Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Da igreja evangélica para o mundo: conheça Amaro Freitas, que toca em BH

Na primeira e única vez que se apresentou em Belo Horizonte – em junho de 2016, no Café com Letras, na programação do Savassi Festival – o pianista pernambucano Amaro Freitas já tinha gravado, mas não lançado “Sangue negro”. O álbum de estreia saiu alguns meses mais tarde e foi apontado pela crítica como um dos melhores daquele ano.




 
Retornando somente hoje à cidade, para show no Sesc Palladium com o Amaro Freitas Trio (Jean Elton no contrabaixo e Hugo Medeiros na bateria), ele está no terceiro álbum, “Sankofa” (2021) e é considerado uma das revelações do jazz brasileiro – e o reconhecimento é grande lá fora. 
 
Gestado, gravado e lançado em plena pandemia, “Sankofa” teve seu primeiro show em dezembro do ano passado, na França. A faixa “Ayeye” foi uma das dez mais tocadas ao longo de 2021 pela rádio TSF Jazz, principal emissora francesa dedicada ao gênero. Por causa disto, Amaro foi convidado para participar, junto com os outros dez mais, de um festival da rádio – tocaria somente “Ayeye”.
 
Para aproveitar a viagem, marcou também quatro datas na Salle Pleyel, um dos principais palcos de Paris. Voltou para a Europa há alguns meses, para temporada de 19 shows.
 
Desde então, vem fazendo shows pelo Brasil. “Cada turnê que apresento na Europa é resultado de uma construção e afirmação do nosso som. Esta última foi a que teve mais curadores, donos de festivais e jornalistas, pois queriam saber que som é este que está vindo do Brasil”, comenta o músico de 30 anos.




 
Veja Amaro Freitas tocando "Ayeye" na França 

  
 E que som é este? “Acho que ele tem, ao mesmo tempo, as tradições do frevo, do maracatu, do baião, a referência afro-histórica, de coisas que não estudamos na escola de base, e uma sonoridade não rotulável. Não é um ritmo ou uma coisa já estabelecida, às vezes tem o olhar de polirritmia, de uma polifonia não convencional”, ele diz. 
 
Para os leigos, Amaro continua: “Quando você escuta ‘Batucada’ (uma das faixas de ‘Sankofa’), pensa num samba de partido alto. Mas é diferente de como o samba é tocado, acaba tendo outra sonoridade. Toco a nossa tradição com um olhar contemporâneo, o que abre o diálogo com a música instrumental no mundo.”
 
A música de Amaro tem encantado muita gente. Em 2020 Milton Nascimento o convidou para gravar com ele e Criolo “Cais” (Milton e Ronaldo Bastos) e “Não existe amor em SP” (Criolo). Posteriormente voltou a gravar com o músico mineiro, em homenagem a Gilberto Gil, uma versão de “Drão” com a Orquestra de São Petersburgo.




 
Em “Sankofa” acabou homenageando Milton com a música “Nascimento”. “Ele representa uma força da natureza, de memória, autoestima, para toda uma geração que, como eu, cresceu vendo Milton na TV. Eu pensava: ‘Se esse cara está ali, e ele me representa, eu posso conseguir.”
 
Da periferia do Recife, Amaro aprendeu música na igreja evangélica que frequentava na adolescência. “Não tive a formação comum de ir para o conservatório”, ele diz. Estudou em escolas com diferentes professores, que lhe davam orientação. 
 
Quando chegou a hora de ir para a universidade, desistiu do bacharelo de piano – “eu estudaria música do século 17 num lugar como o Brasil, que tem uma variedade absurda e riquíssima de ritmo de tradição” – e resolveu fazer produção fonográfica.




 
“O que mais enriqueceu foi assistir pianista de jazz performando. Não me considero autodidata, mas tenho a prática do estudo do piano. Quatro vezes por semana, entre 4 e 8 horas por dia. É um estudo consciente de técnica, repertório, composição, música livre. O Hermeto fala que nosso corpo tem uma forma de agir e que a impressão também vai ser passada para o instrumento. Quero fazer música que não seja só técnica, matemática, virtuosa. Que no fim das contas seja música”, finaliza.
 
AMARO FREITAS TRIO
Show nesta sexta (8/7), às 21h, no Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro. Ingressos: R$ 25 a R$ 60. À venda na bilheteria e pelo link https://bit.ly/amarofreitasbh