SÃO PAULO – Biblioteca gigantesca, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, aberta no último sábado (2/7), é um universo em que o gosto pela literatura é quase unanimidade, além de ser um dos lugares onde os leitores têm a oportunidade de se encontrar pessoalmente com alguns de seus escritores favoritos.
Tudo é superlativo. Nesta 26ª edição, o evento ocupa 65 mil metros quadrados no Expo Center Norte, na capital paulista, onde recebe 182 expositores, cerca de 500 selos editoriais e 300 escritores brasileiros e estrangeiros – entre eles, Valter Hugo Mãe, Mario Sergio Cortella e Conceição Evaristo.
Mas os protagonistas são os livros: cerca de 3 milhões de exemplares estão à venda.
''Se rebelem sempre. Cumpram o papel que o jovem ocupa. A gente não pode se acomodar, naturalizar as coisas. A gente corre o risco de continuar elegendo pessoas que nada têm a ver com a mudança do Brasil''
Daniel Munduruku, escritor
Sol lá fora, multidão eufórica dentro do Expo Centro Norte
Todo esse tamanho tem um preço. No dia da abertura, um sábado ensolarado, a Bienal atraiu verdadeira multidão. Antes das 10h, horário previsto para os portões se abrirem, a fila já dava voltas ao redor do Expo.Quando se abriu o portão principal, houve até correria. Eufórico, o público buscava os melhores lugares na Arena Cultural, que às 11h30 recebeu nomes de peso da literatura infantojuvenil: Thalita Rebouças, a mineira Paula Pimenta, Bruna Vieira e Babi Dewet, que conversaram sobre a adaptação das respectivas obras para o audiovisual.
A euforia em torno desta Bienal do Livro se justifica pelo hiato de quatro anos que o evento amargou. A 25ª edição foi realizada em 2018; a de 2020 foi adiada devido à COVID-19. Portanto, a alta procura é também fruto da demanda reprimida, sobretudo de grandes acontecimentos presenciais.
O primeiro dia foi marcado por aglomerações. Havia filas quilométricas nos caixas para pagar os livros e para entrar nos estandes – principalmente em espaços de grandes editoras como a Companhia das Letras, a Intrínseca e a Rocco, cuja decoração é inspirada no universo “Harry Potter”.
Apesar da recomendação do uso de máscaras, que é opcional, boa parte do público dispensou o adereço de segurança fundamental para evitar o contágio da COVID-19.
Outra medida recomendada pela organização, o distanciamento físico de 1 metro entre as pessoas, não foi observada, devido à grande quantidade de visitantes.
Além de estandes das editoras e da vasta programação cultural com estrelas do mercado editorial, como Mauricio de Sousa, que atraiu multidão à Arena Cultural para ouvi-lo falar sobre sua carreira, a Bienal do Livro tem outro grande destaque: Portugal.
O país é o convidado de honra do evento em 2022, quando a Independência do Brasil completa 200 anos. No estande de 500 metros especialmente projetado para homenagear o país, há exposição alusiva ao centenário de José Saramago (1922-2010), comemorado em 16 de novembro próximo, e mais de 3 mil livros trazidos de Portugal e ainda não publicados no Brasil.
Bondinho de Lisboa no estande de Portugal
Destacam-se também a réplica de um bondinho, símbolo de Lisboa, e a programação especial com 21 autores do país europeu. Por lá passarão Matilde Campilho, Dulce Maria Cardoso e Ricardo Araújo Pereira, além de escritores lusófonos como a moçambicana Paulina Chiziane, o timorense Luís Cardoso e o angolano Kalaf Epalanga.
Valter Hugo Mãe participou do debate de abertura do pavilhão dedicado a Portugal. Mediada pela jornalista portuguesa Isabel Lucas, curadora da programação do espaço, a conversa, em torno do tema “Falamos de quem quando falamos do outro?”, contou com os escritores Daniel Munduruku e Lilia Moritz Schwarcz.
