''Posso pegar qualquer espaço vazio e chamá-lo de palco. Alguém atravessa esse espaço vazio enquanto outro assiste, e isso é o suficiente para começar o ato teatral''
Peter Brooke, diretor
A morte de Peter Brook aos 97 anos, anunciada no fim de semana, deixou órfãos atores de todos os continentes. Lenda do teatro britânico e um dos diretores mais influentes do século 20, ele e sua companhia causaram comoção em Belo Horizonte, em 2004, onde participaram da sétima edição do Festival Internacional de Teatro, Palco e Rua (FIT-BH).
“Com suas ideias e sua prática teatral, ele vem sacudindo e remexendo com certezas e dogmas da arte do teatro desde a década de 1950”, lembrou.
Improviso nas ruas africanas
Moreira rememorou as lições do mestre ao viajar com sua trupe pelas ruas da África, “encontrando com seus improvisos e jogos teatrais, delineados por um simples tapete estendido no chão, o povo e a cultura desse continente, pelo qual ele nutria verdadeira paixão”.
O diretor britânico passou grande parte de sua carreira na França, onde se estabeleceu em 1971, dirigindo o teatro parisiense Les Bouffes du Nord. Liderou instituições importantes como a Royal Opera House de Covent Garden e o Royal Shakespeare Theatre, na Inglaterra, e o francês Centro Internacional de Criações Teatrais (CICT).
Estreou aos 17 anos, destacou-se na ópera, cinema e crítica teatral. Comparado a Stanislavski (1863-1938), que revolucionou a arte da atuação, Brook é o teórico do espaço vazio, uma espécie de paradigma para o mundo das artes cênicas.
“Posso pegar qualquer espaço vazio e chamá-lo de palco. Alguém atravessa esse espaço vazio enquanto outro assiste, e isso é o suficiente para começar o ato teatral”, afirmou Peter Brook em seu manifesto, que virou bíblia do teatro alternativo e experimental.
Sua obra mais conhecida, “O Mahabharata”, épico de nove horas baseado na mitologia hindu, foi criada em 1985 e adaptada para o cinema em 1989. Ele dirigiu duas lendas: os atores Laurence Olivier e Orson Welles.
“Toda a minha vida, a única coisa que sempre contou, e é por isso que trabalho no teatro, é o que vive diretamente no presente”, gostava de dizer.
Eduardo Moreira diz que as experimentações de Brook sempre trouxeram uma lufada de vida e renovação ao teatro. Lembrou que a companhia que o britânico dirigia na periferia de Paris reuniu atores de diferentes regiões e culturas do mundo.
O ator e diretor do Galpão relembrou a história que Paulo José gostava de contar para explicar como o teatro é o lugar do presente, da criação no aqui e no agora.
“Lá pela década de 1940, Brook é convidado para dirigir uma peça de Shakespeare na renomada Shakespeare’s Company, em Londres. Preocupado em mostrar serviço e impressionar positivamente a equipe com seus conhecimentos, ele decide estudar e planejar todo o cenário e os figurinos da peça, elaborar uma intrincada planta baixa de todas as movimentações dos atores e dos coros, estudar minuciosamente as situações e conflitos de cada cena. Feita essa longa prévia preparação, é finalmente chegado o primeiro dia de ensaio. Ele conta ter caído em si ao se reunir em volta de uma mesa com seu grupo de atores. Na verdade, não sabia nada sobre aquela peça que teria que montar com aqueles atores, com quem estava encontrando pela primeira vez”, contou Moreira.
Shakespeare à moda mineira
Brook foi um farol para o mineiro Galpão, iluminando as crises do grupo. “Bem no início do processo de montagem de 'Romeu e Julieta', estávamos às voltas com a dificuldade enorme de dizer o verbo shakespeariano. Tudo soava um tanto declamado e superficial. O texto de Brook falando sobre a necessidade de colocar no corpo dos atores as palavras de Shakespeare e como ele conseguiu isso em sua montagem de 'Sonhos de uma noite de verão', fazendo com que os atores fizessem trapézio, foi fundamental para que elaborássemos as pinguelas a dois metros do chão, onde tínhamos que improvisar os textos e as músicas do espetáculo”, revela o agradecido Eduardo Moreira.
Em sua passagem por BH, há 18 anos, a lenda do teatro apresentou “Tierno Bokar”, cujo tema principal era a religião. Em meio à turnê cheia de compromissos, nunca se furtou aos diálogos com o público – participou de eventos organizados pelo FIT-BH.
Teatro, para ele, sempre foi a arte do encontro.