Jornal Estado de Minas

CINEMA

"Elvis" conta a ascensão à fama e o fim do Rei do Rock em ritmo contagiante


Em uma entrevista recente, o cineasta australiano Baz Luhrmann (“Moulin Rouge”) disse que existe o Elvis Presley rebelde dos anos 1950, o astro de cinema mais bem pago de Hollywood dos anos 1960 e o artista que, enredado em uma armadilha, entra em declínio nos anos 1970.





A cinebiografia “Elvis”, que ele dirige e que estreia em Belo Horizonte e em outras cidades do Brasil nesta quinta-feira (14/7), centra foco no primeiro e no último atos da história do chamado Rei do Rock.

O longa, que usa e abusa de linguagens – a dos quadrinhos, inclusive –, oferece ao espectador, ao longo de 2h39min, uma cativante narrativa sobre a construção e o desmonte do ídolo. Dito assim, parece que a carreira de Elvis foi moldada apenas por fatores externos, mas o filme evidencia que, por trás de toda a espetacularização e os artifícios de uma indústria cultural estadunidense em franca expansão, pulsava o enorme talento que brotou e se desenvolveu no garoto nascido em Tupelo, no Mississippi, em 8 de janeiro de 1935.

Elvis e o coronel Tom Parks – que alavancou a carreira do artista e atuou como seu empresário por mais de duas décadas –, interpretados de forma brilhante pelo novato Austin Butler e por Tom Hanks, respectivamente, são os dois personagens que sustentam o filme. A relação entre eles é o que guia praticamente toda a trama.





A caracterização de Butler é impressionante, ao ponto de, mais para o final do filme, quando o diretor se vale de registros documentais, pairar a dúvida se quem aparece na tela é Butler ou o próprio Elvis. Destaque também para a maquiagem, que realça o viço do jovem rebelde, acompanha seu envelhecimento de maneira natural, sutil, e entrega, ao final, o astro abatido, em fim de carreira.


Tom Hanks

Assim como Gary Oldman interpretando Churchill em “O destino de uma nação”, Tom Hanks aparece em “Elvis” quase irreconhecível, envelhecido e com sobrepeso. Há algo de caricatural em ambas as interpretações, a de Butler e a de Hanks, mas em perfeita sintonia com o que Luhrmann propõe – também os coadjuvantes, na maioria das vezes, carregam nas tintas da teatralidade.

A primeira parte do filme dá especial atenção, de maneira muito acertada, à questão racial em um país onde o ideal segregacionista se impunha de forma sufocante. A ideia de apropriação cultural de que muitos acusam Elvis – colocado como Rei do Rock quando, na verdade, ele foi precedido por muitos compositores negros, autores das músicas que gravou, aos quais a coroa caberia com mais justiça – é relativizada.





Quando o filme, em seus primeiros momentos, focaliza a infância de Elvis Aaron Presley, ficamos sabendo que, após o pai ser preso por uma pequena contravenção, ele e a mãe, sem dinheiro, vão morar em uma das poucas casas reservadas a brancos em uma comunidade negra. Ali o garoto é inapelavelmente tomado pela cultura e pela música do ambiente no qual está imerso.
Tom Hanks (de pé) aparece quase irreconhecível no papel do coronel Tom Parks, a quem o ator classificou de "gênio diabólico" (foto: Warner/Divulgação)

Elvis requebra


No filme de Luhrmann, o nascimento do Elvis que o mundo viria a conhecer acontece no momento em que ele vê, pela fresta da parede de tábuas de um cabaré, um bluesman de guitarra em punho executando uma canção tradicional, enquanto casais interagem de forma lasciva, e quando, logo na sequência, entra em uma tenda, a poucos metros dali, onde a comunidade local celebra um culto cantando e dançando ao som da música gospel, marcando o ritmo com palmas e com sorrisos estampados no rosto.

Como disse o diretor por ocasião do lançamento do filme nos Estados Unidos, a relação de Elvis com a música negra, mais do que legítima, chegava a ser espiritual. Num determinado momento do longa, um personagem diz que o único lugar em que Elvis conseguia ser realmente feliz era sobre o palco, entoando as canções gospel, o blues e outros ritmos da música preta estadunidense dos anos 1930 e 1940 que o haviam cativado na infância.





O longa acompanha Elvis da meninice à juventude, quando, já a bordo da fama, busca refúgio na Beale Street, em Memphis – reduto da música negra, com casas noturnas por onde desfilam B. B. King, Sister Rosetta Tarphe e Little Richards –, nos momentos em que queria escapar das engrenagens que moviam sua carreira e estar em paz consigo mesmo.

Adoração e ciúmes

São desses ambientes segregados que Elvis traz não só a música, mas também o visual e, sobretudo, a dança – algo que escandalizou a sociedade puritana da época, foi alvo de censura e acabou por motivar a primeira mudança drástica de percurso em sua trajetória, quando foi levado a servir no Exército.

A maneira como Elvis requebra, sua performance explosiva e a reação da plateia – de êxtase e culpa nas mulheres, como quem tem o fruto proibido ao alcance das mãos; de reprovação e pânico nos homens, como quem está diante de uma grande ameaça – no primeiro show que ele faz para um público mais numeroso, e que foi assistido pelo coronel Tom Parks, rende um dos momentos mais divertidos e contagiantes do filme.





