Realizado desde 2009, o festival I Love Jazz, que chega à sua 12ª edição neste fim de semana, acompanhou um notável desenvolvimento do cenário da música instrumental em Belo Horizonte e em Minas Gerais.
Ao mesmo tempo em que é um reflexo dessa expansão – quantitativa e qualitativa –, tornou-se também mais uma frente local de estímulo e propulsão do gênero, surgido entre o final do século 19 e o início do século 20, em New Orleans – período que, aliás, é o foco desta retomada do I Love Jazz, após dois anos de pausa devido à pandemia.
Com uma programação que mescla artistas mineiros, de outros estados do Brasil e de outros países, o festival é hoje uma referência no cenário local do jazz e da música instrumental. Para o violonista e compositor Juarez Moreira, atração deste sábado (25/6) – juntamente com os grupos Fizz Jazz, Dave Mackenzie Quintet e a anfitriã Happy Feet Jazz Band –, o evento tem uma importância crucial para a cena mineira.
“O I Love Jazz, ao lado de eventos como o Prêmio BDMG Instrumental e o Savassi Festival, é um pilar de sustentação. Se o pessoal costumava dizer que aqui em Belo Horizonte não acontecia nada, isso caiu por terra há muito tempo. É o contrário, hoje acontecem grandes projetos, a ponto de colegas meus de fora ligarem se convidando para vir tocar aqui”, diz.
Mudança de status
Juarez Moreira considera que mesmo o status da música instrumental mudou com o passar dos anos. “Quando comecei, existia aquela pecha de que essa linguagem não emplacava. Hoje posso olhar para trás e ver que o gênero não só resistiu, como ampliou seu raio, foi incorporado pelas novas gerações. Belo Horizonte tem atualmente uma cena de jovens músicos muito talentosos. Isso ajuda a fomentar”, afirma.
Quando fala em cena instrumental, o violonista se refere também à música erudita e aos grupos de choro, chamando a atenção para o fato de que tanto em uma esfera quanto na outra, Minas Gerais se mostra uma potência.
“Veja quantas orquestras a gente tem em atividade no estado hoje. E temos também vários grupos de choro e de samba de excelente qualidade, com uma garotada que, na verdade, já são grandes músicos, muito qualificados”, observa.
Ele credita o fortalecimento da cena instrumental, em grande medida, ao fato de as universidades públicas da capital terem aberto espaço para a música popular em suas grades curriculares. “Ter a música popular no âmbito da academia é uma grande conquista de Minas Gerais”, diz.
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Papel de fomentador
O produtor e tecladista Christiano Caldas, que se apresenta no I Love Jazz amanhã – quando também sobem ao palco a Jazz Band Ball, Ricky Riccardi e Heather Thorn and Vivacity –, faz coro com Juarez e diz entender o evento como um reflexo do que se vê no atual panorama e também um importante fomentador de tais expressões musicais.
Ele observa que a música instrumental e a MPB que remonta ao século passado representam, hoje, nichos à margem do mainstream. “Eventos como o I Love Jazz são muito importantes não só para fomentar a cultura e tudo o que gira em torno – o pessoal do som, da luz, da filmagem, quem fornece alimento, bebida –, mas também para oferecer ao público um tipo de arte que não é massiva, que não está na grande mídia”, aponta.
Christiano diz que já perdeu as contas de quantas vezes se apresentou no I Love Jazz, mas sempre como músico acompanhante – esta será sua primeira vez como protagonista. A impressão que sempre guardou é a de um festival muito bem pensado e organizado, desde o local onde é realizado – na Praça do Papa – até a seleção de grupos e artistas que compõem a programação.
“Eu conheço há bastante tempo e tenho o maior respeito. Quem não conhece, se surpreende. É muito importante a gente estar cada vez mais oferecendo isso para as pessoas. É preciso diversificar a cultura e a arte, não dá para ficar em um só segmento massificado”, pontua. Ele ressalta que a música instrumental e a MPB têm uma longa tradição em Minas Gerais.
Para o músico, Belo Horizonte sempre foi um grande celeiro de instrumentistas, desde antes do surgimento do Clube da Esquina. “Temos essa tradição das harmonias, por exemplo, que é algo bem marcante da nossa cultura musical. E é uma tradição que não para de se renovar, porque tem sempre uma nova geração chegando, com a referência dos antecessores e, ao mesmo tempo, com o frescor da contemporaneidade”, ressalta.
“A música abole essa coisa de época e de idade. Vejo artistas de duas gerações atrás em plena atividade com artistas da geração atual; não há barreira de ideias, de estilos, de nada, é só a paixão pela música aproximando as pessoas. É fantástico isso, e é uma coisa muito característica nossa, compartilhar a música e valorizar o que se faz aqui, principalmente nessa seara do instrumental”, acrescenta.
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Repertório exclusivo
Acompanhado por Felipe Continentino (bateria), Pablo Souza (baixo) e Magno Alexandre (guitarra), Christiano Caldas vai fazer show pensado especialmente para o I Love Jazz. Ele diz que está com a apresentação de lançamento de seu primeiro álbum próprio, “Afinidades”, que veio à luz no ano passado, engatilhada, e que sua intenção, num primeiro momento, era aproveitar o I Love Jazz para levá-la a público.
