Jornal Estado de Minas

ARTES VISUAIS

Mercado de arte no Brasil se reinventa para lucrar com o 'novo normal'


O colecionismo brasileiro não é representado apenas por pessoas de alto poder aquisitivo. Há um universo considerável de colecionadores que costumam investir somas de até R$ 10 mil. Essa constatação vem da pesquisa realizada pelo galerista Nei Vargas, professor da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro.





“O contingente mais expressivo de pessoas que colecionam arte não é formado apenas por aquelas de alto poder aquisitivo”, avisa Vargas. O levantamento reuniu 201 respostas a um questionário de 45 questões.

De acordo com o pesquisador, 26% responderam que investem até R$ 10 mil por ano na compra de obras de arte, enquanto 29% costumam gastar entre R$ 10 mil e R$ 50 mil e 17% destinam de R$ 50 mil a R$ 100 mil a esse tipo de aquisição.

Os percentuais diminuem drasticamente conforme aumenta o aporte de recursos – 3% dos consultados adquirem obras que custam de R$ 500 mil a R$ 1 milhão e 1%, acima de R$ 1 milhão.

“Esses dados colocam as classes média e média alta no grupo mais expressivo de pessoas que colecionam, desmistificando a visão segundo a qual colecionar é uma prática dos muito ricos”, explica Nei Vargas.





Os números dessa pesquisa ajudam a compreender o colecionismo privado no Brasil. A pesquisa destaca outra característica importante: segmento expressivo de investidores aposta em jovens artistas, que representam alguma promessa de sucesso no cenário das artes visuais.

Mercado de arte


Outro aspecto das coleções privadas do país é o fato de elas serem, majoritariamente, dedicadas a artistas brasileiros. De acordo com o levantamento realizado por Vargas, o índice de coleções internacionais no Brasil não ultrapassa os 3%.

“Esse número revela problemas no acesso à produção internacional. Deve-se apontar também o valor das obras em dólar ou euro, fator que pode inibir aquisições, somado ao fato de que trazer uma obra para o Brasil implica o acréscimo de até 52% a título de taxas de importação, fora o risco de a obra se extraviar ou mesmo se perder no desembaraço alfandegário”, observa.





Mestre e doutor em artes visuais, Nei Vargas teve sua dissertação sobre coleções privadas no país premiada em 2010 pelo Programa Brasil Arte Contemporânea – Estudos e Pesquisa sobre Arte e Economia da Arte, da Fundação Bienal de São Paulo.

Vargas é um dos gestores do grupo Coleções em Conexão, que reúne mais de 100 colecionadores brasileiros, e dá aulas no curso de especialização em peritagem e avaliação de obras de arte da Universidade Santa Úrsula.

“Considero fundamental que as coleções privadas passem por processos de institucionalização, oferecendo ao público acesso a obras que comumente se destinam ao ambiente íntimo de quem coleciona. Há o desejo crescente de colecionadoras e colecionadores em criar algum tipo de modelo institucional capaz de oferecer processos democratizantes de acesso às coleções privadas”, diz.





Obra de Allan Pinheiro na SP-Arte 2022: arte brasileira conectada com a juventude (foto: SP ARTE/reprodução)

Investimento com liquidez

“Comprar obras de arte pode ser investimento com bom retorno. Boas obras sempre têm liquidez”, afirma Felipe Feitosa, diretor sênior da SP-Arte. “O retorno vem com o tempo. A vantagem de ter boas obras é a segurança. Em época de crise, obras-primas nunca perdem valor. Pelo contrário, ou o mantêm ou o aumentam.”

Criada em 2005, a SP-Arte se tornou a maior feira de arte contemporânea do Brasil. A 18ª edição, realizada em abril deste ano no Pavilhão da Bienal, em São Paulo, recebeu cerca de 25 mil pessoas e contou com 133 galerias, além de um programa dedicado a projetos especiais.

Com 17 anos de experiência no setor, Feitosa acompanha as nuances e oportunidades do mercado. Recomenda ao investidor atenção a artistas brasileiros e internacionais.

Antes de tudo, a pessoa deve procurar se informar sobre o mercado e os autores. “Isso gera conhecimento e preparo para dar os primeiros passos na compra da primeira obra, se formos pensar em investimento”, explica.





É importante frequentar vernissages, museus e bienais, acompanhar prêmios artísticos e visitar feiras no Brasil e no exterior, além de estar atento a galerias e exposições. “E, fundamentalmente, ouvir mais do que falar”, adverte Felipe Feitosa.