Nos degraus do sucesso que galga, Elvis é conduzido pelo personagem de Tom Hanks. O coronel Tom Parks é quem introduz a narrativa e, em muitos momentos, é por meio de sua voz e de sua percepção que o espectador acompanha o desenrolar dos fatos. “O coronel não seria nada sem o Elvis, e Elvis não teria sido quem foi sem o coronel. Era um gênio diabólico”, disse Hanks em entrevista recente.

Coronel ilusionista

O personagem refere-se a si mesmo como “o ilusionista”, por seu espírito ladino e capacidade de persuasão, e é apresentado no filme num lugar de luz e sombra. Tom Parks é o pai e ao mesmo tempo o carrasco. A própria insígnia autoconferida de “coronel” diz sobre isso; passa pela crença – ainda muito corrente na atualidade, no contexto brasileiro, diga-se – de que as Forças Armadas são uma corporação particularmente virtuosa e ilibada, à qual basta estar ligado para ser digno da mais absoluta confiança.

No terço final do filme, o espectador acompanha, com as tintas da ficção – posto tratar-se de uma cinebiografia, não de um documentário – o que a história oficial registra sobre os últimos anos antes da morte de Elvis, em 16 de agosto de 1977. Ao clima transgressor, quente e imerso na cultura negra da primeira parte do longa opõem-se a suntuosidade melancólica da Las Vegas branca, onde o Rei do Rock definhou.





“ELVIS”
. De Baz Luhrmann, com Austin Butler, Tom Hanks, Helen Thomson. Classificação: 14 anos. Em cartaz a partir desta quinta-feira (14/7) em salas das redes Cineart, Cinemark, Cinesercla e Cinépolis


Longa foi das primeiras “vítimas” da pandemia

Uma curiosidade a respeito de “Elvis” é que o filme foi uma das primeiras “vítimas” da pandemia do novo coronavírus. Em março de 2020, quando toda a equipe e o elenco do longa já estavam em Queensland, na Austrália, iniciando os trabalhos de gravação, Tom Hanks e sua esposa, a atriz Rita Wilson, foram diagnosticados com COVID-19.

Na época, o próprio ator confirmou a notícia em seu perfil no Twitter. “Olá, pessoal. Rita e eu estamos aqui na Austrália. Nos sentimos um pouco cansados, com frio e com dores no corpo. Rita tinha uns calafrios que iam e vinham. Leves febres também. Para fazer tudo certo, como é preciso no mundo agora, fomos testados para o coronavírus, e o resultado foi positivo”, escreveu.

Hanks e Rita foram das primeiras figuras públicas a anunciar que tinham testado positivo para a doença. O casal retornou a Los Angeles para um período de recuperação, e as filmagens de “Elvis” só foram retomadas em setembro daquele ano, quando o ator pôde retornar à Austrália.





Em comunicado à imprensa, Baz Luhrmann comemorou, na ocasião, a possibilidade de retomar o projeto. “Estamos de volta, ‘cuidando dos negócios’, como Elvis gostava de dizer. É um verdadeiro privilégio neste momento global sem precedentes que Tom Hanks tenha retornado à Austrália para se juntar a Austin Butler e a toda a nossa equipe técnica e a um elenco extraordinários para iniciar a produção do filme.”


Elvis não morreu

Três dias após a estreia de “Elvis” nos Estados Unidos, em 24 de junho último, foi lançado o Elvis Presley Channel, disponível em algumas das principais plataformas do país – LG, Amazon Freevee (anteriormente IMDb TV), Vizio’s WatchFree+, Comcast's Xumo, Plex, Allen Media Group’s Local Now e Dish Network’s Sling TV.

Iniciativa da empresa independente de streaming Cinedigm, em parceria com a Elvis Presley Enterprises, o canal apresenta um fluxo contínuo e gratuito de concertos, documentários, especiais e filmes estrelados pelo Rei do Rock, bem como uma variada grade de entretenimento em torno de sua figura.





A programação do canal é composta por dois blocos de 12 horas de conteúdo, que são regularmente atualizados. “Trata-se de honrar Elvis, e fazê-lo em grande estilo. Elvis Presley é um artista icônico cujo apelo global transcende através de gerações”, disse Erick Opeka, diretor de estratégia e presidente da Cinedigm.

Em meados de 2021, o lançamento do Elvis Presley Channel foi anunciado para o início deste ano, mas a empresa optou por adiar para 27 de junho, justamente pensando em se alinhar com a chegada do filme de Baz Luhrmann aos cinemas.

Série e disco 

Além da cinebiografia e do Elvis Presley Channel, outros ingredientes engrossam o caldo em torno do Rei do Rock. Entre 9 e 17 de agosto próximos, será realizada em Memphis a Elvis Week, que marca o 45º aniversário de morte do artista. A Netflix prevê, para breve, o lançamento da série animada de ação e comédia “Agent king”, focada em Elvis. A Sony Music, por sua vez, planeja lançar dois álbuns com material raro do artista no fim deste ano.

Elvis Presley foi indicado a 14 prêmios Grammy e ganhou três, vendeu mais de 1 bilhão de discos em todo o mundo, estrelou 33 filmes e fez numerosas aparições na televisão. Graceland, a mansão onde o Rei do Rock viveu em Memphis, é a segunda casa mais visitada dos Estados Unidos – ficando atrás apenas da Casa Branca –, recebendo um público de aproximadamente 600 mil pessoas por ano.