Virginie Boutaud tem 59 anos, é viúva e vive com a filha caçula na região de Toulouse, no Sul da França, há uma década. Deixou o Brasil em 1997 e, a despeito da distância (temporal e física), sua voz voltou a ser ouvida por aqui em músicas recentes, lançadas durante a pandemia.
Dividiu com Nasi e Edgard Scandurra “Efeito dominó”, a melhor canção do álbum “Ira!” (2020), um épico de quase oito minutos, bilíngue, com forte acento folk. Com Fernanda Takai, foi coautora e também dividiu os vocais de “O amor em tempos de cólera”, do álbum “Será que você vai acreditar?”, lançado em 2020 pela cantora mineira e que somente neste ano chegou aos palcos, devido à pandemia. No mês passado, Viriginie lançou o clipe de “Sur une plage du Brésil”, registrado com Arrigo Barnabé em 1988 e recuperado agora, depois que uma fita intacta da gravação foi encontrada.
A voz doce, seja em francês ou português, é inconfundível. Foi Virginie, musa da new wave brasileira, quem capitaneou, entre o final dos anos 1970 e meados dos 1980, a banda Metrô. Ainda hoje, tanto tempo depois, ela recebe comentários nas redes sociais de novos ouvintes de “Tudo pode mudar”, “Sândalo de dândi”, “Johnny Love” e “Beat acelerado”.
COMENTÁRIOS
“Desde que cheguei na França, em 2012, me reaproximei do Brasil graças à internet (principalmente por meio do canal Metrô – Virginie no YouTube, alimentado constantemente). Fico impressionada com o número de visualizações e audições. O álbum ‘Olhar’ (1985) continua fazendo sucesso, como se fosse de agora. E os comentários são de dois tipos: ‘Como era bom nos anos 80’ ou ‘Nasci em 2000 e estou gostando muito das suas músicas’”, comenta.
O Metrô surgiu da reunião de cinco colegas franco-brasileiros que se conheceram no Liceu Pasteur, em São Paulo: Virginie Boutaud (vocais), Alec Haiat (guitarra), Yann Laouenan (teclados), Xavier Leblanc (baixo) e Dany Roland (bateria). Primeiramente com o nome A Gota Suspensa, lançaram um álbum homônimo (1983). Mas foi com o disco “Olhar”, já com o nome Metrô, que fizeram sucesso Brasil afora.
“(Na época) Teve mulheres que me inspiraram, como Rita Lee, Maria Alcina, que eram poderosas na música. Por estar à frente de uma banda, acabei inspirando outras. A Fernanda Takai e a Érika Martins (ex-Penélope, atual Autoramas) já me disseram isto, que, ao me verem na frente de uma banda, pensaram: ‘Por que eu não poderia fazer isto, já que ela está fazendo?’. Mas eu, pessoalmente, não me vejo como precursora”, afirma ela.
Virginie saiu do grupo em 1986, um ano após o lançamento deste álbum – o Metrô seguiu, com novo vocalista, para mais um disco, “A mão de Mao” (1987), que não teve a repercussão esperada. A banda se desfez no final daquela década. Reuniu-se novamente, com Virginie de volta, em 2002, no disco “Déjà vu”.
Fora do Metrô, ela montou o projeto Virginie & Fruto Proibido, que lançou um único álbum, “Crime perfeito” (1988), cuja faixa “Más companhias” emplacou na novela “Fera radical”. Na época, também gravou com João Penca e os Miquinhos Amestrados, Supla, Kid Vinil e Arrigo Barnabé, entre outros.
MUDANÇA
Chegaram os anos 1990 e Virginie fez nova mudança. Com o marido, o diplomata francês Jean-Michel Manent, deixou o país em 1997. Sua filha mais velha, Marie Hélène, chegou a nascer no Brasil, mas a segunda, Mélanie, nasceu na Namíbia, primeiro país onde o casal viveu. De lá foram para Nantes, na França, depois Moçambique, Uruguai e Madagascar – chegaram a Toulouse há uma década.
