A exposição itinerante da “34ª Bienal de São Paulo – Faz escuro mas eu canto” chega a Belo Horizonte nesta quarta-feira (6/7). A mostra vai ocupar todas as galerias do Palácio das Artes – Grande Galeria Alberto de Veiga Guignard, Galeria Genesco Murta, Galeria Arlinda Corrêa Lima, PQNA Galeria Pedro Moraleida e Espaço Mari’Stella Tristão – até 25 de setembro próximo, com entrada gratuita.
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Título da Bienal
Presidente da Fundação Bienal, José Olympio da Veiga Pereira explica que os enunciados – que agrupam obras e artistas – foram pensados pela equipe curatorial, chefiada por Jacopo Crivelli Visconti, a partir do próprio título desta edição, “Faz escuro mas eu canto”, extraído do poema “Madrugada camponesa”, do amazonense Thiago de Mello.
“Foi uma proposta dos curadores, em vez de um tema, trabalhar com um título, que achei extremamente feliz, porque retrata um momento difícil que estamos passando, no Brasil e no mundo, mas dá um caminho de esperança”, diz, apontando que esta 34ª Bienal teve momentos escuros e momentos de canto.
Ele destaca que, pensando nessa dinâmica, a equipe curatorial concebeu os eixos temáticos. “Esses enunciados nada mais são do que objetos, fotos ou coisas que não são obras de arte, mas têm uma forte simbologia ou uma representação importante. A partir deles, criaram-se os diálogos de trabalhos de arte”, diz.
Obras em diálogo
Pereira explica que boa parte das obras que integraram a mostra em São Paulo e que agora circulam nas exposições itinerantes já existiam e foram selecionadas pelos curadores. “Toda a montagem curatorial foi feita a partir dos enunciados, buscando as obras que com eles dialogavam, pensando nos momentos de escuro e de canto. Não foi dito ao artista que sua obra deveria orbitar um eixo temático. As obras do Paulo Kapela, da Deana Lawson ou do Neo Muyganga, por exemplo, já estabeleciam naturalmente conexão com os retratos de Frederick Douglass”, pontua.
Ele não hesita em dizer que os três grupos temáticos que chegam a Belo Horizonte têm um fundamento político. “Em ‘A ronda da morte’ isso é evidente. “O sino de Ouro Preto” também tem essa conotação, na medida em que representa a busca pela liberdade. E os retratos de Frederick Douglass também, porque se constituem num elemento de afirmação do afrodescendente do século 19; são um manifesto político sobre a dignidade dessa população”, ressalta.
A principal marca distintiva da 34ª Bienal de São Paulo foi a diversidade, com especial atenção para a arte indígena, segundo Pereira. Ele considera que dar exposição a obras que emergem das mais diversas etnias foi a principal contribuição desta edição.
“Tomou-se conhecimento de que existe esse movimento da arte indígena contemporânea, algo que já vinha acontecendo há algum tempo, mas que permanecia relativamente desconhecido”, diz.
“Tomou-se conhecimento de que existe esse movimento da arte indígena contemporânea, algo que já vinha acontecendo há algum tempo, mas que permanecia relativamente desconhecido”, diz.
Jaider Esbell
Ele considera Jaider Esbell o grande astro desta edição. O artista macuxi morreu em novembro do ano passado, com a mostra ainda em curso na capital paulista. O presidente da Fundação Bienal chama a atenção para a presença de artistas indígenas também de outros países, como o colombiano Abel Rodríguez e a norte-americana Jaune Quick-to-See Smith.
“Além desse foco na arte indígena contemporânea, temos uma representação marcante em diálogo com o enunciado em torno de Frederick Douglass, com vários artistas afrodescendentes trabalhando a questão da diáspora negra. Acho que essa Bienal se distinguiu, em primeiro lugar, pela presença marcante da arte indígena, e em segundo, por uma diversidade grande que ela criou com seu grupo de artistas”, afirma.
Ele diz que, desde os trabalhos iniciais de concepção da 34ª edição, ter essa representatividade era o objetivo, e os curadores estavam sensíveis a essa questão. “Foi um casamento de ideias e de objetivos entre a administração da Bienal e a equipe curatorial.”
Mudança de planos
O plano inicial era que essa 34ª edição fosse realizada em 2020, o que acabou não ocorrendo da forma imaginada devido à pandemia. Duas mostras individuais – uma grande instalação da peruana Ximena Garrido-Lecca e uma performance de Neo Muyganga – chegaram a público em fevereiro daquele ano, como uma espécie de abre-alas da Bienal. Outras duas estavam previstas para os meses de abril e junho, mas tiveram que ser canceladas.
Pereira recorda que, no início, os organizadores da Bienal acreditavam que a pandemia seria menos duradoura. “Num primeiro momento, tínhamos adiado de setembro para outubro, só que, em julho, já estava claro que ia durar mais, daí adiamos por um ano. Mas transformamos esse limão numa limonada; usamos esse adiamento para incrementar nossas atividades on-line”, diz.