“Minha dica é comprar aquilo que traga prazer e sempre procurar as galerias mais ativas no mercado de arte”, afirma.

Conversar com colecionadores antigos ajuda a abrir caminhos. “Eles sempre têm dicas e visões diferentes. Forme sua coleção com aquilo que você realmente gosta”, diz o diretor da SP-Arte.

Feitosa afirma que obra de arte de qualidade dificilmente desvaloriza se comparada a aplicações financeiras.

“O retorno pode variar muito. Obras-primas costumam ter ganhos significativos, podendo alcançar até 10 vezes ou mais o valor de compra inicial. Mas tudo depende do trabalho que a galeria está fazendo por trás daquele artista”, explica.





''Quadrantes'', de Tom Myasaka, obra digital da Domi Galeria de Arte Online (foto: Domi Galeria/reprodução)

Reinvenção obrigatória

A pandemia obrigou o mundo da arte a se reinventar. O modelo de negócio baseado em encontros e eventos sofreu um baque no início de 2020, quando galerias precisaram fechar as portas e feiras e bienais foram canceladas.

A migração para o formato on-line se apresentou como a solução. Vista à época como temporária, com o passar de dois anos descobriu-se que fechar negócios em canais digitais é possível e rentável.

Neste momento, agentes do mercado de arte consideram os modelos híbridos como ideais. Com uma parte presencial e outra on-line, feiras, bienais e eventos retomaram o calendário, que prenuncia a reformulação do modelo de negócio das artes visuais.





ENTREVISTA/Adriana Braga
Fundadora da feira oriente e dos encontros dos espaços independentes

De olho em novos públicos


“Dentro de cada crise há oportunidades”, afirma Adriana Braga, fundadora da Feira Oriente e dos Encontros dos Espaços Independentes, que participou da Feira Brasília de Arte Contemporânea (FBAC), realizada de 29 de junho a 3 de julho na capital federal. A pandemia praticamente impôs o modelo on-line de negócios. Segundo ela, 45% dos compradores consideram as mídias sociais o canal mais importante para conhecer artistas.

Qual foi o maior impacto da pandemia no cenário da arte?

Casas de leilões, galerias e artistas aceleraram sua presença em plataformas de vendas on-line e ofertas em mídias sociais. A COVID-19 foi um catalisador para muitas mudanças em todo o mundo, positivas e negativas.

asas de leilões não só investiram em vendas on-line, como em parcerias e na criação de plataformas ou espaços de negociação de arte criptográfica. A COVID-19 forçou todos os agentes a repensarem seus modelos de negócios. Os últimos dois anos foram um período de experimentação, acelerando a mudança que poderia levar anos para acontecer.



Como a criação de espaços on-line nas galerias mudou a maneira de comercializar arte?

Segundo o UBS Global Art Market Report de 2021, o mercado on-line representou 33% das vendas, ou 37%, incluindo os OVRs (online viewing room, espaços multimídia virtuais que facilitam o acesso à obra de arte).

Muitos galeristas já vinham fazendo transações pelas mídias sociais ou e-mails, outros tiveram que se adaptar ao novo modelo. A tecnologia e o acesso on-line permitem que galerias e artistas diversifiquem e alcancem um novo público.

O cliente aceitou o novo formato?
O relatório Hiscox mostra que 45% dos compradores de arte consideram as mídias sociais o canal mais importante para conhecer artistas, enquanto 91% dos galeristas disseram que usam ativamente as mídias sociais para promover sua galeria.





Como o consumo de arte mudou?
Mudanças de hábitos e padrões de comportamento que vinham se desenhando ou se transformando lentamente tiveram forte aceleração. A digitalização dos negócios e a intensificação do uso de canais digitais de interação com os consumidores são exemplos de tendências que já se manifestavam, mas apresentaram essa aceleração.

O consumidor também se acostumou a comprar on-line. Com a quarentena, muitas pessoas repensaram hábitos e escolhas. Esse período de introspecção, somado ao 'tempo livre' em casa e aos ânimos exaltados pela quarentena, fizeram com que a cultura do cancelamento ganhasse força.

O resultado foi uma mudança de comportamento, especialmente das gerações Z e millennial, que estão demandando novas atitudes, uma outra forma de comprar, mais consciente.

Como se dá esse novo processo?
O relatório Hiscox observa como os jovens colecionadores são movidos por motivações diferentes: 76% dos novos compradores indicaram que compraram arte para apoiar artistas e organizações artísticas.