"(A produção de 'Naus') foi como uma fissura juvenil de quando você está em início de carreira. Depois ela arrefece, pois os outros compromissos roubam um pouco o tempo da criação. Aqui não, era como se a gente estivesse começando"
Zeca Baleiro, músico
Um único encontro, no raio X do Aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, seguido de bate-papo durante o voo. Vinicius Cantuária, 71 anos, e Zeca Baleiro, 56, haviam se visto somente uma vez até iniciar uma parceria nos primeiros meses da pandemia. O resultado está no álbum “Naus”, com 11 faixas assinadas pela dupla.
Pessoalmente, os dois foram se reencontrar em setembro de 2021, no estúdio Sonastério, em Nova Lima, na Grande BH, onde deram início às gravações. A produção foi de Walter Costa, amigo de ambos, que já havia sugerido a Cantuária sobre fazer um trabalho com Baleiro e vice-versa.
“Apesar dos esforços do Walter de a gente se conhecer, foi neste encontro no aeroporto que trocamos contato. Mas compor junto é uma promessa que fazemos com muitos e que acaba não vingando sempre. O Vinicius foi rápido, me mandou uma melodia linda, depois outra e em pouco tempo a gente estava montando um repertório”, diz Baleiro.
O tempo livre em decorrência do isolamento imposto pela crise sanitária intensificou a produção. “Foi como uma fissura juvenil de quando você está em início de carreira. Depois ela arrefece, pois os outros compromissos roubam um pouco o tempo da criação. Aqui não, era como se a gente estivesse começando”, continua Baleiro.
“Naus” é essencialmente um álbum de canções, em que os dois se dividem entre os vocais e a instrumentação (violões, guitarras, baixos, percussões). A sonoridade é diversa, passeando pelo samba (“Chuva na Guanabara”), música latina (“Flores de invierno”), bossa (“Alma bossa nova”).
Esta última cita João Gilberto, Tom Jobim e Carlos Lyra. “De todos os compositores que fizeram a bossa nova, o Carlos Lyra e o Menescal são os dois únicos representantes desta nobreza que estão vivos. E o Lyra é um compositor fenomenal, sou apaixonado, e achei que o Zeca foi muito feliz em tê-lo colocado na letra (‘Quero ser teu Carlos Lyra/O teu cantor apaixonado), mesmo que eu nunca tivesse conversado com ele sobre isto”, comenta Cantuária.
CRÔNICA
“Chuva na Guanabara” tem letra em formato de crônica, uma das marcas da produção poética de Baleiro. Aqui, os citados são Gilberto Gil e a percussionista Lanlan. “Há ainda uma homenagens ocultas, uma percussão vocal que remete ao Naná Vasconcelos, parceiro comum de nós dois, um violão meio Villa-Lobos que Vinicius fez em ‘Naus’”, continua Baleiro.
Ainda que em essência estejam somente os dois, o álbum contou com participações pontuais. Flávio Venturini gravou órgão em “O dia em que Jeremias Vaqueiro viu o mar pela primeira vez”. “Tenho uma ligação profunda com ele. Na primeira vez na vida que fui a Belo Horizonte, uns 40 anos atrás, fui defender uma música em um festival. Por acaso, ela era do Flávio, que estava no festival também. Anos depois ele entrou para a banda que fundei (O Terço, em que integrou a primeira formação, como baterista)”, conta Cantuária.
Também de BH, e há muitos anos colaborando com Baleiro, Rogério Delayon gravou as guitarras de “Sol da beleza”, que conta ainda com o baixo de Dadi. Radicado desde os anos 1990 nos Estados Unidos, Cantuária convidou Ryuichi Sakamoto, com quem já trabalhou lá fora, para registrar o piano da faixa-título.
"Lyra é um compositor fenomenal, sou apaixonado, e achei que o Zeca foi muito feliz em tê-lo colocado na letra (%u2018Quero ser teu Carlos Lyra/ O teu cantor apaixonado)"
Vinicius Cantuária, músico
VOLTA AO BRASIL
"Lyra é um compositor fenomenal, sou apaixonado, e achei que o Zeca foi muito feliz em tê-lo colocado na letra (%u2018Quero ser teu Carlos Lyra/ O teu cantor apaixonado)"
Vinicius Cantuária, músico
Baterista de formação, mas também guitarrista, violonista e percussionista, Cantuária gravou e tocou com os grandes da música brasileira – Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil. Nos anos 1980, começou sua carreira solo, no então nascente cenário do Rock Brasil. São de sua autoria “Coisa linda”, “Lua e estrela” (sucesso na voz de Caetano) e “Só você” (que o Brasil conhece pela gravação de Fábio Jr.).
Em 1994, arrumou as malas e mudou-se para Nova York, onde se estabeleceu como músico na cena de jazz e bossa, trabalhando com nomes como David Byrne, Norah Jones, Laurie Anderson e o já citado Sakamoto. De volta ao Rio (“hoje fico um pouco aqui e muito no avião”), Cantuária diz que morar nos EUA o ensinou a amar o Brasil.
“Só depois entendi que fui morar fora para ser mais brasileiro. Minha vida profissional toda está lá, e sinto que este trabalho com o Zeca vai me recolocar de novo no Brasil. Tem um público novo que não me conhece e este disco traz uma coisa paralela ao movimento de massa, mas, ao mesmo tempo, um lado popular”, finaliza Cantuária.
SHOW EM BH
Um dos primeiros shows de “Naus” será em Belo Horizonte. Baleiro e Cantuária se apresentam em 21 de outubro no Cine Theatro Brasil Vallourec. Ingressos: R$ 90 a R$ 190. À venda na bilheteria do teatro e no site cinetheatrobrasil.com.br.
“NAUS”
Álbum de Vinicius Cantuária e Zeca Baleiro
11 faixas
Saravá Discos/Sonastério
Disponível nas plataformas digitais