Os três discutiram os efeitos do colonialismo na formação da identidade brasileira. Não pouparam críticas ao governo federal ao comentar o significado do 7 de Setembro.
“Não vamos naturalizar o golpe e não vamos deixar que Jair Bolsonaro conte essa história militar e golpista do 7 de Setembro. O 7 de Setembro em que nós queremos acreditar fala de liberdade e emancipação. E é disso que precisamos neste nosso Brasil”, afirmou Schwarcz.“Que Independência e que 2022 nós queremos celebrar? Um 2022 tão europeu, português, palaciano, masculino? Que não fala das lutas que nós tivemos no Nordeste? (...) Se trata de falar do porquê de o Brasil se tornar império cercado de repúblicas por todos os lados. Por que nós tivemos uma Independência tão conservadora?”, provocou Lilia, autora do livro “Brasil: uma biografia” em parceria com a historiadora mineira Heloisa Starling.
Jovens leitores e a eleição de 2022
A conversa também enveredou pela política, quando um espectador perguntou a respeito da importância dos jovens no resultado das eleições presidenciais de 2022.
Daniel Munduruku respondeu: “Sejam rebeldes. Se rebelem sempre. Cumpram o papel que o jovem ocupa. A gente não pode se acomodar, naturalizar as coisas. A gente corre o risco de continuar elegendo pessoas que nada têm a ver com a mudança do Brasil. Vamos continuar elegendo mitos, palhaços, armamentistas. Cabe à juventude eleger pessoas jovens que possam colocar em prática uma nova ética no Congresso Nacional.”
Outro fator que chama a atenção na Bienal é a presença de pessoas de todas as idades. No entanto, o evento é bastante voltado para crianças e adolescentes, público que representa o grosso dos visitantes principalmente durante a semana, quando ocorrem as visitas escolares. Por conta disso, a Bienal adotou medidas específicas – atenta, sobretudo, à segurança dos pequenos leitores.
“Temos monitores que ajudam crianças perdidas. Todas elas andam com um crachá com o nome e o telefone dos pais. A preocupação é fazer com que a criança tenha, logo nos primeiros anos de vida, paixão pela leitura. A gente ainda é um país com baixo índice de leitura. Essa formação acontece na primeira infância e na adolescência. Não se forma impondo conteúdo, e sim criando ações para fazer com que elas tenham prazer na leitura”, afirma Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), entidade que organiza a Bienal.
O ofício solitário de celebridades
Tavares comentou também o fato de eventos como a Bienal do Livro transformarem escritores em celebridades. Multidões se mobilizam para pedir autógrafos e tirar fotos com pessoas cujo ofício é, na verdade, solitário.
“Eles ganham esse status por necessidade. A partir da hora em que o escritor se torna best-seller, ele precisa de seu público leitor. O autor que vai se afastando do público vai morrendo. Aquele que se afasta está empurrando o público para um outro (escritor), que vai saber conquistar o leitor”, diz Tavares.
“Afinal de contas, não existe nada que o autor mais goste do que ver seu livro na lista de mais vendidos ou sendo comentado nas redes sociais, em programas de TV, no jornal. Isso é o que todos os autores procuram”, comenta.
“Afinal de contas, não existe nada que o autor mais goste do que ver seu livro na lista de mais vendidos ou sendo comentado nas redes sociais, em programas de TV, no jornal. Isso é o que todos os autores procuram”, comenta.
“O escritor que não entende isso não pode ser autor. O maior divulgador de uma obra é o autor enquanto ele está vivo. Se começa a ser estrelinha, não está fazendo um trabalho social por meio da literatura. A Bienal é cheia de autores desconhecidos que vêm para cá e pouco a pouco, de passo em passo, começam a divulgar seu trabalho e vão crescendo gradualmente”, diz Tavares.
A Bienal será encerrada no domingo (10/7). Hoje (4/7), recebe Lázaro Ramos, Aline Bei, Carla Madeira e o professor Natanael dos Santos, entre outros.
* O repórter viajou a convite da organização da Bienal Internacional do Livro de São Paulo
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