“Mesmo morando fora do Brasil, eu sou muito brasileira. Aliás, percebi depois de morar em vários países que a coisa toda é uma só”, afirma ela, que costumava visitar o país natal uma vez por ano.
Ficou sem vir durante quatro anos: “As eleições (de 2018) me cortaram o barato, não quis mais ir, e depois teve a pandemia”. Retornou recentemente para nova temporada de quatro meses – no período, fez uma participação no show de Fernanda Takai no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.
Neste mês, Virginie foi a um show do uruguaio Jorge Drexler, em Toulouse. “É como ele diz na música (‘Movimiento’), o que não se move acaba por morrer. Não consigo ficar parada, então estou na militância pela causa animal, contra o racismo, a homofobia. Sinto que há um movimento, talvez a COVID tenha provocado isto, de união, uma sensação de pertencimento a um todo. Vejo que grupos se organizaram e fortaleceram e, cada vez mais, têm ocupado seu espaço de fala”, diz ela.
Em meio à militância, ela sonha em fazer seu próprio disco. “Neste momento estou trabalhando em composições em parceria. Há alguns anos, comecei uma garage band aqui em casa, então estou mais à vontade para fazer arranjos, experimentar. Não sei se vai ser um álbum ou se vou continuar lançando singles. Mas sei que é muito rico o intercâmbio com as pessoas.”
A lista de parcerias abrange nomes diversos. Gravou “Nos mapas do universo”, com letra de Guilherme Arantes, composição de Yann Laouenan e produção do Apollo 9. “Não é exatamente ‘Sândalo de dândi’, mas tem a mesma cor. Foi composta quando o Jean-Michel faleceu (em 2015) e o Yann criou a música inspirado pelo momento. Estamos trabalhando no clipe, captando imagens, tudo bem bonito”, ela comenta.
''O que não se move acaba por morrer. Não consigo ficar parada, então estou na militância pela causa animal, contra o racismo, a homofobia. Sinto que há um movimento, talvez a COVID tenha provocado isto, de união, uma sensação de pertencimento a um todo. Vejo que grupos se organizaram e fortaleceram e, cada vez mais, têm ocupado seu espaço de fala''
Virginie, cantora e compositora
Outro parceiro é o veterano cantor e compositor Ivor Lancelotti, que conheceu na passagem mais recente pelo Brasil. “É um grande compositor de samba do Rio e, por coincidência, minha irmã mora no mesmo andar que ele.” Os dois se conheceram, mas só depois que Virginie voltou para a França é que ele enviou canções para que ela fizesse a letra. “As melodias são muito ricas, cada música tem uma referência diferente.”
Além destas inéditas, há também trabalhos já lançados. O tom é bem diverso: Virginie gravou duas faixas do álbum “Bertolt Brecht”, de Robert Gava, que fez versões em português e musicou poemas do dramaturgo alemão e também se uniu a um time de sete mulheres (Érika Martins, Luisa Matsushita, ex-Cansei de Ser Sexy; Maria Paraguaya, entre outras) para o projeto Bruxas Exorcistas – o primeiro single, de 2021, se chama “Vade retro, Satanás”.
Quanto ao Metrô, Virginie se reuniu com a banda em 2014, a convite do próprio Liceu Pasteur. Veio da França numa sexta, fez o show no sábado e, no domingo, já estava de volta em casa. No ano seguinte, a banda iria se reencontrar em São Paulo na Virada Cultural – a morte do marido de Virginie provocou o cancelamento do show.
“O Yann mora hoje na região de Jericoacoara, com pranchas de windsurfe, diz que fechou a tampa e está a fim de ficar em paz. O Alec está retomando a carreira, relançando algumas coisas e o Dany vem trabalhando muito com produção de música, de trilha. Todos nós temos um caminho sendo traçado. É uma coisa que pode voltar. Ou não”, conclui Virginie.