Jornal Estado de Minas

MEMÓRIA

Instituto criado em MG por Sergio Paulo Rouanet vai manter o legado dele


O ex-ministro da Cultura Sergio Paulo Rouanet morreu ontem, no Rio de Janeiro, aos 88 anos, em decorrência de problemas ligados ao mal de Parkinson. Autor da lei de patrocínio cultural, ele criou o Instituto Rouanet em parceria com a mulher, a socióloga Barbara Freitag.




 
De acordo com o site oficial da instituição, o acervo de 15 mil livros do casal está reunido em um casarão do século 18 na cidade histórica de Tiradentes, em Minas Gerais.

A morte foi comunicada pelo Instituto, que destacou, em nota, que o Parkinson não impediu Rouanet de lutar “em defesa da cultura, da liberdade de expressão, da razão e dos direitos humanos.” A entidade promete “ampliar seu grande legado para futuras gerações”.
 
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Sergio Paulo Rouanet e Barbara Freitag montaram centro cultural sem fins lucrativos em Tiradentes (foto: Adriana Ruanet/divulgação)


Sergio Paulo Rouanet era diplomata de carreira desde os anos 1950. Foi embaixador na Dinamarca, cônsul-geral em Zurique, na Suíça, e ocupou postos na Organização das Nações Unidas, entre outras funções ligadas ao Itamaraty.




Secretário de Cultura no governo Fernando Collor de Melo, criou a lei federal batizada com seu nome em 1991. Ela permite que pessoas físicas e jurídicas direcionem parte dos recursos destinados ao Imposto de Renda ao financiamento de projetos artísticos e culturais.

O intelectual fã de Kant e Zeca Pagodinho

O filósofo e ensaísta ocupava a cadeira nº 13 da Academia Brasileira de Letras (ABL). O poeta Marco Lucchesi, ex-presidente da entidade, afirmou que o colega foi um dos pensadores mais importantes do país.

“Homem de múltiplos talentos, era um grande filósofo, um grande ensaísta, atento às questões da cultura, da política, da poética, atento ao diálogo entre os povos. Podia voar tranquilamente de Kant a Zeca Pagodinho, por exemplo, de cujas músicas gostava”, disse Lucchesi à Agência Brasil.





O poeta chamou a atenção para a sensibilidade musical do filósofo, pouco lembrada dentro de sua vasta obra.

“Ele gostava da ópera de Mozart, de música popular brasileira. Uma figura, sob qualquer aspecto, admirável, não só sob o ponto de vista intelectual, stricto sensu, mas da grande humanidade”, observou Lucchesi, destacando os estudos iluministas de Rouanet, “que contribuíram para ampliar o alcance da filosofia no Brasil.”

“Sérgio Rouanet é exemplo de intelectual público, que colocou sua competência a serviço da cultura brasileira, sem abdicar dos valores éticos”, afirmou o jornalista Merval Pereira, presidente da ABL.

Rouanet traduziu obra de Walter Benjamin no Brasil

Nascido no Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1934, Sergio Paulo Rouanet foi professor universitário e se destacou como tradutor das obras do pensador alemão Walter Benjamin no Brasil. Doutorou-se em ciências políticas e medicina.





Escreveu os livros “As razões do iluminismo” (1987), “O espectador noturno” (1988), “Mal-estar na modernidade” (1993), “Os dez amigos de Freud” (2003) e “Riso e melancolia” (2007), editados pela Companhia das Letras.

André Botelho, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), disse que Rouanet “deixa importante legado intelectual para as ciências sociais, além de um legado público, incluído o campo das políticas culturais”.

Lei Rouanet na mira de Bolsonaro

Desde 2019, a Lei Rouanet sofreu alterações, o que gerou críticas de artistas e produtores culturais ao governo Jair Bolsonaro (PL). Em uma delas, o presidente oficializou Instrução Normativa (IN) prevendo a redução de 50% do teto de recursos e a limitação para aluguel de teatros.





Cachês artísticos também foram impactados pela mudança. O limite para pagamento com recursos da lei passou a ser de R$ 3 mil por apresentação, para artista ou modelo solo. Anteriormente, o cachê individual podia chegar a R$ 45 mil.

A atriz Lucélia Santos prestou condolências à família de Rouanet e acusou o governo Bolsonaro de “demonizar” a lei que leva o nome do filósofo.

Organizadora da 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, aberta no último sábado (2/7), a Câmara Brasileira do Livro divulgou nota sobre a morte do escritor, ensaísta e ex-ministro, elogiando o papel de destaque desempenhado por ele na valorização e no desenvolvimento da cultura no país.