Jornal Estado de Minas

CINEMA

Rodado no galinheiro, curta mineiro 'ANA' é finalista de festival em Cannes

Cenas de "ANA" foram filmadas durante o isolamento social, no auge da pandemia de COVID-19 (foto: Leandro Miranda/divulgação)


Gravado em julho do ano passado, em plena pandemia, o curta-metragem “ANA”, com a atriz e produtora mineira Ana Cândida, é finalista do Cannes World Film Festival. O texto é da artista, escritora, letrista e jornalista Brisa Marques. Carolina Correa assina a direção, com fotografia de Leandro Miranda.





“O texto traz um pouco da minha história, trabalhamos com autoficção. Fala um pouco de mim, entre outras coisas”, diz Ana Cândida. “Acabou que resolvi me inscrever – aliás, continuo me inscrevendo em alguns festivais – e ‘ANA’ foi para Cannes. É um festival para curtas com pouco orçamento”, explica.

TEATRO DOS SENTIDOS

A mineira comemora o reconhecimento vindo de festival tão importante. “O curta tem oito minutos e foi filmado em minha casa, dentro do galinheiro, quando ainda estávamos confinados”, conta. “A gente traçou um paralelo entre o galinheiro e o isolamento. A Carolina Correa trouxe um pouco do teatro dos sentidos”, diz.

Inicialmente, o projeto focou no resgate das memórias da infância e adolescência dela, mas o texto foi mudando ao longo do tempo. “É autoficção, porque nem tudo o que dizemos sobre nós é verdade”, ressalta a atriz. “Inventamos muita coisa.”





De acordo com Ana Cândida, trata-se da história de uma mulher durante o isolamento social, que sente vários outros tipos de confinamentos. Ela diz que já se sentia assim antes mesmo da pandemia da COVID-19.

O curta também remete ao lugar da mulher no mundo. “Traz um pouco da ancestralidade, falando da bisavó que se suicidou, porque não pôde viver uma paixão”, comenta.


O filme “ANA” também aborda a liberdade da mulher para viver suas paixões. “Até que ponto a gente é livre? Até que ponto a gente quer lutar por essa liberdade?”, pergunta Ana Cândida.

Durante o pandemia, a personagem observa o galo e as galinhas. O poder do macho sobre as fêmeas. “Quando ela fala do machismo, pega o gatilho desse galo, que representa o patriarcado. Tudo isso virou o curta”, diz Ana Cândida.





O filme ainda não está disponível no streaming porque esta é a regra para participar de festivais. “Pretendo colocar no YouTube assim que puder. E fazer um lançamento na internet”, adianta. Com a boa recepção dos festivais, essa estreia para o público deve demorar um pouco.
 
 

O propósito da atriz – e personagem – é abrir um diálogo com o espectador por meio de passagens de sua vida, de suas angústias, medos e prazeres.

“Falar sobre mim e revelar um pedaço de minha casa é a maneira que encontrei de me comunicar com o público. Percorri minhas memórias mais profundas”, diz ela.

“O filme é um diálogo que gostaria de propor para nós, mulheres, e aos homens sobre como a gente pode mudar certas estruturas. Ainda é muito forte a questão do patriarcado, do machismo. Se olharmos à nossa volta, vemos que nossas avós e bisavós sofreram questões parecidas com as nossas, que muitos pensam ser absurdas. Mas elas ainda existem. A gente não vê ou não consegue enxergá-las. É esta a reflexão que gostaria de propor”, reforça.



Cenário doméstico é quase 'personagem' de "ANA" (foto: Leandro Miranda/divulgação)

PLANOS 

Ana Cândida deseja fazer outros curtas-metragens e até mesmo longas, mas reconhece que é preciso encontrar parceiros para esses projetos.

“Temos de criar as nossas próprias oportunidades, porque se depender de esperar alguém nos chamar, fica difícil. Descobri agora, nesta etapa da minha carreira, que ou crio para mim ou não vai dar. Principalmente em Belo Horizonte, onde o audiovisual tem menos produções”, explica. “Sinto que esse é o caminho.”

O festival realizado em Cannes, na França, é anual. “Ele tem a competição mensal. Se der certo para a gente, concorreremos a uma exibição no grande Festival de Cannes.”

CARREIRA 

Com 15 anos de carreira, Ana Cândida participou de peças escritas por Shakespeare, Lewis Carroll e Clarice Lispector. Também representou Antígona, de Sófocles, em uma produção franco-brasileira.

Em 2019, a atriz e produtora fez imersão artística na escola William Esper Studio, em Nova York, e prossegue estudando, buscando orientação de especialistas no Brasil, EUA e Europa.