Nunca houve mulher como Danuza. Com o perdão do clichê, a morte de Danuza Lofego Leão, aos 88 anos, vítima de complicações respiratórias decorrentes de enfisema pulmonar, deixou o Brasil ainda mais triste, menos inteligente e muito, mas muito menos divertido.
PODER
Foi musa de Antônio Maria (1921-1964), o aclamado cronista autor do repertório de samba-canção que fez história. A chique Danuza, mãe dos três filhos de Wainer, deixou Samuel para viver seu amor pelo pobretão, ciumentíssimo, gordo e brilhante pernambucano, autor do clássico “Ninguém me ama”. Ficaram juntos três anos. Separaram-se, ela se juntou ao ex Samuel, em Paris. O ex-poderoso foi forçado a sair do país pela ditadura dos generais.
Danuza não ficou à sombra de ex-maridos ou de qualquer homem. Foi assim desde jovem. Aos 10 anos, ela e Nara se mudaram para o Rio de Janeiro com a família, vindas do Espírito Santo. A primogênita nasceu em Itaguaçu, a caçula em Vitória. Aos 14, já era amiga do pintor Di Cavalcanti e de Vinicius de Moraes, como lembrou o escritor Ruy Castro no artigo em memória dela.
Na década de 1950, em que moças eram criadas para se casar, Danuza, aos 18, iniciou carreira de modelo internacional em Paris, posando para o respeitado Jacques Fath. Chegou lá para divulgar o Brasil em megaevento promovido por Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, proprietário do Estado de Minas.
Vestida de Maria Bonita, a garota brasileira desfilou a cavalo num castelo nos arredores de Paris. Ficou por lá, “ralou” como modelo de Fath muito antes da era Gisele Bündchen. Enfrentou inverno, conquistou corações. “Foi em Paris que conheci o mundo da sofisticação”, escreveu anos depois.
De volta ao Brasil, viu a bossa nova nascer no famoso apartamento de sua família, em Copacabana. Em 1967, o amigo Glauber Rocha a fez viver Sílvia em “Terra em transe”, marco do Cinema Novo, alegoria sobre a corrupção política no Brasil. Teve três filhos com Samuel Wainer: a artista visual Pinky Wainer, o distribuidor de cinema Bruno Wainer e Samuel Wainer Filho, jornalista da TV Globo que morreu em acidente de carro em 1984, aos 29 anos.
REINVENÇÃO
Danuza gostava de comprar apartamentos antigos por bom preço, quebrar tudo e transformá-los. Gosto estranho esse por reformas, confusão com pedreiros. Nada estranho para a mulher que se reinventou na década de 1980 como “rainha da noite carioca” durante oito anos, e na década de 1990 como escritora e colunista de jornal.A escritora surgiu em 1992, com “Na sala com Danuza”, manual de etiqueta descolado que se transformou em best-seller. “Vai contar uma história e sentiu que, exagerando, fica melhor? Vá em frente, sem o menor pudor”, ensinou ela.
Outro mandamento: “É bom sempre tratar as pessoas da mesma maneira. Tratar melhor quando está precisando de alguma coisa e mudar o tratamento quando não está mais é uma vergonha. Quando acontece comigo (e acontece), fico péssima, me sinto usada, não tem sensação pior.”
O talento para a escrita, o olhar irônico (e também delicado) conquistaram muitos fãs da cronista do Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo e O Globo, republicada no Diário da Tarde, em BH. Em 2004, lançou “Na sala com Danuza 2”. Em 2005, o livro de memórias “Quase tudo” fez imenso sucesso. Com ele ganhou o prêmio Jabuti, merecidamente.
Ali, Danuza Leão relembrou sua trajetória. Contou casos saborosos, ótimas fofocas (algumas sem revelar nomes), soube emocionar. Rememorou os dias de profunda depressão devido às mortes de Nara e do filho Samuca. Bebeu, ficou na pior. Certo dia, acordou em sua cama, em casa. Não sabe quem foi a alma caridosa que a levou até lá após vê-la mal num bar carioca.
O livro – todo mundo já sabe, não é spoiler – mostra o recado de Danuza para mulheres que já passaram dos 50. Em Paris, ela conhece um cubano, hospedado no mesmo hotel, num bar. Passa a noite com ele. Seu terceiro marido havia sido Renato Machado, hoje com 79 anos, conhecido jornalista que trabalhava na Globo.
Mais sucessos editoriais vieram com os livros “Danuza Leão fazendo as malas” (2008, outro Jabuti), “Danuza Leão de malas prontas” (2009) e “É tudo tão simples” (2011).
Danuza Leão sempre foi conhecida como mulher que fala o que pensa. Na época do governo Lula, disse que viajar para Paris “tinha perdido a graça”. Desculpou-se, mas pegou mal.
“Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir. Então, qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros – não é melhor ficar por aqui mesmo?”, afirmou.
Vai contar uma história e sentiu que, exagerando, fica melhor? Vá em frente, sem o menor pudor
Danuza Leão, escritora
ME TOO
Não se emendou. Atraiu a ira de muita gente ao comentar casos de assédio sexual que inspiraram o movimento Me Too.“Não acho que as denúncias de assédio possam gerar uma caça às bruxas, porque são uma coisa ridícula, para começo de história. É doloroso saber que uma mulher pode fazer uma acusação e tirar o emprego de um homem. É algo pecaminoso. Mas isso é coisa de americano. Lá eles não têm noção de sexo. É ótimo passar em frente a uma obra e receber um elogio. Sou desse tempo. Acho que toda mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz. Viva os homens...”, escreveu ela.
Recebeu, digamos, resposta à altura. Os netos – João Wainer, fotógrafo e diretor de cinema, e Rita, estilista e artista visual – publicaram na internet um post tão irônico quanto a avó já fora outrora. Na foto, via-se o muro pichado com a frase “Minha avó tá maluca”. Letra de MC Carol para um funk de sucesso.
Esta foi Danuza: do soçaite ao pancadão.
LIVROS
» 1992 – “Na sala com Danuza”
» 2004 – “Na sala com Danuza 2”
» 2005 – “Quase tudo”
» 2008 – “Danuza Leão fazendo as malas”
» 2009 – “Danuza Leão de malas prontas"
» 2011 – “É tudo tão simples”