“Rua Guaicurus”, longa-metragem de João Borges que estreia nesta quinta-feira (14/7), no UNA Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, é um pequeno milagre da realização cinematográfica. Foi realizado com apenas R$ 90 mil, via Lei Municipal de Incentivo à Cultura, em dois hotéis da histórica região de prostituição de Belo Horizonte (na ativa desde a década de 1950), uma das maiores do Brasil.
Filme híbrido, que fica entre o documental e a ficção, destaca três mulheres que trabalham em hotéis: uma mais experiente, que está tentando deixar a prostituição (Shirley Santos); outra que está estabelecida e sabe lidar com os melindres da profissão (Elizabeth Miguel); e uma terceira que está chegando agora, tentando melhorar de vida (Ariadina Paulino, a única atriz profissional do trio).
A câmera muito próxima e íntima das personagens e do ambiente acompanha o dia a dia dessas mulheres – ela não julga, tampouco mascara as situações. A personagem de Ariadina, por exemplo, ouve atentamente, e com humor, o que Elizabeth lhe explica sobre um cliente. Mais tarde, ela chora quando começa a fazer um programa.
Shirley, que já trabalhou na rua e em boates, fala da segurança dos hotéis da Guaicurus e da brutalidade que sofreu em programas com homens violentos. Acaba desenvolvendo uma relação com um cliente antigo (o ator Carlos Francisco), que lhe dá uma ajuda mensal para criar o filho.
Sistema
O sistema na Guaicurus é simples – a prostituta paga a diária ao dono do hotel e recebe ali os clientes. Em 2017, época da filmagem, a diária custava R$ 150 – e o programa, a partir de R$ 30.Nascido em BH, o diretor nunca tinha frequentado a rua do Baixo Centro até 2016, quando participou de uma residência artística em parceria com a Associação das Prostitutas de Minas Gerais (APROSMIG). Borges produziu uma série de imagens das prostitutas usando uma câmera de infravermelho.
Com o projeto para o filme aprovado, ele começou o périplo de tentar ter acesso aos hotéis e às trabalhadoras do sexo. “Houve um momento em que achei que não ia conseguir, pois é uma profissão em que as mulheres usam codinomes para trabalhar, ou seja, tentam esconder a própria identidade. Os clientes são ainda mais difíceis.”
Borges começou a bater nas portas dos hotéis falando do projeto de um filme e nada. Passou então a pagar por programas. “Entrava com um gravador e comecei a entrevistá-las. Devagarinho, fui me aproximando e consegui estabelecer um elo com elas.” O longa foi rodado em dois hotéis, Magnífico e Estilo.
“Eu não podia fazer nada grandioso (por causa da verba curta e da câmera única). A cena inicial (a mais elaborada) foi realizada depois da meia-noite, quando o hotel fechou e levamos as meninas para as portas (dos quartos) e convidamos clientes para caminhar no corredor. Na maior parte das vezes, filmamos só dentro dos quartos, porque era o possível a fazer”, comenta Borges.
Foram 12 dias de filmagem. Borges tinha o roteiro escrito a partir das conversas com as profissionais. “Eu lia o roteiro para ver se estavam de acordo, e elas acabaram entrando na história. A maior parte da materialidade do filme vem de observações minhas, não tem nada inventado. Na hora de filmar, eu explicava como e com quem seriam as cenas, dava toda a intencionalidade. Mas elas falavam com as palavras delas, por isto o tom documental”, diz.
“RUA GUAICURUS”
(Brasil, 2019, 75min., de João Borges) – Estreia às 19h desta quinta-feira (14/7), no UNA Cine Belas Artes.