Veiga Pereira destaca que, originalmente, a ideia é que a 34ª Bienal se estendesse no tempo e no espaço, e que essa dilatação forçada dos prazos acabou se mostrando benéfica. “Nunca antes uma Bienal foi tão discutida, nunca se teve tanto acesso a textos, conteúdos, visitas a ateliês quanto agora. Isso tudo foi feito de forma on-line durante esse período.”
Redes sociais
Ele ressalta que a Fundação Bienal também conseguiu incrementar enormemente a atividade nas redes sociais. “No início de 2019, tínhamos 80 mil seguidores no Instagram, e passamos, hoje, para mais de 400 mil. Criamos um programa de geração de conteúdo não apenas sobre a Bienal, porque a Fundação quer se colocar como um centro de divulgação de arte no Brasil e no exterior. Usamos essa extensão de tempo para oferecer mais conteúdo. Eu diria que, no contexto da dificuldade, a Fundação Bienal conseguiu tirar partido dela”, aponta.
O programa de mostras itinerantes da Bienal de São Paulo é uma iniciativa que chega em 2022 à sua sexta edição. A itinerância da 33ª Bienal, em 2019, percorreu oito cidades, sendo uma no exterior, e recebeu um público de mais de 170 mil visitantes.
Este ano, além de São Luís (MA), Campinas (SP), São José do Rio Preto (SP), Campos do Jordão (SP) e Belo Horizonte (BH), outras cidades brasileiras e do exterior estão previstas para receber recortes da 34ª Bienal: Brasília (DF), Belém (PA), Fortaleza (CE) e Santiago (Chile).
TRINCA DE ASSUNTOS
Confira os eixos temáticos que a 34ª Bienal de São Paulo traz a Belo Horizonte
“O sino de Ouro Preto”
A Capela Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos, mais conhecida como Capela do Padre Faria, é uma pequena igreja localizada em Ouro Preto (MG), cujo campanário carrega um sino de bronze fundido na Alemanha, em 1750. Conta-se que, em 21 de abril de 1792, esse sino foi o único da colônia a ecoar, em aberta desobediência à ordem oficial que proibia homenagens ao inimigo da Coroa, um toque de lamento pela execução de Tiradentes, único participante da Inconfidência Mineira que não teve revogada sua sentença de morte. Com a independência do Brasil e a proclamação da República, o mártir mineiro foi declarado herói nacional, e o sino que o homenageou passou a ser considerado um símbolo da luta pela soberania do país.
“Os retratos de Frederick Douglass”
Frederick Augustus Washington Bailey nasceu em Talbot County, Maryland (EUA), em fevereiro de 1817 (ou de 1818, segundo algumas fontes), filho de uma mãe negra escravizada. Em 1838, após algumas tentativas frustradas, conseguiu fugir para Nova York, onde a prática da escravidão havia sido abolida em 1827, mas a sensação de insegurança causada pela espreita constante de “sequestradores legalizados” de fugitivos fez com que logo se mudasse para New Bedford (Massachusetts), onde adotou o sobrenome Douglass.
Jornalista, escritor, orador e um dos principais líderes do movimento abolicionista nos EUA, é considerado o estadunidense mais fotografado do século 19. Em 1841, Douglass encomendou seu primeiro retrato fotográfico. Ele tinha consciência de que sua imagem de homem negro livre poderia ter grande amplitude na luta contra a escravidão e percebeu, de modo pioneiro, que a circulação massiva que o meio fotográfico permitia seria importante no suporte à luta antirracista e contra as práticas segregacionistas do pós-abolição.
“A ronda da morte de Hélio Oiticica”
Hélio Oiticica viveu em Nova York durante os anos documentados como os mais violentos do regime militar brasileiro, aqueles que sucederam ao Ato Institucional Nº 5 (AI-5), de dezembro de 1968. De volta ao Brasil em 1978, percebeu que já não poderia encontrar muitos dos amigos que havia feito em meados da década de 1960 no samba e nas favelas do Rio, atribuindo essas ausências ao aniquilamento sistemático de uma parcela da população por parte do Estado. No ano seguinte, abalado pela brutal execução de mais um de seus amigos, escreveu uma carta em que descrevia um “parangolé-área” chamado “A ronda da morte”. No formato de uma tenda de circo negra, teria luzes estroboscópicas e música tocando em seu interior, um ambiente convidativo para que as pessoas pudessem entrar e dançar. Enquanto a festividade se desenrolasse no seu interior, o perímetro da tenda seria cercado por homens a cavalo, que dariam voltas em torno dessa área emulando uma ronda.
“34ª BIENAL DE SÃO PAULO – FAZ ESCURO MAS EU CANTO”
Programa de mostras itinerantes. A exposição será aberta nesta quarta-feira (6/7), ocupando todas as galerias do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro), com obras de 18 artistas divididas em três eixos temáticos, e permanece em cartaz até 25/9, de terça a sábado, das 9h30 às 21h, e aos domingos, das 17h às 21h. Entrada gratuita