Mas o convite do organizador do festival – o produtor e trompetista Marcelo Costa, integrante da Happy Feet Jazz Band – veio acompanhado do pedido para que houvesse um alinhamento com o tema desta edição, que é “Os anos 20 estão de volta”.
“Fiz uma pesquisa e montei um repertório todo referente à década de 1920, com o jazz tradicional norte-americano e também coisas brasileiras, só que com uma outra roupagem”, conta Christiano.
Ele diz que buscou temas que eram tocados nos anos 1920, de Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga, e conferiu a eles um sotaque do jazz que remonta à New Orleans do início do século passado.
“É um show exclusivo para o festival. As pessoas vão se surpreender com as músicas, porque tem essa coisa do flerte com o chorinho, com a modinha brasileira, só que com essa outra roupagem, que acho que ficou muito boa”, salienta.
Diálogo com o tema
Juarez Moreira, que já integrou a programação de duas outras edições pregressas do I Love Jazz, vai mais ou menos pelo mesmo caminho em sua apresentação de logo mais, mesclando temas tradicionais do jazz com músicas brasileiras rearranjadas de forma a estabelecer um diálogo com o tema desta edição.
O repertório, ele adianta, contempla músicas como “Summertime” e “A foggy day”, de Gershwin; “Lamento” e “Carinhoso”, de Pixinguinha; “Brejeiro” e “Odeon”, de Ernesto Nazareth; um tema francês dos anos 1920 intitulado “Un peu d’amour”; uma composição de Django Reinhardt e uma autoral.
“Quando o Marcelo falou que queria um olhar para os anos 1920, comecei a pensar como as coisas se interseccionam. O choro e o jazz não estão tão distantes assim, têm pontos musicais e ideias que se tocam, se mesclam. Eu mesmo tenho uma composição autoral que se chama ‘Chora jazz’, que presta homenagem a Charlie Parker e Paulinho da Viola”, diz o músico, que estará no palco acompanhado por André “Limão” Queiróz (bateria) e Kiko Mitre (baixo).
SOB A ÉGIDE DE LOUIS ARMSTRONG
Atração de amanhã na programação do I Love Jazz, o norte-americano Ricky Riccardi é diretor do Louis Armstrong House Museum, no Queens, em Nova York. É também autor dos livros “What a wonderful word: The magic of Louis Armstrong’s later years” e “Heart full of rhythm: The big band years of Louis Armstrong” – eleito melhor livro de 2020 pela revista Jazz Times.
Ele próprio admite que, eventualmente, é mais reconhecido por seu trabalho em torno da vida e da obra de Armstrong do que como músico. “Não sou realmente muito conhecido como pianista – já fiz muitos shows ao longo dos anos e já toquei em locais bem conhecidos em Nova York e New Orleans, mas esta será a primeira vez que conduzo, como pianista, uma banda num grande festival de jazz”, aponta.
Essa condução será um tanto ou quanto intuitiva, já que ele estará acompanhado pelo baixista Gregory Zabel (que também integra a formação de Heather Thorn and Vivacity, outra atração da programação de amanhã) e do baterista Bo Hilbert (da Happy Feet Jazz Band) – dois músicos que nem sequer conhecia. “Mas essa é a magia do jazz; vamos nos juntar e, se estivermos em sintonia, soará como se estivéssemos tocando juntos há anos”, afirma.
Década de 1920
Riccardi diz que preparou um repertório que segue à risca o tema desta edição do festival, composto exclusivamente por temas da década de 1920 que são de sua predileção, como “Royal garden blues”, “Dinah” e “Old fashioned love”. “Sou um pianista da velha-guarda, e espero que a multidão responda – e dance – ao meu estilo”, diz.
Ele situa que seu “amor” por Louis Armstrong vem desde 1995, quando o viu atuar em “The Glenn Miller story” – filme biográfico de 1953 que, no Brasil, ganhou o título “Música e lágrimas”. Riccardi conta que tinha apenas 15 anos, mas que, naquele momento, ficou apaixonado por tudo o que dissesse respeito a Armstrong. Quando começou a ler mais sobre o músico, se deparou com narrativas que acusavam um declínio em sua carreira ao longo dos anos.
“Diziam que ele só era grande quando jovem e acabou por esgotar-se, ir para a publicidade e coisas do tipo. Nunca acreditei nisso e penso que Armstrong continuava a ser um gênio, que se manteve fiel aos seus valores musicais em cada década de sua carreira. Isso me alimentou no sentido de começar a investigar sua vida, numa tentativa de corrigir todas as informações falsas que eu tinha lido sobre ele. O resultado foram os dois livros que lancei. Estou trabalhando em um terceiro agora mesmo, além de ter coproduzido cerca de uma dúzia de grandes reedições de Armstrong na última década”, afirma.
12º I LOVE JAZZ
Confira a programação dos dois dias do evento gratuito, na Praça do Papa
Sábado (25/6)
15h – Aula de lindy hop com os BeHoppers
16h – Fizz Jazz
17h30 – Juarez Moreira
19h – Dave Mackenzie Quintet
20h30 – Happy Feet Big Band
Domingo (26/6)
15h – Aula de lindy hop com os BeHoppers
16h – Jazz Band Ball
17h30 – Christiano Caldas
19h – Ricky Riccardi
20h30 – Heather Thorn and Vivacity