ensaios, então funciona como um lançamento da carreira desse músico”, destaca.
NA COMPETIÇÃO
Confira quem são os finalistas da 11ª edição do Festival Tinta Fresca
» “Bartokianas brasileiras nº 1”, de Jônatas Reis (Belo Horizonte, 1976)
Jônatas Reis estudou na Escuela Superior de Música José Ángel Lamas, na Venezuela, e é bacharel em composição pela UFMG. No seu repertório destacam-se obras de caráter sinfônico, com as quais venceu vários concursos e festivais nacionais. Venceu o Tinta Fresca 2015 e, em 2016, a filarmônica estreou a sua peça “Evocações sagradas”.
»“Sublimações antárticas”, de Rubens Fonseca (Contagem, 1985)
Rubens Fonseca estudou violão e contrabaixo no Cefart, da Fundação Clóvis Salgado, e graduou-se em composição na UFMG. Foi finalista no concurso Bruno Maderna Competition 2016, na Ucrânia, com seu quarteto de cordas Monadas.
»“Iniciação nas cores”, de Martim Butcher (São Paulo, 1987)
Martim Butcher realizou seus primeiros estudos musicais em São Paulo, com Chico Saraiva. A partir de 2009, viveu na Argentina, onde se formou em composição pela Universidad Nacional de La Plata e atuou como violonista e compositor, transitando entre a música popular e a erudita. De volta a São Paulo em 2016, dedicou-se, nos últimos anos, à composição orquestral. Conquistou o 1º prêmio no Festival Tinta Fresca 2018 com a obra “Stretching before and after”.
»“Cores dissolutas”, de Willian Lentz (Curitiba, 1986)
Willian Lentz é doutorando em composição na Unesp, mestre em música pela UFPR e bacharel em composição e regência pela Unespar. Recebeu encomenda da obra “A máquina entreaberta” para o 23º Festival Amazonas de Ópera. Frequentou o Valence International Performance Academy & Festival, na Espanha. Trabalha como coordenador e maestro da Orquestra de Cordas da Fundação Solidariedade.
»“Isocronia”, de Marcelo Bellini Dino (São Paulo, 1972)
Marcelo Bellini Dino é graduado em composição e regência pela Unesp, mestre e doutorando pela USP. Desde 1996, compõe ativamente música para televisão. Foi vencedor do Festival Tinta Fresca 2017 e segundo lugar na edição 2019. Em 2018, a filarmônica estreou sua obra “Aurora borealis”. É professor na Universidade Anhembi-Morumbi.
Fonte: Filarmônica de Minas Gerais
11º FESTIVAL TINTA FRESCA
Concerto de encerramento, nesta quarta-feira (15/6), às 20h30, na Sala Minas Gerais (Rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto, 31.3219-9000). Entrada franca, mediante retirada antecipada de ingressos pelo site da Filarmônica, limitada a quatro ingressos por pessoa. Não haverá distribuição de ingressos no momento do concerto. O concerto terá transmissão ao vivo pelo canal da Filarmônica no YouTube.